Foi recentemente apresentado em Lisboa o livro de Tiago Moreira de Sá, “Os Estados Unidos e a descolonização de Angola”, editado pela D.Quixote, que irá certamente dar mais um contributo a um período da história do território que tem sido ao longo dos anos motivo de especulação e opiniões divergentes entre protagonistas, observadores e politólogos, um estatuto melhorado do comum “achólogo”.
Já neste espaço em 2009 tive ocasião de comentar algumas passagens do livro “ Carlucci vs. Kissinger” (Dom Quixote,2008) em que o autor em colaboração com Bernardino Gomes, fez uma busca aos arquivos entretanto abertos pela administração americana à correspondência, memorandos e contactos que se encontravam classificados no departamento de Estado sobre os tempos da revolução portuguesa, da descolonização e consequente independência dos Países africanos de língua oficial portuguesa.
Penso que este “Os Estados Unidos e a descolonização de Angola” feita pelo doutorado em História Contemporânea, Tiago Moreira de Sá, passa por ser um complemento da outra obra, circunscrita apenas ao “dossier” Angola nos anos setenta.
Repito-me quando digo que é excelente que jovens professores universitários, jornalistas ou outros eméritos investigadores de outras áreas, longe das paixões vividas ao tempo, distanciados das questiúnculas internas de Angola, fisicamente sem nunca terem conhecido o território, consigam fazer trabalhos que são indispensáveis para conhecermos realidades que vivemos e que julgávamos ter tido enquadramentos em que as nossas antigas certezas são abaladas pela actual teimosia dos factos.
O livro que li num fôlego é um aturado trabalho de pesquisa não apenas dos documentos da correspondência epistolar, trocada entre vários intervenientes e o departamento de Estado Americano, mas também o recurso a outras obras, algumas já aqui comentadas, como a depoimentos de alguns intervenientes.
O que ressalta do muito que a obra contém é que a história oficial precisa de ser desmontada, e é de certa forma lastimável que certas personalidades envolvidas no processo de descolonização de Angola continuem a perpetuar discursos completamente distorcidos das suas próprias práticas ao tempo. Cito a título de exemplo entre outros, o caso de Almeida Santos, que na sua extensa obra “Quase Memórias” evidencia uma prática que os documentos colocados neste livro permitem ter outra leitura completamente divergente.
O livro não é laudatório para ninguém ou nenhum movimento, nem era esse o objectivo, mas pode permitir que outros factos em Angola possam ser analisados de forma diversa, como por exemplo o enquadramento e as desinteligências entre cubanos e soviéticos em alguns períodos quentes da história contemporânea de Angola.
O que Mobutu pensava de Holden, de Neto, Savimbi e Chipenda. Rosa Coutinho era o “homem dos americanos”, segundo informações do cônsul americano em Luanda. O alinhamento despudorado de Kaunda com Savimbi. A insistência de Almeida Santos em Savimbi para a presidência de Angola. A simpatia de Julius Nyerere pela UNITA e as suas tentativas para afastar Neto da presidência de Angola, tentando que Samora Machel o seguisse. A falta de interesse dos EUA em Angola. As razões pelas quais Mao não queria ligar-se a nenhum movimento que tivesse apoio sul-africano. As posições pró-Unita de Melo Antunes e a sua rápida mudança de tabuleiro. As razões da quebra de apoio à FNLA e à UNITA numa determinada fase. Tudo isto o livro aborda, ainda que ocasionalmente não de uma forma muita exaustiva, provavelmente por critérios que terão a ver com a necessidade de não transformar o livro num “tijolo” sensaborão.
Surpreende-me de certa forma a conclusão que o autor retira do conjunto de documentos, livros, depoimentos e alguma ajuda de certos intervenientes directos como Heitor Almendra, homem forte da conjuntura militar portuguesa em 74/75 em Angola, e que se tem remetido a prudente silencio. Tiago Moreira de Sá afirma categoricamente que a intervenção dos americanos numa primeira fase foi causada pela envolvência dos soviéticos e cubanos, destes pela “solidariedade internacionalista” sem terem consultado a URSS, e esta intervêm porque os chineses se posicionavam para criar tentáculos em África. Os sul-africanos e os zairenses eram trocos, em todo um esquema de intervenções pouco pensadas e afirmadas e perpetuadas no tempo por razões que nada tiveram no seu âmago.
Acho que é um livro essencial para dar novos conteúdos a outras realidades que julgávamos verosímeis, e pode ser mais um instrumento para novas discussões e outros trabalhos que valorizem o estudo da Angola contemporânea, que muito começa a dever a estes jovens investigadores.
Fernando Pereira
30/4/2011
Pensar e Falar Angola
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