A cidade não pode ser considerada como uma obra do homem, se negar as leis da Natureza pois só estas permitem vida. A humanidade nunca se poderá libertar dos condicionalismos físicos impostos por determinados princípios já reconhecidos pela Ciência.
Constitui, portanto, um falso cientismo entender o progresso como ilimitado, capaz de destruir e substituir as leis da Natureza. Um lápis cairá sempre que o largarmos no ar, um rio correrá sempre, da serra para o mar, no âmbito da energia e da matéria, tudo se vai transformar e nada se irá criar.
A cidade está sujeita as mesmas leis, que governam o espaço físico em que está inserida. Os seus habitantes nunca poderão fugir ao ritmo, aos contrastes, à dinâmica própria dos seres vivos.
Assim, como numa cultura agrícola o teatro biológico e físico em que ela se processa limita a produção,
mesmo que se continue a introduzir cada vez mais energia exterior ao sistema, também numa cidade
há limites ao crescimento que não podem ser ultrapassados sem que se verifique a diminuição da qualidade de vida e a perda da dignidade dos seus habitantes. O crescimento urbano não é apenas
um problema de demografia e concentração de pessoas mas é, também caracterizado pelo aumento da
área geográfica da cidade, ou pelo maior volume dos seus edifícios e pela maior extensão das infraestruturas. Estão, portanto, em jogo aspetos diferentes intimamente relacionados
mas que, por vezes, poderá, cada um, por si só justificar o crescimento.
É o caso da cidade que se destrói para se reconstrói tendo em mira apenas o crescimento do sector industrial da construção civil. Tudo isto vem a propósito da maneira como em Luanda se está a processar o crescimento urbano. A cidade “espiga”, parecendo que colocam nos alicerces Cialis ou Viagra, surgindo inúmeros edifícios de grande altura, destacando-se da casaria existente, e destruindo a “leitura” do perfil característico de muitas delas. Esta febre de construir em altura, utilizando materiais e equipamentos sofisticados de elevado custo, de difícil e cara manutenção, substituindo os rebocos exteriores por incríveis vidros espelhados, complicando com varandas e saliências a limpeza das fachadas só para que, de facto, resulte um ar moderno e atual, constitui por um lado, um índice de mediocridade cultural e, por outro, um grave prejuízo social, económico e ecológico.
Luanda tem um passado, possui uma forma, é fruto da atividade de muitas gerações e constitui a expressão mais acabada de toda uma “ruralidade” envolvente. Não são apenas meia dúzia de monumentos que são dignos de proteção por serem os únicos marcos históricos e culturais que vale a pena conservar, também as ruas, os largos, os bairros e os jardins fazem parte da “alma” da cidade e constituem no seu conjunto um valor histórico e artístico inestimável. Os que nasceram na cidade ou vivem há muito integrados numa vida urbana consistente conhecem bem esses valores e sofrem quando as imagens da sua infância, a harmonia das formas dos diferentes conjuntos, a escala dos volumes e dos
espaços livres que são o seu quotidiano são destruídos. Esta destruição tanto pode ser a simples supressão de casas, árvores, e espaços característicos como a introdução de corpos estranhos no tecido urbano. Corpos com estranhas formas e volume monstruoso como são esses edifícios colossais que surgem todos os dias na nossa cidade. Como qualquer ecossistema a cidade servirá tanto melhor o homem quanto mais diversificada for nas suas funções e completa nas suas estruturas. Será na diversidade, na complexidade e no contraste entre muitos dos seus componentes, mesmo que a “ideia” que preside à sua permanente géneses seja clara e simples, que se perpetua a sua permanência e se garanta maior segurança e melhor qualidade de vida aos seus habitantes. A escala, a proporção e a harmonia da cidade têm como único padrão ecológico possível o homem.
Os monstros estão condenados.
Pensar e Falar Angola
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