segunda-feira, 16 de junho de 2008

O homem que não quis o maoísmo para África - Texto de Leitor

Moisés Fernandes fala do livro sobre o político e poeta Viriato da Cruz

Figura política e histórica de suma importância, Viriato da Cruz foi um dos fundadores do Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA). Exilado na China em plena Revolução Cultural, foi apoiado pelas autoridades até ao dia em que afirmou que seria impossível levar o movimento maoísta para África.
Luciana Leitão
Quem foi Viriato da Cruz? Poeta angolano e político, foi um dos fundadores do Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA). Dissidente deste partido, acabou por procurar o exílio na República Popular da China nos anos 60. E ali acabou por morrer, “isolado” de todos. É sobre este homem que versa a obra que será lançada no próximo dia 18, com o título “Viriato da Cruz – o Homem e o Mito”. Tendo por coordenadores Edmundo Rocha, Francisco Soares e Moisés Fernandes, o livro subdivide-se numa parte sobre a obra poética e outra sobre o projecto político, estando a cargo do sinólogo português as questões que versam sobre a relação de Viriato da Cruz com a República Popular da China. Em declarações ao Hoje Macau, o historiador desvenda o véu sobre a sua participação na obra. “Um homem essencial porque fundou o MPLA”, sendo também o “primeiro apoio político diplomático e financeiro da China”. Assim é caracterizado Viriato da Cruz pelo sinólogo português. Afastando-se das posições de Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola, acabou por abandonar o MPLA, fundando de seguida o Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). E, durante o período da dissidência sino-soviética, apoiou Pequim. “Transformou-se num maoísta”, diz.Quando se intensificavam os antagonismos entre Moscovo e Pequim, em meados dos anos 60, alinhando-se pela potência asiática, viria a contribuir para a criação da Organização de Escritores Afro-Asiáticos na capital da República Popular da China. “Convidaram-no a permanecer” no país. Estava-se em plena Revolução Cultural e Viriato da Cruz era considerado o “nº2 da organização”. Designação que, apesar de não ser oficial, era a comummente utilizada no seio das autoridades chinesas. “Foi recebido pelas mais altas instituições políticas, nomeadamente pelo próprio Mao Zedong”, diz.Representativo da “importância” de Viriato no contexto da política chinesa foi um episódio descrito por Moisés Fernandes nesta obra. “Discursou na Praça de Tiananmen perante um milhão e meio de pessoas. Falou aos chineses e manifestou o apoio a Mao numa revolução mundial a partir da China”, explica. Dada a afluência de pessoas para ouvir as suas palavras, percebe-se que “não era um actor político menor”. Desse discurso surgiram outras oportunidades e mais convites por parte das entidades políticas do país. A quedaTinha chegado a altura de viajar rumo a África. No final, conforme lhe foi encomendado pela Organização de Escritores Afro-Asiáticos, deveria redigir um relatório sobre a possibilidade de uma revolução ao estilo maoísta ser levada a cabo no continente africano. Viriato da Cruz escreveu, como se comprometera, esse relatório, mas as conclusões não foram as esperadas pelas autoridades chinesas – afinal, o político concluiu que “a revolução maoísta não era viável em África”. E a justificação também não agradou. “Eram economias rudimentares, povos ignorantes e elites corruptas”, diz Moisés Fernandes procurando reproduzir as palavras de Viriato da Cruz.Supõe-se então que “lhe tenha sido pedido para rever o relatório”, mas que o político não tenha aceite. Foi aí que caiu em desgraça na China. “Num período inicial, continuou a receber o seu salário, mas as dissidências entre ele e o regime chinês intensificaram-se e cortaram o vencimento”, conta. Para Viriato da Cruz não restava outra alternativa – começou a viver do “apoio dos colegas estrangeiros sediados no Hotel Amizade [estabelecimento onde residia]”.A pressão a que começou a ser sujeito tornou-se tremenda. Suspeitando-se que tenha sido alvo de torturas, pelas cartas que foram escritas na altura, Moisés Fernandes sabe de episódios que indiciam tais práticas. “À filha, mestiça – tal como era a família toda – costumavam puxar-lhes as trancinhas e diziam que era filha de um contra-revolucionário”, exemplifica. Um dia foi chamado pela Polícia de Segurança Pública chinesa. Com medo, “queimou tudo o que tinha escrito”, todos os documentos sobre Portugal e as então colónias africanas. “A partir dessa altura, tentou sair da China”, conta. O estatuto especial que outrora tinha possuído foi-lhe sendo retirado e já só sobrevivia “com a ajuda dos estrangeiros”.Crítico acérrimo do regime português – ou não tivesse sido uma figura importante durante a guerra colonial -, viajava com o passaporte de vários países africanos. “Começou a pedir documentos [para sair do país] e ninguém o ajudou”, diz Moisés Fernandes. “Fez várias diligências para que o ajudassem, nomeadamente junto de países africanos que já eram independentes”, acrescenta. Tinha “caído em desgraça” com a China e os outros países temiam “envolver-se” nessa luta. Um acto de desesperoIsolado e sentindo-se abandonado, pela sua cabeça só passava uma ideia – sair da China. Perante a “inacção dos países africanos”, a mulher de Viriato da Cruz resolveu tomar uma atitude. E, para que fossem expulsos do país, derrubou, em 1971, a estátua de gesso de Mao Zedong que se encontrava no átrio do Hotel Amizade, em Pequim. Não foram expulsos, mas “enviados para uma parte ao Sul de Pequim, onde não viviam estrangeiros”. Tendo ficado sem qualquer meio de subsistência, Viriato da Cruz viria a morrer dois anos depois vítima de um enfarte cardíaco – “é essa a versão oficial”. Só então à sua mulher e filha foi autorizado que regressassem a Pequim. “A mulher enviou uma carta ao cônsul de Portugal em Hong Kong que a remeteu para Lisboa, endereçando ao director-geral da PIDE”, conta. Os documentos foram concedidos, mas entretanto deu-se o 25 de Abril.Do apogeu político no seio da República Popular da China, e do mediatismo a que foi sujeito nesse período, Viriato da Cruz passou rapidamente à queda e ao esquecimento durante muitos anos. É esse percurso que Moisés Fernandes retrata, a partir de documentos que existem em Portugal, dos arquivos de estrangeiros, das publicações chinesas da época não oficiais e oficiais, além de discursos e reuniões. Para a sua investigação foi também importante o acesso a cartas escritas por Viriato da Cruz a um amigo moçambicano da FRELIMO.A apresentação do livro será efectuada em Lisboa pelo professor Adelino Torres, estando previsto ainda que o poeta Tomáz Jorge declame alguns poemas da autoria de Viriato da Cruz.

In http://www.hojemacau.com/news.phtml?today=09-06-2008&type=culture
Hoje Macau de 9 de Junho de 2008

ER





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