Atrasado, mas muito a tempo de comemorar 40 anos de um acontecimento com consequências quase letais, em que alguns estilhaços subsistem no quadro da geopolítica internacional.
17 de Junho de 1972, 2h e 30 da madrugada, de um sábado que iria ficar célebre na história dos Estados Unidos da América: cinco homens penetram no Watergate Office Building, em Washington, e entram na sede do Comité Nacional do Partido Democrático que ali se encontra instalado. Levam “walkitalkies”, ao tempo ainda não proliferavam os telemóveis, que os ligam a um sexto elemento, colocado no edifício fronteiro e que lhes controla os movimentos, informando-os da possibilidade de ocorrer algo de anormal no exterior do Watergate.
Trata-se de um assalto. Com fins que se descobrem bastante suspeitos, os assaltantes são surpreendidos pela polícia. Os cinco homens fotografam documentos e colocam microfones que iriam permitir escutar as conversas ali havidas. Não são gatunos usuais. Vestem elegantemente e dispõem de máquinas e aparelhos extremamente sofisticados. Por outro lado comportam-se como amadores, neste estilo de coisas, acobardados ao primeiro sinal de perigo.
Presos iriam ser julgados. Como habitualmente, os jornais delegam para estes casos de reduzida importância, os “fait divers” de uma grande metrópole, os seus repórteres estagiários. É aí que rodarão o ofício e adquirirão experiência. O “The Washington Post”, por exemplo, envia para o julgamento Bob Woodward, um jovem com apenas nove meses de casa.
É Bob Woodward quem se senta na sala de audiências pronto a “cumprir calendário” e prepara-se para redigir uma notícia de poucas linhas. A audiência começou de forma estranha: os réus não tinham tido oportunidade de escolher advogados, ficaram-se com os “oficiosos”, mas curiosamente na sala encontravam-se advogados de elevado “pedigree” em termos de influência, que se diziam ali estar como “observadores”.
Quando o juiz principia o interrogatório, um dos presos diz-se de profissão “anticomunista”. Confessa-se depois “ técnico de seguros” e na resposta seguinte, “entorna o caldo” denunciando todo o jogo: trabalhara recentemente na Agência Central de Inteligência (CIA). Woodward suspeita que há qualquer coisa de estranho naquele grupo que foi apanhado a violar um escritório.
Regressou ao “Washington Post” e coloca estas e outras dúvidas aos seus chefes de redação. Junta-se-lhe um jornalista mais experimentado, Carl Bernstein, tido pelos seus próximos como um infalível “pescador “ de informações.
Este processo é um símbolo da liberdade de imprensa, em que dois jornalistas lançam o repto a uma nação e aceitam investigar as suas ruas, aprofundar os casos, interrogar as pessoas e as instituições até descobrirem o significado integral de Watergate.
Sabe-se depois o que diariamente, ao longo de meses, foi o trabalho desgastante, mas valoroso destes dois Davids desafiando Golias. E de como Golias continuamente procurou esquivar-se à fisgada certeira. Desses cinco homens iniciais, que mais não eram senão peões de um xadrez muito complexo, Woodward e Bernstein vão paulatinamente localizando mais nomes, referências, dados a reunir, a ligar e interligar num majestoso puzzle que acaba por atingir os homens de confiança do presidente e, finalmente, o próprio Nixon que se vê constrangido à demissão pública.
É deste modo que se descobre o aparelho re-eleitor de Richard Nixon: há já muito tempo usava e abusava das técnicas mais sujas para vencer o adversário político, neste caso o Partido Democrático, aqui encabeçado por MacGovern. Todos os processos eram julgados próprios, da calúnia à violação de residências, de escutas telefónicas à sabotagem de meetings. Tudo organizado por verdadeiros tecnocratas do ofício, que se esmeravam no artifício da mentira, da falsificação, da deturpação.
A América estupefacta começa por não acreditar, mas tem de aceitar a força dos argumentos apresentados pelos dois jovens jornalistas.
Argumentos irrefutáveis que provam que o banditismo pode ascender também à presidência.
Fernando Pereira
24/9/2012
Pensar e Falar Angola
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