Portanto, estou agradavelmente surpreendido, pela homenagem que o Pepetela e o Ruy Mingas vão ser justamente homenageados na Chá de Caxinde.
Como começo a ser um articulista com alguns leitores, acho que como o Pepetela, tenho o pleno direito de começar um artigo com o “Portanto”, mesmo que isso não esteja contemplado nas regras gramaticais do português escorreito.
Homenagear dois cidadãos impolutos, intelectuais eméritos, antigos dignitários do estado Angolano, combatentes pela liberdade, e embaixadores mores da cultura angolana, é só um acto de justiça tardia.
Homens da “geração da utopia”, ajudaram a trilhar o dealbar de uma Republica Popular de Angola, que foi o princípio do fim de uma nova luta, protagonistas de uma expressão colectiva, construída a golpes de vontade.
Pepetela com a verve, Ruy Mingas com a música e a voz, foram em todos os momentos, bons e maus, a expressão do que pensava e sentia a gente certa.
Pepetela é hoje o mais renomado escritor angolano no contexto da contemporaneidade internacional, e um dos mais prodigiosos da escrita de língua portuguesa. O seu percurso prima pela descrição, quase a pedir desculpa por ter publicado um livro, o que vai de encontro à sua personalidade de assumida simplicidade, que o acompanha desde a sua meninice na Benguela onde nasceu há quase setenta anos, segundo relatos de companheiros ao longo de um rico trajecto de vida na busca e defesa da liberdade para o seu País. Ao invés de outros, que tudo fazem para serem conhecidos, e daí que talvez leiam os seus livros, com Pepetela acontece exactamente o contrário, algo como, leiam os meus livros e deixem-me no meu canto.
Tenho mais dificuldade em falar do Ruy Mingas, porque sou suspeito, já que sou seu amigo, e sei que é uma amizade recíproca.
Lembro-me de ter estudado em Lisboa no fim dos anos 60, e nas disputas entre mim, um dos raros angolanos no vetusto Liceu Camões, e os portugueses, nas provas de atletismo, assumíamos o que hoje se chama de “nick name”, e o meu era invariavelmente o de Rui Mingas, quer fosse nos 100m, no dardo, nos 1500m, ou no salto em altura; Só mais tarde soube que tinha sido recordista do salto em altura.
Foi com enorme emoção que o vi cantar no Zip Zip, com uma camisola de lã clara, e na altura comprei um single, que nas voltas da vida me desapareceu, que tinha a magnífica interpretação da Cantiga para Luciana, naquela voz timbrada que me habituei a ouvir de forma agradada.
Se maior contribuição não houvesse do Ruy Mingas, o hino de Angola perpetuá-lo-ia como uma figura presente na história do País, mas a sua contribuição para a edificação de uma educação física e desportos com estruturas sólidas e resultados com enorme visibilidade, dão-lhe um lugar de grande reconhecimento, pelo que tarda a justa homenagem ao grande cabouqueiro de muitas modalidades que Angola é líder africana e respeitada nos areópagos internacionais.
O seu trabalho como embaixador de Angola em Portugal, em momentos particularmente difíceis, vilipendiado até por próximos, terá que ser avaliado no futuro, de forma a aquilatar quais os obscuros desígnios, que alguns dos seus detractores usaram, de forma a armadilhar o seu trabalho, sério e coerente com os valores que o Ruy Mingas se habituou a defender, desde os tempos do anonimato.
A sua passagem pelo ministério da cultura, foi o canto do cisne da sua longa carreira no topo da administração central do Estado Angolano, e aí talvez tenha percebido, que era chegado o momento de outras realizações.
Ruy Mingas, com o meu compadre e amigo Paulo Murias, edificaram a Universidade Lusíada de Angola, projecto de suprema relevância na formação de quadros dos novos tempos de Angola.
Aos setenta anos, o Ruy Mingas tem razões de sobra para estar em paz consigo, já que nunca se violentou, nem tampouco procurou fazer mal a quem que fosse.
A homenagem que fazem a estes dois vultos da cultura angolana, tem uma enorme expressão, apesar da singeleza da realização. Talvez mesmo ambos assim o desejem, e mesmo a maior parte dos amigos prefere que assim seja!
Portanto…
Fernando Pereira
26/07/2010
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