domingo, 7 de novembro de 2010

Ágora (141) - Ao Correr da Pena



Na alta de Luanda, onde começa a haver finalmente alguma preocupação em preservar alguns edifícios emblemáticos, lembro-me de ir várias vezes, contrariado, ao Palácio do Prado, propriedade do comerciante, filantropo e comendador José Maria do Prado, doado à sua morte em 1889 ao “Instituto Feminino D. Pedro V”, onde se manteve até ser transferido para novas instalações em 1971.


No início dos anos sessenta, a minha mãe tinha o hábito de fazer voluntariado no instituto, e já sabia que uma vez por semana, se estivesse em Luanda sem aulas, era coagido a acompanhá-la a uma casa de aspecto sórdido, pejada de crianças, com umas freiras de permeio, e uns quartos com dezenas de camas empoleiradas. Esta casa ficava na confluência da ruas do Casuno com a do Sol, precisamente no lado oposto do largo onde hoje está instalado o Tribunal Constitucional na cidade Alta.

Era uma tarde roubada às minhas brincadeiras de rua, e nem algumas lamúrias junto de minha mãe, conseguiam demovê-la para que eu pudesse ao menos ir até ao “Parque Heróis de Chaves”, hoje “Parque da Independência”, onde em vez de vasos, flores e caminhos bem cuidados, vemos carros estacionados, lixo e a prova cabal da inexistência de toilettes públicas na cidade, montes de moscas varejeiras deleitando-se perante excrementos, que nauseiam as pituitárias menos sensíveis.

O “Asilo” assim chamado foi inaugurado com toda a pompa e circunstância, em 1854, num prédio chamado Casa das Torres, em frente à Sé de Luanda, surgiu de um movimento de comerciantes, amanuenses e governantes na sequencia de uma situação em que eram protagonistas duas jovens brancas de 12 e 13 anos, tendo ficado órfãs, e para sobreviver permitiam-se a todos os expedientes, o que colocou a cidade num estado de exaltação, e daí a mobilização para a construção de um lar de desvalidos.

Com o tempo e a frequência das visitas, fui fazendo algumas amigas, que abandonei no início da puberdade, já que deixei de ter idade para ser autorizado a entrar no “D. Pedro V”, tendo a minha mãe dado a alforria, quando efectivamente eu começava a não o desejar, por razões óbvias.

No ano de 1965, tive um choque enorme, quando ao ouvir o noticiário da Emissora Oficial, soube que vinte e oito das muitas que conhecia, tinham morrido, porque numa drogaria por traz do Ministério das Finanças, que ardeu misteriosamente há poucos anos, foi vendido um líquido para os piolhos, tendo o “droguista” dado por engano DDT. Fiquei muito triste, e tentei saber quem tinham sido as infelizes, que naturalmente conhecia, e várias vezes tentei subir ao prédio da Mercearia Delgado, que era o único edifício contíguo alto q.b., para ver se conseguia ver alguém para lá dos altos muros da mansão do Prado, prédio já demolido há uns anos.

Tive que recorrer aos bons ofícios de uma vizinha minha, que estudava no S. José de Cluny, onde andavam algumas das raparigas do orfanato, para saber se algumas das minhas amigas tinha morrido; Não fiquei parcialmente aliviado, porque uma das de quem gostava mais, tinha sucumbido.

Foi uma tragédia enorme, que provocou grande consternação em Luanda, há precisamente quarenta e cinco anos.

Por falar em sucumbir, fez esta semana setenta anos do início do Blitz (7-9-1940) o bombardeamento sucessivo, que a aviação alemã fez sobre Londres e outras cidades inglesas na IIª Guerra Mundial. Foi determinante para engajar a população inglesa na defesa do seu território, o maior esforço de mobilização de sempre do Reino Unido, liderado por um Winston Churchill, que invariavelmente perguntava todas as manhãs se” a cúpula da Catedral de S. Paulo estava intacta”? Como a resposta era afirmativa, Churchill cada vez mais entusiasmo colocava na defesa do seu território.

Bom para a guerra Winston Churchill, idolatrado pelos ingleses, perde as primeiras eleições em paz. Ironias do destino!



Fernando Pereira

7/9/2010


Pensar e Falar Angola

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