Partindo deste conceito, este livro de Kate Hama, KH, pode ser considerado uma obra de ficção-científica e muito mais o parecerá, à primeira vista, porque de vários modos refere antecipações de várias máquinas e mecanismos futuros assim como de diversos modos de conhecimento que muito possivelmente o Homem há-de de dominar um dia.
Nesta medida, A Siamesa é, portanto, uma novela exemplar de ficção-científica, porque se baseia na ciência de forma plausível, sendo a riqueza de detalhes um dos seus pontos fortes, incluindo ainda previsões sobre sociedades futuras na Terra assim como análises das consequências das viagens interestelares e explorações imaginativas de outras formas de vida inteligente e das suas sociedades noutros mundos.
Mas A Siamesa não é apenas uma novela de ficção-científica. O seu autor, que soube imaginar uma personagem tão complexa como a Siamesa, rodeando-a de personagens que encaixam como um mecanismo de relógio suíço numa trama cujo mistério vai aumentando à medida do seu desenrolar, construiu, perseverante e firmemente, um libelo que nos recorda com minúcia o drama da existência humana nas suas limitações e condicionalismos.
Primeira incursão nas letras do autor, portanto sem a experiência nem o calo e, logicamente, sem atingir a qualidade literária dos seus antecessores na ficção-científica angolana, género literário em que podemos considerar algumas obras de Henrique Abranches e Artur Pepetela, esta obra de KH é, por outro lado, pioneira pela intenção e pela unidade dramática que a enforma.
Aparentemente, e segundo o autor declara amiúde, a mensagem principal a extrair da obra é que o crime não compensa e que a justiça não se deve nunca fazer pelas próprias mãos. Uma leitura mais atenta levar-nos-á, no entanto, a muitas outras conclusões, nomeadamente à condenação dos totalitarismos – de todos os totalitarismos, venham de onde vierem - assim como à fatuidade e inutilidade de todos os excessos.
Uma análise semiológica da linguagem que Kate Hama utiliza leva-nos a descobrir muitas outras coisas variadas e interessantes.
Antes de mais, há que registar uma grande capacidade de adaptação, aliás inata nos que podemos chamar de verdadeiros mwangolés. Apenas com seis anos de vivência de Luanda, KH aparece com uma linguagem que, sem descurar os termos e modismos do seu Wambo natal, especialmente os do seu Bailundo, incorpora os termos mais correntes do alfacinha de Luanda, no seu pior … e melhor, parecendo às vezes até que nunca foi outra coisa do que um autêntico calu.
Verdadeiro criador de neologismos, como se fosse um notável mestre da Língua Portuguesa, KH reinventa-a de vários modos, razão por que a revisão optou por eliminar as inúmeras aspas que deveriam aparecer ao longo do texto, dando igual tratamento à integração de estrangeirismos, nomeadamente de origem britânica, que de tão incorporados que começam a estar na linguagem corrente não são assinalados como estranhos ao texto. Mas onde mais se nota isto mesmo é especialmente nos termos de origem castrense, o que não admira, dada a sua origem profissional assim como as relações que por esse motivo teve durante o seu percurso militar.
Registe-se ainda como características principais da sua escrita, a forma singularmente arrevesada como utiliza o seu grande poder de efabulação, através do uso da negativa como forma de realçar os acontecimentos e as qualidades dos agentes assim como o esforço acentuado involuntariamente que o leva a mostrar os seus conhecimentos culturais, que vai distribuindo pelo texto em doses tão sábias como equilibradas.
Rodrigues Vaz
KATE HAMA
Leitor compulsivo, acredita, por isso, que a sua criação literária pode também servir para o deleite de outrem. Por isso, criou a trilogia A Siamesa, a sua primeira obra literária, cujo primeiro volume é agora dado à estampa, devendo os próximos sair para os escaparates das livrarias em 2009.
Actualmente, continua a conciliar a escrita com os estudos.
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