QUESTÕES QUE ESTAMOS COM ELAS (XXXII)
Crónica do “Agora” de 6 de Março de 2010,
De Manuel Victória Pereira
“Assim vai o sul… e o resto: entre coxas e conchas, o dilema”
“… O côncavo e o convexo
Assim é o nosso amor no sexo”
(Roberto Carlos)
Algures à beira da estrada, no nosso litoral sul, uma tabuleta diz assim: “PRAIA DAS COXAS”.
Tratar-se-á de um turístico chamariz, alusão aos dotes físicos das banhistas, especialmente acolchoadas na região femoral? Em que praia não haverá coxas dignas de um poema? Que o diga Vinicius de Morais!
O Namibe tem coisas assim. Por isso recordo o momento em que, faminto e sentado no restaurante da modesta pensão onde me hospedara, lia um menu escrito a giz no improvisado quadro preto pintado na parede, à maneira de algumas escolas. Entre outras opções não tão caras, constava: “CONCHAS”. Logo ali indaguei, com muita água na boca, de que conchas se tratavam, enumerando os vários moluscos – os bivalves e os univalves – que a minha fraca memória guardava daquele generoso mar: Mexilhões? Amêijoas? Quitetas? Burriés? Enfim, que conchas?
Com o ar mais doutoral possível, responderam:
-“Conchas” de galinha, claro!
Pobres penosas! Como se não bastasse nações inteiras esperando pelo ovo no… delas, tinham virado suas coxas, por pura magia da ignorância empresarial, frutos do mar.
Não quis processar o pensionista, dono de uma boa frota automóvel em exibição no parque de estacionamento, por propaganda enganosa. Tinha eu outras lutas a travar!
Pela inversa, a praia anunciada era a Praia das Conchas, não “das Coxas”. Aliás, mesmo na arte de Renoir com tanto sucesso na época, estas eram mais convexas do que côncavas, para bem da pintura universal.
Já noutro dia, nesta magnífica capital, parei faminto num restaurante de herdeiros de um namibense: no menu constavam amêijoas, que pedi saudoso e impaciente. Entretanto, as conchas que vieram no pires eram triangulares e não arredondadas. Eram quitetas! Nem a actual gerência guarda o saber do seu directo ascendente, o seu falecido pai. Sorte tive eu de não me servirem aMeixas, fruto sobremaneira laxante.
Moral da história: chamar as coisas pelo seu nome não tem a mínima importância, nem para os que comandam negócios, nem para os que espetam as tabuletas pelo país fora, nem para os que mandam e desmandam. Namibe é só um exemplo. Ali rebatizam tudo, até com nomes mariconços:
O Giraul, zona onde a sinuosa estrada deve ser um alerta para os automobilistas incautos ou demasiado entusiasmados, virou “Mini-Leba” na abusiva toponímia dos forasteiros: Ponham lá uma tabuleta, senhores!
A Praia das Barreiras, passou a ser chamada de “Escadinhas”- como se o seu nome anterior fosse eufónico ou obsceno – pelos mapundeiros e outros visitantes. Não dá para conservar um mínimo da toponímia, mesmo quando ela não tenha nada de fascista?
Moral final: o que faz falta é conhecermos melhor a nossa Angola, não só o nosso umbigo. Vejamos como muita boa gente dita instruída ainda acredita que a Welwitschia Mirabilis é carnívora, e ainda mais, antropófaga. Outros, escrevendo nos jornais, consideram “umbundus” ou “bailundos” todos os grupos etno-culturais tradicionalmente estabelecidos ao sul do Kwanza. Nyaneka-humbi, para esses, é um grupo inexistente.
Se nas horas em que ululantes, esses sábios assistem aos futebóis europeus na TV, estudassem um pouco sobre Angola além-Mutamba, o conhecimento mútuo entre angolanos e de todos sobre a dita Pátria Amada seria mais construtivo e harmonizante. A mente de todos ficaria menos coxa.
FIM
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