domingo, 15 de janeiro de 2012

203 - Ágora - Selo de Povoamento








Veio-me parar à mão um livro do Sandro Bettencourt, “ As mais belas cidades de Angola”, editado pela Zebra, e com prefácio do Julio Magalhães.
Profusamente ilustrado, é um verdadeiro livro que deveria ser patrocinado pelo “Omo”, já que de facto era difícil encontrar um conjunto tão grande de fotos que “Lavassem mais branco”!
As fotos são interessantes, algumas pouco enquadradas com as paginas, o que indicia um descuidado trabalho do gráfico, os textos são na genericamente muito fracos, e realmente o livro aproveita-se como a prova cabal de que o racismo em Angola existia, nalguns casos com foros de quase escândalo, e se as fotos querem perpetuar a “beleza e a mansidão” da sociedade colonial mais não conseguem mostrar uma hipocrisia.
Não sugiro que adquiram o livro, antes pelo contrário, mas se puderem dar-lhe uma pequena vista de olhos acabam por ver que não estou a dizer estultices.
Associado a isto veio-me à memória o célebre “selo de povoamento”, criado ao abrigo do diploma legislativo nº 3230 de 21/3/1962, um imposto “para o progresso das populações de Angola”.
Havia vários a preços diferentes, mas o mais emblemático era mesmo um rectangular com um fundo azul berrante onde sobressaiam três caras jovens de cor diferentes, que pretendiam simbolizar a multirracialidade da então “província de um vasto império”.
Esse selo tinha que ser comprado e colocado em todo e qualquer acto ou requerimento. Penso que em determinada altura nas cartas para o interior de Angola também era obrigado a partilhar o canto superior esquerdo do envelope com as estampilhas do correio. Nos anos setenta ainda se fez na Angola independente um selo com as mesmas características para a “Reconstrução Nacional”.
Numa tertúlia de amigos, dos que gostam de fazer inventários para tentarem comparar o presente e o passado colonial, “obriguei-os” a recordarem-se de um documento que todos nós tínhamos que possuir a partir dos doze anos, que era o “Recenseamento Policial”, medida que terá aparecido no fim dos anos 60. Era um “cartão de residência” com fotografia e que era obrigatório trazer, tendo o meu sido emitido na 8ª esquadra, perto do Largo da Maianga.
A conversa é como a ginguba e a certa altura lembrámo-nos do aviltante cartão de trabalho que todo o serviçal negro tinha que ter para circular, com a obrigatória assinatura do seu patrão; Muitas vezes, porque o patrão não estava, ou por qualquer outro motivo, o cartão não levava a assinatura e o polícia, ou umas esquisitas brigadas mistas de polícia e OPVDCA (Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola) uma Legião portuguesa em formato colonial, cangavam o cidadão. Esperavam-no eventualmente umas palmatoadas e uma cela imunda onde tinha que esperar, que o patrão se dignasse ter paciência para o ir buscar, o que permitia todo um conjunto de arbitrariedades, como por exemplo não o fazer para não lhe pagar o salário de miséria, argumentando que “tinha fugido”, o que dava logo direito a prisão a um cidadão, com contornos no mínimo kafkianos.
Outra das coisas que nunca percebi em Luanda fora os postos de controlo à saída da cidade, os únicos sítios onde se podia passar, já que toda ela esteve de 1961 a 1974 cercada de arame farpado, postos de vigilância com holofotes e patrulhas regulares a pé ou de viatura ao longo do perímetro.
Despercebi sempre se aquela cintura era para evitar que saísse ou que entrasse alguém na cidade. Inicialmente os postos de controle estavam numas casinhotas tipo “casa de cantoneiro”, em frente à prisão na saída para o Cacuaco, ao lado da fábrica da Cuca,a seguir ao cemitério na estrada de Catete, no fundo do ex-Bairro Popular, no que depois foi o Golfe e na Samba, junto a uma imponente Mafumeira no fundo da descida do Prenda, perto do morro da Luz.
Com o tempo e com o crescimento da cidade mudaram os postos e o do Cacuaco passou para perto da ponte do caminho-de-ferro do que poderia ter sido a Linha do Congo, da Cuca para perto da moagem do Quicolo, do Cemitério para o cruzamento da estrada da FILDA, do Bairro Popular para o extremo do Golfe e da Samba para o Futungo. Alargou-se o perímetro do arame farpado, fizeram-se uns postos maiores com um primeiro andar tipo fortim, e não havia ninguém que quisesse entrar ou sair que não fosse inspeccionado e averbada a matrícula e o nome do condutor da viatura.
Uma “cidade em paz”, rigorosamente vigiada dia e noite.
Fernando Pereira
22/11/2011



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