domingo, 10 de abril de 2011

163 - Ágora - Um Homem Novo Veio da Mata




“Há três categorias de homens:




os que contam a sua história,





os que não a contam,





e os que não a têm”





(Max Aub)





Cinquenta anos depois aqui estamos orgulhosamente a comemorar o 4 de Fevereiro de 1961.



Ultrapassei já a fase quase libidinosa de procurar saber como foi, que organização teve a iniciativa, quais as motivações de toda a gente que com paus e catanas irrompeu nas cadeias para libertar os seus camaradas presos e a aguardar deportação por crimes e delitos espúrios. Havia um denominador comum em todos eles: Queriam uma Angola diferente da que tinham e a vontade de serem livres no seu próprio País.



Aquelas voluptuosidades que surgem nalgumas discussões académicas, ou até mesmo de carácter científico, esquecem muitas vezes o fundamental, que tem a ver com o acontecimento que marcou o princípio do fim do colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa, quiçá mesmo o estertor do edifício já carcomido e bafiento do fascismo português.



Podia andar aqui à procura de palavras mais macias, mais adaptadas ao espírito de mercado que se estabelecem nas relações quotidianas, mas a realidade que para mim é importante é que o quatro de Fevereiro de 1961 foi sempre uma referência para a liberdade de uma Nação. É completamente incontornável que esse espírito deva ser incutido na juventude angolana, porque quem viu aqueles que sobreviveram em quatro de Fevereiro a brandir as catanas naquele distante 11 de Novembro de 1975 nunca esquece que muito do que hoje Angola é que assim nasceu nas mãos daqueles homens, infelizmente a maioria quase desaparecida. 



A um JEEP (jovem empresário de elevado potencial), a um quadro superior de uma empresa enfarpelado num qualquer fato e gravata, ou numa jovem vestida com um qualquer CK insinuando-se entre o ar condicionado de uma qualquer empresa que ninguém sabe bem que produz e uma bebida no Miami, o único quatro de Fevereiro que conhecem é o aeroporto, já que a avenida só a conhecem por marginal ( a despalmeirada) .



Mas eu estou-me completamente nas tintas para que muita gente não ligue ao 4 de Fevereiro de 1961, ou que quando estão na praia e falam do assunto relembram Paiva Domingos da Silva vir todos os anos à TPA explicar as operações de ataque às prisões de forma sempre diferente. A realidade é que ele, Imperial Santana, Virgílio Souto-Maior, Neves Bendinha e muitos outros estiveram no âmago de um movimento que enobrece o espaço de intervenção política na libertação de Angola.



Tenho profundo respeito por esses patriotas angolanos, que a voracidade do desenvolvimento económico vai silenciando e esquecendo, e de um Estado angolano que não dá a esses cabouqueiros da liberdade a dignidade que justamente merecem. As famílias dos “heróis do quatro de Fevereiro” merecem não ser esquecidas, já que nunca foram ressarcidas da prisão, da clandestinidade e da morte que os seus familiares foram objecto na luta contra a repressão colonial.



Talvez esteja fora de moda, descontextualizado com as novas dinâmicas económicas, políticas e ideológicas no País, mas paciência, o 4 de Fevereiro de 1961 continua a ser uma data que é mais que uma estrofe do nosso hino.



Vi um vídeo do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Ficaria completamente fascinado, se eventualmente não conhecesse a cidade.



Não sei quanto custou o vídeo que é apelativo, imaginativo, tecnicamente quase perfeito, com um texto hermético e com um léxico eivado de demasiados lugares comuns. O que me parece é que o vídeo recupera os filmes do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) de outros carnavais, e mostra uma Luanda muito organizada, com fluidez de trânsito, tudo muito limpinho, e prédios enormes completamente inadequados às características climáticas de Luanda, dando-lhe um cunho de cosmopolitismo que não tem nada a ver com a realidade. 



Talvez esteja a emitir uma opinião leviana, porque não sei quem são os destinatários do vídeo, agora de uma coisa tenho a certeza, aquela Luanda só existe mesmo em filme promocional, e nalguns aspectos até é bom que fique só por aí. 



Nota-se contudo algum desenvolvimento no promocional o que é sintoma de mudança, imitando por exemplo Espanha e Portugal que oferecem praias desertas nos seus cartazes turísticos, tiram as fotos a extensos areais em dias solarengos de inverno, com as praias naturalmente vazias. Se lá formos no Verão nem local há para estender a toalha!



Entretanto alegremente vou trauteando :“Foi em Fevereiro/No dia quatro/ sessenta e um/ Angola existe/ Povo há só um “ José Afonso (1929-1987)



Fernando Pereira

30/1/2011



Pensar e Falar Angola

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