domingo, 5 de outubro de 2008

Musseques de Luanda

Musseques de Luanda
A cidade de Luanda concentra 3 cidades:
1 - A cidade "colonial" - centro administrativo, dos negócios e urbanizada antes de 1974.
2 - Os musseques - onde moram a maioria dos citadinos.
3 - Os subúrbios de luxo.
OS MUSSEQUES DE LUANDA
A palavra musseque tem origem no kimbundo (mu seke) e significa areia vermelha.A um dado momento, musseque, passa a designar os grupos de palhotas, que se adensam no alto das barrocas e que por semelhança à SEKE (vermelho ocre) toma o nome do material (areia) sobre o qual se implantam. O seu desenvolvimento está intimamente ligado ao da cidade propriamente dita.
A partir de 1962, a febre da construção civil e o lançamento da indústria, fascina cada vez mais as populações rurais que abandonam os seus locais de origem e migram para a cidade grande, Luanda. Estas gentes instalam-se nos musseques e reagrupam-se segundo as suas origens. Os musseques passam a designar o espaço social dos colonizados, assalariados, reduto da mão de obra barata e de reserva, ao crescimento colonial, colocados à margem do processo urbano, surgindo como espaço dos marginalizados, e cuja fisionomia está em constante transformação.
Em 1974, Luanda conta com quase meio milhão de habitantes onde se inclui 340.000 africanos. Nessa época, na planta da cidade, já se podem distinguir três grandes zonas de musseques, organizadas segundo as principais linhas de expansão da cidade:
- A este - localizam-se os musseques mais antigos, Sambizanga, Mota, Lixeira, Marçal, Rangel (o mais populoso), Adriano Moreira e Cazenga (o mais extenso).
- A sul - Calemba, Cemitério Novo e Golfe.
- A sudoeste - Catambor e Prenda, este último "premiado" no início da década com um arranhacéus de betão.
No meio da cidade nova e completamente engolido pelas novas avenidas, e respectivas construções, localiza-se o pequeno B.O. (bairro operário).
O aspecto construtivo diferenciado surge de acordo com a origem dos seus habitantes, a sua ocupação e o grau de adaptação à cidade; existe sempre um traço comum - a organização do espaço.
O musseque é fechado sobre si mesmo, num entrelaçado complexo e orgânico de ruelas, "pracetas" e corredores. As ruas são estreitas, verdadeiros corredores ou espaços de passagem, com a largura de um homem, desconhecendo qualquer tipo de planeamento, respondendo apenas à possibilidade de acesso peatonal aos espaços mais reconditos do coração do musseque, ocupando apenas os pequenos espaços sobrantes entre cada construção. Estes corredores são delimitados pelas próprias construções e por vedações, sustentadas por estacas, e fechadas com diversos materias recuperados nos lixos e abandonados nas obras (lata e desperdícios), fazendo lembrar verdadeiras paliçadas, interrompidas por janelas e portas com as mesmas características.
A configuração caótica e fechada, favoreceu, a formação da personalidade e da identidade nacional no seio do povo, o desenvolvimento da resistência ao colonialismo e a construção de um espírito revolucionário, que tanto inspirou poetas, contadores de histórias e cantores populares.
A história tem confirmado ao longo do tempo (para mal de qualquer ditadura), que a densificação urbana permite a organização e a propagação de ideais revolucionários.
As recentes destruições causadas pela guerra civil, os massacres, e o exôdo das populações do interior, à procura de refúgio dos combates, transformam completamente o aspecto dos musseques de Luanda.
A população actual de Luanda é de 4,5 milhões de habitantes, perto dos 5 milhões - 8 vezes mais que em 1974 - provocando a exaustão da cidade, com ¾ da população a viver em musseques.
Ao longo de três décadas, os musseques deixam de ser bolsas da malha urbana Luandense, passando a grandes manchas disformes, ao redor do núcleo urbano, que foram crescendo desordenadamente, sem qualquer controle, ignorando qualquer determinação urbanistíca (não existe uma polítca de desenvolvimento urbano), absorvendo cada vez mais pessoas, e sem condições de salubridade.
A comuna N'Gola Kiluange, situada na área de Sambizanga tem uma população, estimada em 1994, de 125.000, com crescimento anual de 18%.
As casas, ou se preferirem, os espaços precários destinados à função de habitar, são construídas em adobe, com frágeis fundações, outras, não passam de barracas ou refugios improvisados; concentram-se junto das estradas, desadaptadas à morfologia dos terrenos de suporte, não resistindo por vezes às enxurradas da época das chuvas torrenciais e com esgotos a céu a aberto.
A inexistência de infraestruturas, redes de abastecimento de água, electricidade, recolha de esgotos, águas pluviais e de lixos, é uma constante ameaça à saúde pública - malária, tuberculose, cólera, hepatite, mortalidade infantil elevada, etc. - empurrando esta gente, esquecida e amontoada ao longo dos anos, para níveis de extrema pobreza.

Anabela Quelhas - 2006/07/21






Pensar e Falar Angola

2 comentários:

anydrus disse...

brilhante sua leitura espacial. Obviamente que sintetizar uma realidade urbana complexa como Luanda é um difícil exercício. Tenho trabalhado com o Bairro Operário e, junto a equipe de projeto, levantado a necessidade de compreensão daquele fenomeno histórico e resgate de seus significados culturais e políticos. Penso que é um grande desafio em curso. Por este motivo, aproveito para solicitar informações sobre a história do bairro operário. fotos antigas, depoimentos, entre outras fontes. Parabéns pela reflexão. (alexandre@coopere.net)

Anabela Quelhas disse...

Obrigada, Alexandre. Dentro de dias publicarei Bairro Operário, uma visão muito pessoal e provávelmente com algumas incorrecções. Volte sempre e colabore conosco também.

vida é obra

Dr. Agostinho Neto