quarta-feira, 13 de abril de 2011

E porque existe o 4 de Abril…

 

Por : Luís Fernando Director do jornal      O País

O 4 de Abril, dia consagrado à paz e que esta segunda-feira marcou os seus nove (9) anos, encheu o país institucional e o país das famílias de momentos introspectivos de desabituada densidade, situação sob todos os pontos de vista previsível, atendendo aos sinais de apreensão e desassossego que se acumulam nalgum ponto incerto e fazem dirigir olhares desconfiados na direcção da política e tudo o que ela representa.

A celebração do dia em que Angola se livrou da guerra, este ano, teve os maiores apelos à preservação da paz alguma vez contados, uma “obrigação” que não aconteceria se os rumos seguidos desde 2002 não sofressem nítidos beliscos nestes últimos tempos.

Definitivamente, há sindromas de contágio que estão a descer do Magrebe e do Próximo Oriente, onde turbas em fúria fazem desde o começo de 2011 o que para uns é revolução popular e, para outros, alterações à ordem sem grandes certezas sobre o dia seguinte.

Deambularam por aqueles cenários confusos – Tunísia, Egipto, Líbia, Iémen, Síria, Argélia – as reflexões dos angolanos quando o 4 de Abril atravessou o calendário gregoriano, estabelecendo paralelismos, procurando perceber essências, imaginando cenários prováveis. Razões determinadas pela reacção óbvia aos acontecimentos do mundo, em primeiro lugar, mas tornadas inevitáveis e sobretudo próximas depois que entramos, nós também, numa espiral de manifestações e apelos frenéticos às ditas cujas.

Frente (quase) única

O que fica desta jornada do dia da paz bem vistas as coisas um autêntico prolongamento no tempo já que desde a primeira semana de Março que o clima estava instalado – é que temos o país a dois ritmos: uma franja colossal, quase apetece dizer uma Angola cerebral, a olhar com algum desprezo e inquietação para a vontade que uns quantos têm de se mostrar acutilantes em pseudo-revoluções de primeira viagem, e outra ala, umas vezes sem rosto e outras semi-visível mas em ambos os casos muito minguada no número, que se esfalfa na busca de um protagonismo com ideias de mudança.

A sociedade caminha entre a incerteza e o espanto, repartidos os dois sentimentos por doses variadas e significados não coincidentes. A uns porque parece quase inacreditável que ícones, valores e inclusive lugares por largo tempo tratados com uma reverência de aparência inamovível, estejam hoje no epicentro de um questionamento que mistura desrespeito, ingenuidade romântica e modismos; a outros porque, vindos do nada político, se sentem surpreendentemente agradados por lhes ser dada a oportunidade de fazer contrapoder de rua, ainda que no limitado espaço de uma tarde de sábado. Ou seja, nem uns imaginavam que a afronta chegasse a tanto, nem outros acreditavam, antes da experiência, que fosse tão fácil, afinal, gritar slogans em contra-corrente e desfraldar dísticos com dizeres que não são os que sempre se viram.

Mandatos, legitimidades e quejandos

Escaldado que o ambiente se apresenta, embora com consciência sempre dos reais contornos do seu controle institucional, o debate está lançado em torno da velha e nunca resolvida questão do direito ao uso da vontade alheia sem mandato expresso.

Mergulhando pelos caminhos da Internet, que é lá que se vêm gerando –também entre nós os movimentos dirigidos a obter adesão às manifestações reivindicativas de rua, percebe-se sem esforço que os animadores também se valem do povo para, em nome dele, investir. Vão da radical mudança ao nível de órgãos de soberania a exigências bem mais prosaicas como o direito à liberdade de expressão, este que acabou por ser o mote do ajuntamento de sábado passado no local onde se encontra erigida a estátua do Fundador da Nação, em Luanda.

Pelo meio, os apelos incluem maiores acessos a oportunidades e o alargamento da base distributiva da renda pública, sem deixar de fora todo o rol de necessidades que conformam as angústias actuais da juventude, como casa, emprego, perspectivas de formação, etc.

Sendo atendível que as provações de amplas camadas da população angolana mereçam a visibilidade e, sobretudo, a resposta que exigem, até para que se crie o sentimento generalizado de que os ganhos da paz cobrem como umbrella o todo que nós somos, o que há-de continuar a parecer contestável, aos olhos da maioria, são os métodos como alguns entendem que as tais condições confortáveis devem ser alcançadas.

A pergunta que se faz amiúde é de onde vem a legitimidade para poucos (dir-se-á pouquíssimos) falarem e quererem agir em nome de muitos. Ou seja, como pode o poder que emanou de uma larga e notória conquista de votos numa eleição correcta, validada sem esquivas, ser num ápice anulado por uma madrugadora vontade de alteração da ordem institucional, que irrompe de gente que acha porque sim? Quando a Democracia se aceitou entre nós como sistema regulador das múltiplas e complexas relações que se estabelecem numa sociedade, não foi para ser aplicada aos módulos, algumas vezes valendo-se de umas regras e, noutras, mandando simplesmente às urtigas os preceitos pontualmente inconvenientes. A vontade do povo expressa nas urnas, em períodos de tempo acordados, ainda é a base deste sistema que os gregos inventaram um dia e Angola adoptou em 1991. Não parece curial, por isso, que se mutile a regra fundamental com o jogo a decorrer, estando aí a chegar, dentro de ano e meio, uma nova consulta pública para que os cidadãos digam de sua verdade quem preferem que lhes represente na gestão dos assuntos do Estado.

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