terça-feira, 18 de agosto de 2009

“As relações Angola-Brasil: referências e contatos” (VI)

por Marcelo Bittencourt

A luta e o temor colonialista

Em março de 1959, a Pide realizou vasta operação em Luanda e noutras cidades que culminou com a prisão de vários suspeitos de conspirarem contra a soberania portuguesa, ou mesmo de serem simpáticos a tal idéia. A partir dessas prisões, o governo português instaurou um inquérito que ficaria conhecido como “Processo dos 50”, todo ele repleto de irregularidades jurídicas, destacando-se a proibição de os advogados visitarem seus clientes. Estabelecia-se, dessa forma, duro golpe contra o movimento nacionalista angolano.[5]

Apesar do retrocesso que essas prisões significavam para o movimento de contestação colonial, elas proporcionaram o reconhecimento, por parte de Portugal, de que havia grupos organizados lutando pela independência das colônias. Com isso, finalmente, a luta por uma Angola independente alcançava o noticiário internacional e punha em xeque o discurso luso-tropicalista de Salazar.

Os acontecimentos se intensificam. Na madrugada de 4 de fevereiro de 1961, grupos independentistas tentam resgatar os presos políticos detidos nas ações policiais de 1959 e 1960. Jornalistas estrangeiros em Luanda – que aguardavam a chegada de Henrique Galvão e seus homens, que haviam seqüestrado um navio português, numa ousada ação contra o regime de Salazar – dariam ressonância aos fatos. Galvão acabaria por negociar com o Presidente Jânio Quadros, desviando o navio para o Brasil.

Até aquele momento, as desculpas portuguesas ficaram circunscritas às sessões da ONU, ocasiões em que as críticas ao colonialismo luso não avançavam para medidas mais concretas, dadas as alianças portuguesas, incluindo as existentes com o governo brasileiro de então.

Na elaboração de suas estratégias defensivas, as autoridades portuguesas sempre levaram em consideração o papel a ser exercido pelo Brasil, principalmente após a deflagração da luta nas colônias portuguesas na África, em especial Angola. O temor de uma simpatia brasileira pelo desejo de autonomia em Angola era uma preocupação já antiga na política portuguesa. Fora alvo de cláusula documental no acordo de 1826 entre Brasil e Portugal, para que este último reconhecesse a independência do primeiro, estipulando-se ainda o impedimento do Brasil em aceitar o controle direto sobre qualquer território português na África. Esse receio, mesmo após as independências das colônias africanas, não seria de todo extinto, mudaria de forma e de interpretação.

No início da década de 60, essa apreensão do governo português encontrava elementos nas reformulações ocorridas na política externa brasileira. Era o período de manifestação do discurso culturalista de ligação e dívida com a África, o qual, porém, logo demonstraria suas limitações.

O novo discurso da política externa brasileira assustava os colonialistas portugueses, alicerçados numa retórica de fundo luso-tropicalista da qual o Brasil seria a melhor comprovação da capacidade portuguesa de fornecer “civilização” a outros povos.

Era, portanto, de grande importância a concordância brasileira com a política de Portugal em relação às colônias. Até então, o continente africano era encarado por alguns setores do governo brasileiro apenas como um rival na exportação de produtos primários. O café angolano, por exemplo, competia diretamente com o café brasileiro. Tais disputas na área econômica fundamentavam uma política titubeante do Brasil nos fóruns internacionais a respeito do processo de descolonização na África.

Nas votações da ONU em 1960, o Brasil, ao mesmo tempo que apoiou a resolução que garantia a independência dos povos e países coloniais, foi contra uma outra que forçava Portugal a dar informações sobre suas colônias na África. Essa atuação ambígua também era praticada em relação à África do Sul, parceiro estratégico no Atlântico Sul. O Brasil abstinha-se nas votações sobre o apartheid com o argumento de se tratar de um problema interno sul-africano.

Nos governos de Jânio Quadros e João Goulart, a chamada política externa independente traria novidades ao posicionamento brasileiro no tocante ao processo de descolonização africano. A política externa desse período refletiria a idéia de uma maior exposição internacional do Brasil, de uma diversificação de interesses e aliados e também de penetração em zonas até então pouco tocadas. Essa postura resultou na abertura de embaixadas em Acra, Rabat, Túnis, Dacar (onde antes existia um consulado) e Lagos, além dos consulados em Luanda, Lourenço Marques (hoje Maputo), Nairóbi e Salisburry (atual Harare).

Também nesse ano de 1961, seriam criados a Divisão de África no Itamaraty e o Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (IBEAA), tendo à frente Candido Mendes de Almeida, Eduardo Portella e Maria Yedda Linhares (SARAIVA, 1996, p. 64-5 e 94). Entretanto, as alterações na política externa brasileira não foram suficientes para superar as hesitações em relação ao problema das colônias portuguesas. Na votação de março de 1961 na ONU, em torno da reação portuguesa aos levantes ocorridos em Angola, o Brasil se absteve.



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