segunda-feira, 30 de junho de 2008

Doenças tropicais IV


Trópicos ainda são vistos como ameaça aos países desenvolvidos
Se na época da expansão colonial as doenças tropicais eram sinônimo de “doenças de negros e índios”, hoje são sinônimo de “doenças de pobre”. A maioria das doenças tropicais se concentra nas regiões mais pobres do mundo que, ironicamente, estão nos trópicos. Pesquisadores alertam para os riscos de se passar de um determinismo climático e racial que marcou a origem da expressão doenças tropicais para um determinismo socioeconômico.
Na medida em que tropical é sinônimo de pobre existe uma possibilidade perversa de que o rótulo tropical seja um caminho na direção do negligenciado e que se estigmatize uma população inteira: o problema agora é de quem mora nos trópicos”, diz Francisco I. Pinkusfeld M. Bastos, que pesquisa aids na Fiocruz. Bastos lembra que houve uma tentativa de transformar toda a população do Haiti em categoria de risco no início da epidemia de aids, junto com os homossexuais, os heroinômanos e hemofílicos (os assim denominados "4H"). “Embora todas as categorias fossem preconceituosas, chama a atenção o fato de definirem toda a população de um país como 'sob risco', quando, na verdade, a aids entrou no Haiti via o turismo sexual norte-americano”, diz.
Marli Navarro, destaca a emergência dos temores sanitários que despertam hoje a figura do imigrante. “Alguns documentos oficiais expressam uma total equivalência entre o termo doenças exóticas e aquilo que entendemos como doenças emergentes, reemergentes e negligenciadas. Confirmando a antiga visão que traduz que os malefícios que ameaçam a ordem dos países desenvolvidos residem na invasão estrangeira dos países pobres”. Como aparece no
documento referente aos programas dos EUA para as cidades sustentáveis da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), em que o termo “doenças exóticas” refere-se as doenças dos países sub-desenvolvidos que representariam uma ameaça para o povo dos EUA. “Preocupações humanitárias e a necessidade de proteger os cidadãos dos EUA motivam o alto interesse deste país em ajudar outras nações a aprimorar a administração do seu crescimento urbano e de suas condições ambientais”, diz um trecho do documento.
Sandra Caponi estudando os experimentos com humanos feitos na Índia entre 1894 e 1899 por Ronald Ross - prêmio Nobel de Medicina em 1902 - para determinar o papel do Anopheles na transmissão da malária, aponta que a desigualdade social foi um dos principais fatores que justificou a transformação de vidas humanas em corpos sem direito, que podiam ser submetidos a experimentos e aniquilados em nome do bem comum da humanidade. . (leia sobre o assunto no artigo “
A Biopolítica da população e a experimentação com seres humanos” e na notícia Desigualdade social justificou experimentos antiéticos com humanos ). As denúncias vieram à tona com a publicação do livro The best in the mosquito: the correspondence of Ronald Ross and Patrick Manson, e escandalizaram o mundo acadêmico. Entre os recursos usados por Ross para convencer a população a participar da pesquisa estava a promessa de que picada do mosquito salvaria suas vidas.
Caponi explica que o relativismo ético (ou duplo standard) tem sido usado como argumento por pesquisadores que crêem não ser possível aceitar as normas éticas para experimentos com humanos quando se tratam de comunidades pobres, sem condições de ministrar assistência à população, cujos governos se manifestam favoráveis à realização das experiências. Nessa modalidade de poder, ressalta a pesquisadora, os cientistas colocam as vidas das populações pobres fora da jurisdição humana, onde o corpo deixa de ser alguém para ser transformado em um elemento que pode contribuir para o conhecimento dos fenômenos populacionais e conter o avanço das doenças que ameaçam o desenvolvimento sustentável das nações civilizadas.
Leia mais:
Contas de vidro, enfeites de branco e "potes de malária"Dominique Buchillet. Trópicos, micróbios y vectoresNaturalistas y microbiologos en la emergencia de la medicina tropicalCoordenadas epistemológicas de la medicina tropicalSandra Caponi, publicado na revista Ciência & Saúde ColetivaCólera e medicina ambiental no manuscrito 'Cholera-morbus' (1832), de Antonio Correa de Lacerda (1777-1852) Nelson Sanjad, publicado na revista História, Ciências, Saúde-ManguinhosA Escola Tropicalista Baiana: um mito de origem da medicina tropical no BrasilFlavio Coelho Edler, na revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos Escola tropicalista baianaTropical disorders and the forging of a brazilian medical identityJulyan Peard. In: Hispanic American Historical Review, vol. 77, no. 1 (fev 1197) 1-44.
A Biblioteca Virtual de Tropicologia disponibiliza outros artigos interessantes:Trópico e desenvolvimento

Garrido Torres


Paulo de Tarso Alvim
Pensar e Falar Angola

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