“ O futuro caminha para o passado”
Edgar Morin (Paris-1921)
Há muitas coisas perturbadoras na Angola de hoje, que devem até ter sido sempre perturbantes, só que a nossa idade, o empenho nas tarefas de construir alguma coisa que assumíamos nossa, ou mesmo exercícios de expiação continuados, dava-nos uma couraça de alguma complacência que hoje destoleramos.
Uma das coisas que me confunde seriamente nas viagens pelo interior, ou mesmo uma passagem por mercados e esquinas de comércio informal em Luanda, é a quantidade de carvão à venda.
Numa Angola onde os atentados ambientais são quotidianos, a desarborização em série para o fabrico do carvão, pode trazer consequências de alguma gravidade num futuro próximo, com o abate indiscriminado das árvores, sem que haja uma reposição que permita que zonas que conheci frondosas, sejam hoje paisagens de erva rasteira, e nalguns casos já um pouco tipo solo lunar, algo que não é alheia a rápida degradação do solo africano.
Podia falar da actividade despudorada de alguns madeireiros também, mas a realidade é que é matéria que não conheço o suficiente, para poder sustentar uma discussão, pelo que tudo que aqui escrevo fica em jeito de “bitaite”!
Ao longo das décadas de 60 e 70 o Caminho de Ferro de Benguela, plantou entre o Cubal e o Luau , 95.000.000 de eucaliptos, o que transformou Angola no segundo território do mundo com maior numero de eucaliptos plantados, só ultrapassado pela Austrália, de onde a espécie é originária. O CFB fez esta plantação com o objectivo de utilizar a madeira como lenha, já que era substancialmente mais barata que o gasóleo.
A verdade é que esta enormidade de eucaliptos, que nunca foi avaliada em termos ambientais, levantou logo outro tipo de perspectivas de negócio, que passaria pela substituição da obsoleta fábrica de papel do Alto-Catumbela, através do seu reequipamento por maquinaria de última geração. A fábrica, com tecnologia sueca estava encaixotada para embarcar para o Lobito em 1974, mas com a degradação da situação militar, acabou por ser instalada na Figueira da Foz no dealbar dos anos 80, a Soporcel, ao tempo o maior fabricante de pasta de papel da Europa meridional.
Já que se falou em Caminho de Ferro de Benguela, que hoje está a ser reabilitado por empresas chinesas denegrido por certa mujimbice estulta de Luanda, com o argumento que” os chineses nada percebem de comboios (!!!)”,podemos dar um olhar rápido sobre estes1348Km de linha, para além de 301 Km de ramais (Cuima por exemplo).
O CFB surge objectivamente como uma necessidade de embaratecer, em termos de transporte os minérios do Shaba no Congo. Para o porto da Beira a distancia era de 2735km, bem menos que a distância a Capetown (3965km), a outra alternativa.
Não vou entrar em pormenores sobre a história do CFB, que em 2001 passou na totalidade para a posse do Estado Angolano, conforme ficara previsto na sua adjudicação em 28 de Novembro de 1902, mas sim lembrar que o Lobito de hoje deve a sua existência ao CFB, à população de Benguela que queria um lugar menos insalubre e ao comércio da borracha no fim do século XIX.
Benguela era uma sonolenta vilória, onde o tempo passava para passar o tempo, e os construtores ingleses do CFB quando ali chegaram deparam-se com “quase nada”, e como tiveram que trazer tudo, decidiram fazê-lo no referenciado Lobito, onde as águas da sua baía iriam acolher um dos melhores portos da África ocidental. O Lobito era uma língua de areia com choupanas de pescadores, local de alguma “pirataria”, conhecido pela Catumbela das ostras, ou a Catumbela da água salgada.
Começaram a construir armazéns, cais acostáveis, instalações administrativas, casas dos encarregados e empregados, hospital, serviços sociais e locais de lazer e desporto; O Lobito Spots Club, de instalações modelares, era um lugar de eleição no Lobito, mas também um dos locais que não procurava esconder a segregação racial e social da sociedade do Lobito ao longo de décadas, muito diferente da Benguela crioula.
O Hotel Terminus, com construção iniciada nos anos 20 é o único hotel angolano que tem características que o podem colocar como um hotel de charme em África, pois a sua construção obedeceu a características muito peculiares, e no seu interior respira-se uma atmosfera de histórias múltiplas de viajantes, andarilhos, aventureiros, gente normal, num enquadramento arquitectónico único no País.
È sempre muito bom ir ao Términus, e apesar de terem desaparecido alguns murais do Neves de Sousa e algum mobiliário que me habituei a ver desde miúdo, tudo faz voar a minha imaginação.
Se passarem por lá vejam as fotos das paredes e recuperem um pouco o “reviver o passado no Lobito”!
Fernando Pereira
9/10/09Pensar e Falar Angola
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