Atoleiro
Rio da Areia > Calueque - 17 de julho
Prestes a fechar 25 mil quilômetros em cinco meses de viagem em família, o alemão Michael Douglas dirige orgulhoso seu caminhão Bedford rumo à Namíbia. O patriarca comprou o veículo por uma pechincha onde vive, na Inglaterra: R$ 16 mil. Gastou quantia semelhante para reformá-lo e dotar a carroceria de cinco camas (duas em cada lateral, como beliches, e uma na parede traseira). Ali dormem as três crianças e os dois adultos. O centro do veículo virou uma sala de estar com cinco assentos, na qual os mantimentos estão sob placas de madeira no assoalho e na mesa central (a mesma que vira a cama dos visitantes). A cabine foi preservada, com a direção no lado esquerdo.
É o sexto dia de travessia da Angola (o visto concedido para turistas em trânsito em países vizinhos vale apenas por 5 dias), a noite se aproxima e a fronteira com a Namíbia está a menos de dois quilômetros. Há esperança de cruzá-la só com um dia de atraso. Por isso a desolação de Michael quando o Bedford fica preso em um charco despretensioso em Calueque, no extremo sul da Angola. Uma distração. O motorista saiu da trilha para evitar que alguns galhos batessem no teto do veículo e atolou miseravelmente.
O que parecia simples se complica. Diante da insuficiência do 4 x 4, há duas alternativas. A primeira, avançar e aproveitar o embalo do declive, mesmo entrando mais na área alagada. A segunda, tentar uma ré contra a gravidade avançando sobre terreno seco. A escolha pela primeira opção se revela equivocada. Agora três das quatro rodas estão enterradas no barro.
Em uma hora, 20 angolanos acompanham o trabalho de escavar e drenar a água. Três deles ajudam. A próxima estratégia é colocar esteiras de metal à frente das rodas e fazer com que o caminhão avance sobre elas. Para assentar os aparatos é preciso enfiar o pé na lama e escavar. Cavocar o suficiente para que o metal alcance a base do pneu.
Depois de uma hora de trabalho, nova tentativa. O veículo arranca, mas logo sai da trilha e afunda de novo.
— Só com um trator.
O povoado mais próximo fica a 2 quilômetros e cabe ao brasileiro, por razões linguísticas, convencer o dono do trator a socorrer os turistas. Na verdade, João não é o dono do veículo. Trata-se de um trator do Estado, mas como ele é o responsável o usa como lhe convém.
— Vai custar R$ 200 — avisa.
O tratorista acaba retirando o caminhão por R$ 80. O motorista recompensa com R$ 30 os três angolanos que trabalharam. Todos estão contentes, após quatro horas de tentativas. Stephan, o caçula dos Douglas, até se enterra na lama. Ri, chama todos para vê-lo, ri mais um pouco. Até que chora. Não consegue sair do lodo. É preciso que os pais o puxem pelos braços, agora sob a gargalhada geral. O calçado fica enterrado em solo angolano.
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