domingo, 7 de março de 2010

Ágora (106) - Tristão sem Isolda




Reconheço, que não terei começado da melhor forma a Ágora neste iniciar de 2010. Vamos ver se as coisas melhoram!
Fez no pretérito 4 de Janeiro, precisamente 50 anos que morreu o incontornável Albert Camus. Filho de francês e de espanhola, viu o precoce desaparecimento de seu pai durante a 1ª Guerra Mundial, e daí teve que ir viver com os seus avos, em Argel. Prémio Nobel da literatura em 1957, um dos grandes dos primórdios do existencialismo, companheiro de Sartre, Senghor, Césaire e ocasionalmente de Mário Pinto de Andrade, era um homem de “humanismo insistente, estreito, puro, austero e sensual”( Sartre no seu elogio fúnebre).
Camus foi uma pessoa que foi afirmando a sua personalidade política, de apoio à independência de uma Argélia, embora fosse um pied-noir, e sendo uma das maiores referências literárias do século XX, é uma inegável autoridade moral, e reflecte em toda a sua obra as grandes contradições morais do pós-guerra. Foi militante do PCF, que abandonou, e durante a 2º Guerra Mundial, como jornalista organiza núcleos de resistência ao nazismo. Era um apaixonado por futebol, modalidade que praticou na Argélia.
“O Estrangeiro”, “O Mito de Sisifo”, “A Queda”,” O Homem Revoltado” e a “Peste” são um conjunto de obras que me fizeram sentir muito próximo de um autor que tem humor, e há nele uma leveza na forma como trata as questões e o quotidiano.
Esta deambulação minimalista pela obra de Camus, coincide com o facto de haver em França, uma grande discussão sobre a transladação, dos seus restos mortais para o Panteão Nacional, onde a xenofobia e o reaccionarismo fazem brado, pois colocar um “impuro” ao lado de Victor Hugo, Descartes, Madame Curie, e pode abrir caminho a sabe-se lá a quem!!!
Acho que em Angola, devia-se começar a pensar onde enterrar os seus heróis com a dignidade que merecem, pois é obrigação de um Estado enaltecer os que foram determinantes na sua história, colocando-os em locais nobres, onde a população possa saber onde estão os que foram melhores, sem que naturalmente violente as convicções religiosas e tradicionais do cidadão e sua família.
São dispensáveis mausoléus, de discutível qualidade arquitectónica, de total inutilidade política, e acima de tudo de conclusão imprevisível, mas um lugar, que conjugasse a contemplação e o respeito, pelos que em vida construíram algo de importante para nós.
Dirão alguns, que não há gente em quantidade suficiente, mas nem o Panteão de Lisboa (1916), nem o de Paris (1790) Roma (1436), o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves (1986), em Brasília, e outros locais do tipo foram feitos para esgotar a lotação logo após a construção.
Vão-se lembrando disso, porque se hoje muito poucos lá caberiam, julgo que “atrás de tempos virão tempos e outros tempos hão-de vir” (Fausto), e não se pede um Vale dos Reis de Tebas, mas um sítio onde os católicos, agnósticos, ateus, protestantes, animistas, possam ter o seu lugar, se a vida o fez para o merecerem.
De quando em vez lembro coisas deliciosas na nossa cidade capital, como por exemplo ainda estar numa parede no largo perto do BPC, um azulejo com o nome de “Largo Tristão da Cunha governador -1666”. Aparentemente nada tem de extraordinário, mas a realidade é que esse tal Tristão foi governador cinco meses, e logo teve direito a Largo numa zona nobre da cidade, e o sendo tão despercebida a acção este governador, não deixa de ser risível, que ninguém se lembrasse de mudar o nome do largo.
Podem vir com muitos argumentos, mas de facto, eu se fosse de uma comissão de toponímia, não iria admitir em circunstancia alguma que se perpetuasse uma placa com o nome Tristão, quando o angolano é uma pessoa alegre, comunicativa, profundamente afectiva, nada que tenha a ver com o nome Tristão, que se vê bem que é um nome mais adaptado ao cinzentismo colonialista, que à garridice do nosso País.
Já que falo nesse largo lembro-me que a velha confeitaria Royal, tinha uma porta de serviços para lá, quando acompanhei o meu pai até ela ter fechado, num prédio hoje demolido. O que me fascinou sempre, ainda hoje, foi ter visto aí a primeira matrioshka, que ainda hoje é a latinha mágica do fermento Royal, que tem um rótulo que vai sendo repetido até desaparecer. Latinha branca e vermelha, que nada tem a ver com as cores de um clube a que tenho uma visceral antipatia.
Bom ano, sem Tristão!
Fernando Pereira
11/01/2010

Pensar e Falar Angola

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