domingo, 16 de agosto de 2009

Ágora (78) - OBSERVATÒRIO DA MULEMBA




“Este é um pequeno passo para o homem, mas um enorme salto para a humanidade”
Frase lapidar proferida em 20 de Julho de 1969, por Neil Armstrong,o primeiro homem a colocar o pé na lua.
Quarenta anos depois, a Terra e a Lua continuam à mesma distância, e as interrogações sobre o entusiasmo inicial do projecto e o seu crescente esmorecimento, vão permanecendo fora dos interesses quotidianos dos terráqueos. Por cá muito mudou, mas a realidade é que na Lua tudo parece estar calmo, a aguardar novas visitas e um renovado entusiasmo, pelo menos igual ao da Apolo XI, nave que levou os astronautas para a primeira abordagem ao “ mar da tranquilidade”.
Na Luanda serôdia desse final dos anos sessenta, sem emissões de televisão, o acompanhamento em directo desse acontecimento, só foi possível pela tenacidade de duas saudosas figuras: Sebastião Coelho e Bettencourt Faria.
Cúmplices durante muitos anos no programa de boa memória “Café da Noite”, onde Carlos Mar Bettencourt Faria tinha a rubrica “ O Cosmos em sua casa”( 1164 edições, até 25 de Fevereiro de 1975, fim do programa, por circunstancias conhecidas). O programa era emitido dos “Estúdios Norte”, num prédio hoje “premeditadamente” arruinado na Travessa da Sé.
Tive o privilégio de ter conhecido Bettencourt Faria, com ele ter convivido, e acima de tudo por me ter sempre fascinado e permitir-me toda uma série de sonhos e viagens exploratórias por um imaginário fértil de criança e adolescente. Era amigo do meu pai, e no cacimbo depois de um almoço domingueiro no Cacuaco a visita ao “Observatório da Mulemba” era uma quase rotina, a 13 km de Luanda, num tempo em que o controle da cidade era em frente à prisão.
A loquacidade e o entusiasmo de Bettencourt Faria eram extraordinários, e o que fascinava ainda mais era a forma como nos explicava tudo, quer no domínio da astronomia, astrofísica, mecânica, oceanografia, mineralogia, fazendo da “Mulemba” uma experiencia irrepetível. Tudo que era para mim entediante nas carteiras do Salvador Correia, era tão simples nas explicações do “cientista autodidacta”.
No cada vez mais longínquo 1969, Bettencourt Faria falou com Armstrong e Aldrin, nesse feito imperecível, que os luandenses tiveram o privilégio de acompanhar através de imagens sonoras, fruto da colaboração de B. Faria com a NASA.
Com uma enorme dimensão humana, despojado de todo o tipo de interesses materiais, avançadíssimo para a época, Bettencourt Faria aporta a Luanda aos 24 anos para trabalhar na Diamang. O seu “autodidatismo”, é motivo de ostracização por parte de alguns poucos “cientistas” da terra, o que não obstou que colaborasse com a NASA e simultaneamente com alguns astrofísicos da ex-URSS, e prova disso foi as experiencias partilhadas com o projecto Apolo e Sputnik, tendo neste caso, sido a Mulemba o único observatório africano a fotografar os sinais emitidos pelo satélite soviético.
Com muitas dificuldades económicas, B. Faria só recebeu uma vez o apoio de 500 contos da Gulbenkian, fruto do conhecimento que Mário António de Oliveira, ao tempo director da Fundação, que já o conhecia do Observatório João Capelo, onde o “ Wernher von Braun” angolano ia com frequência buscar livros, “que nalguns casos ninguém se tinha dado ao trabalho de abrir”.
Apesar de instado a dormir num local mais seguro, nos conturbados tempos do dealbar da independência de Angola, teimou em permanecer na Mulemba onde foi barbaramente assassinado em 4 de Julho de 1976, levantando-se no exterior um coro de comentários, em que o MPLA teria instigado o crime. Pura estultícia, já que o móbil do assassínio, foi comprovadamente motivado para assaltar um homem bom, de parcos haveres, mas de muitos saberes.
A comunidade científica angolana era muito pobre, e a morte de Bettencourt Faria fez que ela passasse a ser paupérrima, e neste quadragésimo aniversário da 1ª viagem do homem à Lua, fez-me bem relembrar o homem do “Observatório da Mulemba”, o lugar de todos os sonhos.
Angola devia recordá-lo mais vezes!

Fernando Pereira 11/07/09


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