Confesso que por vezes vejo-me completamente “à rasca” para escrever esta coluna.
Não tanto porque me faltem temas, mas porque a vontade de escrever sobre eles acaba por ser pouco estimulante, arriscando-me a dar-lhe alguma visibilidade acaba por fazer subir protagonistas e casos de um medíocre menos menos, para um medíocre menos mais, como era vulgar pontuarem-me no que para mim era a “indisciplina” ciências naturais, ou físico-químicas no vetusto Salvador Correia.
Gostei de ver o excelente trabalho de recuperação dos azulejos na fortaleza de S. Miguel, o que vai mostrando que há sensibilidade para ir recuperando parte do nosso tangível património histórico. Continuo a olhar com enorme satisfação a reconstrução e adaptação da antiga fábrica de sabão (Congeral) no sopé da fortaleza, que sem dúvida vai enobrecer a cidade e devolver aos cidadãos uma parte de um dos últimos edifícios representativos da paupérrima arqueologia industrial de Luanda.
Cada vez que ali passo vem-me à lembradura o cheiro do fabrico do sabão, que pairava em todos os quarteirões à volta e que se misturava com as conversas em tom de malte altíssimo na esplanada do Baleizão, onde eu enterrava as minhas sandálias num mar de casacas de tremoços e devorava um gelado, onde pela única vez na minha vida vi um sabor de cor azul, que sabia tão bem como os outros. A fábrica de sabão passou para perto da refinaria e aquilo passou para armazém de frigoríficos, oficina do Pólo Norte do Ferrobilha Guedes, entrando em acelerado estado de degradação, até ter aparecido esta excelente ideia, materializado no que vamos vendo aparecer e crescer.
Havia no Museu Central das Forças Armadas um cartaz em que mostrava uma arma capturada ao exército colonial que dizia:” ...foi capturada na 1ª Região Politico ou Militar”. Eu sugeri que aquilo fosse alterado, mas dois anos depois numa nova visita ao museu lá estava igualzinho, como as estátuas que ornamentavam o pátio interior.
Mudando de agulha em linguagem de ferroviário, a continuada atribuição de prémios por tudo e por nada fez-me lembrar uma experiencia pessoal, que já há muito estava para aqui contar, esperando apenas o momento em que houvesse um hiato na atribuição dos prémios, de forma evitarem-se conotações despropositadas, já que nem sempre acontece o que vem a seguir.
Tenho uma pequena unidade hoteleira já há bastantes anos, e quando se aprestava para realizar a FITUR (Feira de Turismo de Madrid) recebia uma carta, cheia de dourados e letra em estilo gótico, papel couché, parabenizando-me por ter sido premiado com um troféu de “Qualidade, inovação e desenvolvimento turístico ”. Naturalmente honrado com tamanha distinção, não conseguindo esconder a perplexidade, continuei a ler a carta e dizia que eu teria que estar num dia aprazado num hotel em Madrid, perto da Praça de Espanha, para um jantar com a presença de uma série de “individualidades” e receber o prémio, uma estatueta com uma ave de rapina a encimá-la, parecia-me uma águia. Até aqui estava no limbo (entretanto fechado pela ICAR) mas tudo se desvaneceu quando me pediam cerca de oitocentos dólares. Acabou-se o meu sonho de ser premiado, e a carta foi direitinha para o lixo. Nos dois anos seguintes recebi a mesma “honorável” distinção, e como começava a ficar farto de ser “tão premiado” resolvi telefonar e fazer-me de idiota quase perfeito, dizendo a uma menina que me atendeu que lhes dava o prémio, o tal da águia, o certificado, o convite para o jantar e eles davam-me os oitocentos dólares. A menina esfalfou-se para me explicar o que eu já sabia, que quem tinha que pagar era eu, e resolveu passar a chamada a um superior que devia estar ao lado dela que quase acreditou que eu não estava a perceber nada do assunto. Com esta iniciativa de alguma estultice à mistura vi-me livre desta “off-shore” de prémios que nunca mais me distinguiu.
Vamos agora ao mais divertido! Passados uns tempos pego num jornal e vejo três insignes dirigentes de um organismo a responderem aos jornalistas sobre a festa de atribuição de um prémio “Qualidade, Inovação e desenvolvimento turístico”, sendo entregue em Madrid no mesmo hotel, a eterna águia a encimar o troféu, o diploma e uma maralha de gente numa foto colectiva. Fui ao baú ver se ainda tinha uma das muitas cartas que recebi sobre o evento, e oh surpresa das surpresas, aquele organismo iscou o prémio. Na altura calei-me porque talvez pudesse ser eu a fazer figura de parvo, mas conto hoje porque se o fizer já pouco importa, a mim ou aos galardoados.
Não tem nada a ver com prémios, mas aconselho a ler o recentemente editado “Puta que os Pariu” de João Pedro George editado pela Tinta-da-china, que é uma magnífica biografia de Luis Pacheco, antigo cronista da “Notícia”, uma das personagens mais fascinantes da literatura e da cultura em língua portuguesa, um escritor à margem e sem margem e que já aqui trouxe várias vezes e utilizei citações.
Fernando Pereira
28/11/2011Pensar e Falar Angola
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