domingo, 16 de agosto de 2009

“As relações Angola-Brasil: referências e contatos” (IV)

por Marcelo Bittencourt


Conexão livre e dispersa

TODAVIA, UM OUTRO MOVIMENTO DE CONEXÃO ENTRE ESSAS DUAS MARGENS DO ATLÂNTICO, MAS COM ORIENTAÇÃO, AGENTES E DESFECHOS TOTALMENTE DIFERENTES, IRIA SE ESTABELECER EM PARALELO ÀS RELAÇÕES DE CARÁTER OFICIAL E COLONIAL QUE ASSUMIRIAM AS TESES FREYRIANAS.

A luta pela independência em Angola, já com uma perspectiva nacional, tem como um de seus locais de gestação o ambiente cultural luandense. Estimuladas por jovens de finais dos anos 40 e principalmente do início dos anos 50 do século XX, revistas culturais, rodas de leitura e uma produção literária preocupadas em realçar a sua africanidade ganham destaque como instrumentos de contestação à imposição dos padrões coloniais.[3]

Formada por jovens negros, mestiços e brancos, em sua maioria mergulhados há bastante tempo no ambiente crioulo de Luanda, ou ainda recém-chegados para completar os estudos, a revista Mensagem, criada em 1951, foi uma das principais precursoras de toda essa agitação e, certamente, a primeira tentativa de maior expressão na busca de reabilitação dos valores angolanos, apesar da sua curta duração – encerra-se com o segundo número, em outubro de 1952. Evidentemente, a “revista” seria mais do que uma publicação. Passou a ser uma referência e um local de encontro e discussão.

De forma nada surpreendente, seus principais expoentes seriam também os primeiros a fornecerem uma formatação política mais consistente aos anseios independentistas. A ligação entre atividade cultural e iniciativa política era já bem conhecida tanto dos angolanos, quanto das autoridades governamentais. Foi o caminho possível para se buscar a conscientização e a organização necessárias para o início da luta anticolonial. Essa articulação se faria presente também em outros centros urbanos, principalmente mais ao sul, como Benguela e Huambo.

Progressivamente, muitos desses quadros que lutavam por uma melhor organização dos independentistas passaram à clandestinidade, outros foram para a metrópole em busca de formação universitária e alguns poucos conseguiram se estabelecer em outros países europeus, a fim de darem continuidade aos estudos. Todos, porém, lutavam pela manutenção dos contatos, para que a chama não se extinguisse.

Apesar das dificuldades, desenvolve-se o processo de articulação política e surgem os primeiros grupos clandestinos. Nesse processo de formação das pequenas células, ocorre a incorporação não só dos remanescentes da crioulidade luandense, mas também daqueles que fugiam a tal classificação cultural. O objetivo principal, guardadas as devidas precauções com a atividade policial portuguesa, era justamente a divulgação do clima contestatório em âmbito nacional.

Nessa passagem de uma etapa de divulgação cultural para um momento de criação e organização de pequenos grupos de ação política clandestina, contou, sobretudo, a influência do pensamento de esquerda, principalmente de orientação marxista, transmitido aos angolanos independentistas pelos trabalhadores marítimos, pelos exilados do regime e por alguns brancos marxistas, ou ainda por intermédio de estrangeiros. E o que nos interessa ressaltar é que parte desse instrumental e dessas referências era proveniente do Brasil.

O material a que tinham acesso era bem diversificado, desde panfletos e revistas brasileiras até livros de formação política e romances de Jorge Amado e Graciliano Ramos, entre outros. O que realmente importava era fazer circular publicações que divulgassem autores de concepção marxista. Os livros da editora brasileira Vitória também conseguiam chegar; ainda que com grande dificuldade, dada a ação da polícia política portuguesa (Pide), que impedia a entrada deste material.

A influência brasileira podia ser notada ainda na imprensa angolana, através dos canais de livre acesso, como o rádio e os jornais. Nesse último caso, temos o exemplo do quinzenário Jornal de Angola. A coleção desse periódico também se encontra no Arquivo Histórico Nacional, em Luanda, e é um belíssimo exemplo da presença da imagem e da informação do Brasil em terra angolana.

Com respeito a esse campo – do estudo das influências culturais brasileiras, em meados do século passado, sobre a geração que iria dar nova formatação ao desejo de independência –, é preciso mencionar a contribuição dos pesquisadores brasileiros da área da literatura. Partindo de entrevistas com autores angolanos, muitos desses pesquisadores conseguiram reconstruir o quadro de referências brasileiras a que foram expostos os angolanos.



Pensar e Falar Angola

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