terça-feira, 5 de abril de 2011

OYÀMANTÚ



Contam que no Palácio de Kèrémanwo, o Rei de Kitào, havia se cercado com os melhores guerreiros de toda a Afrikà.

Armou-os com que de melhor havia.

Arcos de Inõ, com cordas de couro de gazela trançado, e flechas com penas de gavião.

Seus escudos eram feitos de couro de elefantes, duros como o aço.

Seus machados de guerra eram forjados com perfeição, e amolados nas pedras da beira do Rio de Òba.

Eles treinavam do nascer ao ápice solar.

Descansavam, bem alimentados, no Jardim das Maravilhas do palácio, até o sol deitar.

Vestiam-se com peles finas de tigre, leopardo e outros animais. Menos com a do leão, pois estas pertenciam a Sangó.

Era o exército mais temido. A vontade de Kitamògúm era sua lei. A presença dele era o bastante para o avaro pagar seus impostos e até o mendigo encontrar uma leitoa prenha em suas terras.

Kitamògúm reinava feliz.

Suas oito mulheres lhe deram trinta e dois filhos. Apenas onze mulheres.

Seu tesouro crescia a cada dia. Seus rebanhos se multiplicavam. Sua terra era fértil.

Uma de suas filhas, Oyámantú, a mais nova, linda, irrequieta e brava como um búfalo, resolveu que não poderia continuar a aprender a tecer, cozinhar, tingir, e moldar a tabatinga.

Sua paixão eram as armas.

Seu sonho era guerrear.

Kitamògún consultou o babalao e pensou.

- Se o pano de seu tear é áspero como palha, se um gorila pinta melhor do que ela, se sua cabidela é recusada até pelas hienas, por que não deixá-la tentar ser uma flecheira?

E ela se tornou a melhor flecheira do reino.

Seus vinte e um irmãos não aceitavam mais, nem por brincadeira, disputar com ela.

- Sua flecha é certeira como profetizou o cordão de Ifá. Como será sua lança?

Oyàmantú se tornou a melhor seteira do reino.

Seus vinte e um irmãos ficavam chorando de raiva a cada vez que com ela treinavam.

- Atira como um homem, ou melhor. Sua lança é rápida e finca fundo. Mas não terá força para disputar com um guerreiro. Desta vez acho que conseguirei dobrá-la.

E com vinte e dois guerreiros lutou corpo-a-corpo. Acha e escudo. Machado e escudo. Faca com e sem escudo. Do mais fraco ao mais forte. A todos venceu. Nem todos, dos seus vinte e um irmãos, quiseram com ela lutar.

Seus vinte irmãos, um deles, apenas por acidente, faleceu devido aos ferimentos, começaram a não mais querer andar com pele de animais, símbolo do guerreiro.

Andavam de cabeça baixa. Quase não falavam.

- Derrotados por uma mulher!!!

Kitamògún vivia irritado:

- Vinte e um varões! Qual deles é o melhor? Uma mulher!

Esbravejava aos céus e à terra. Não mais dormia. Suas oito mulheres eram bem menos procuradas do que a cabaça de emu. Seus cabelos, ralos, embranqueceram.

Não mais era “O REI”. Agora, tão somente, “O Velho Rei”.

Seus conselheiros, o aconselhavam:

- Grande Kitamògún! Rei de Kitào! Comandante do mais bravo e temido exército da Afrikà! Se Orisanlà me tivesse agraciado com tão valente filho, ou filha, eu me sentiria o mais rico dos homens...

- Oh resplandecente Majestade! Orgulho de nossa nação! Mão justa e poderosa! Se meu filho, ou filha, fosse, eu me sentiria o premiado dos Orisà.

Mas a tristeza era a sua companheira. M'Ògún seu mais dileto, e mais velho, filho não mais usava a sua orgulhosa pele de tigre. Seu erosin de general andava esquecido em algum canto de sua câmara. Seu arco de, pau dourado, não mais andava cruzado em suas costas. Sua cabeça não mais se via erguida.

Kitamògún mandou chamar Kingitè. Tinha de culpar alguém...

- Seu ventre, que me deu M'Ògún, deu-me também essa que está destruindo minha casa.

Humilde, como se devesse desculpas por ter tido uma filha, Kingitè responde:

- Amado esposo e rei, tu que és a razão de minha existência, tens razão de comigo reclamares. Mas, amo e senhor, ao invés de te amofinares, por que não despachas tal ebó? Desterre-a!

- Como sempre suas idéias sempre me mostram o melhor caminho.

Oyàmantú foi desterrada.

O sol nasceu e morreu, dando à lua o seu lugar.

Muitas e muitas vezes.

Kitamògún reinava feliz.

Um corajoso guerreiro, com penas de avestruz, irrompeu na câmara real, correndo do tal.

- Meu rei e meu pai, contam que um exército, não muito numeroso, como dizem, invadiu Kitào vindo pelo norte. É comandado por um guerreiro não muito grande ou forte, como ouvi dizer.

- M'Ògún! M'Ògún! Reuna nosso exército. Após anos de paz, voltamos a guerrear! Será mais uma vitoria para juntar aos nossos louros!

E, ao redor do reino, por toda a paliçada, foram erguidas cortinas de mariwó.

Cães selvagens foram sacrificados em todos os altares, ao Senhor do Ferro e das Armas. O emu corria a solta, de boca em boca. Danças, cantigas e brados de guerra se ouviam. Armas eram afiadas e preparadas. Partiram...

Vestiam-se com peles de tigres, sheetas e panteras. Vinte e sete guerreiros iam na frente do exército, logo atrás de Kitamògún. Mais sete filhos, homens, graças aos Orisà, haviam nascido.

- Vamos, em frente, à vitória, voltaremos cobertos com o sangue de nossos inimigos.

Muito sangue correu...

Os campos se cobriam de corpos...

Os feridos gemiam à noite, e de dia também...

O pranto de luto era a canção mais popular...

Até um dia, com o silencio do fim da batalha, a paz voltou...

O general do exército inimigo, além do escudo de pele de elefante, duro como aço, machado, acha, faca e sabre, todos cobertos de sangue, trazia a cabeça oculta por trás de um capacete de palha e bambu.

Sua veste, uma túnica que deixava um seio de fora, estava tinta de vermelho.

Diante dele, todos vestidos com peles de animais nobres, andavam cabisbaixos, rotos, machucados, os homens da casa de Kitào...

Diante das sete mulheres, uma morrera de parto, Iyabás de Kèrémanwo, o general vitorioso, entrando na câmara real, sentou-se no trono de peles e tomou do erosin real.

Tirando o capacete de palha e bambu, revelou-se, para espanto geral, com cabelos de tranças coladas, enfeitados com ouro e ossos, olhos castanhos suaves e uma beleza irreal.

As vozes, como em coro ensaiado, gritaram de uma só vez:

- Oyàmantú! Oyàmantú!

Hoje, em Kitào, no palácio de Kèrémanwo, único matriarcado de toda a Afrikà, Kitamògún, já velho, meio cego e surdo, bem alquebrado, relembra os fatos passados e ensina a que queira lhe ouvir, sem nada pedir em troca:

- ”Se encontrares na vida,

Seja menino, menina, homem ou mulher,

Que se mais forte que és,

Lembra-te bem do que digo,

Dê-lhe tudo o que quiser,

Ajoelha-te aos seus pés,

Mas faça dele um amigo...”

Conto por José Alberto Ayres






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