quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

HORROR DO VAZIO (opinião)

HORROR DO VAZIO - texto que me chegou por mail e atribuido a Pepetela

Sei que pode parecer repetitivo, mas afligem-me as megalomanias se
apossando de algumas cabeças que assumem responsabilidades em relação a
Luanda. Uns tantos acham que merecemos ter uma capital no estilo Singapura
ou Hong Kong, com torres de quarenta andares (no mínimo) ao longo do mar.
Não é forçosamente para amealhar umas comissões, como imediatamente pensam
os nossos cérebros borrados de preconceitos, embora uns tantos aproveitem.
Nada de novo, afinal: o mundo está cheio de processos por causa do
imobiliário e o cinema e a literatura até já esgotaram o tema. O que me
preocupa é muita gente estar sinceramente convencida que isso é que é
bonito e assim é que será viver bem. Têm horror ao vazio que nas suas
cabeças significa uma praça, um jardim, um parque, um desperdício de
espaço que ficaria melhor com uma torre no meio (antes dizia-se
arranha-céus, mas reconheço o exagero americano ao inventar o termo,
porque os céus não têm costas, são da natureza dos anjos, e ninguém
imaginaria um edifício a arranhar as costas de um anjo). Torre é melhor,
lembra logo aquelas construções onde se enfiavam os prisioneiros para
morrerem lentamente, como a célebre Torre de Londres, ou onde se aninhava
o povo da Europa medieval para se defender de ataques. Torre sim, pois os
seus utentes/prisioneiros vivem no medo de sair à rua, de viver a cidade,
enclausurados e protegidos da miséria que espalham à volta de si.
Queixamo-nos do trânsito na baixa da cidade (não só na baixa,
sejamos justos) e nem sempre escapamos de lá cair, porque ali está
concentrado mais de metade do capital financeiro e dos serviços do país. E
querem fazer mais torres, para atrair mais gente e mais carros? Que as
torres vão ter parques de estacionamento, dizem os defensores das ideias
futuristas. O problema é entrar ou sair dos parques, porque as ruas estão
atulhadas de carros. Claro que há uma solução do mesmo estilo: fazer as
ruas da baixa com andares, género auto-estrada em fatias sobrepostas, ou
até com viadutos por cima dos prédios, a arranharem as nuvens. Isso seria
um arranhanço útil. E já agora peço, façam um túnel por baixo da baía ou
uma ponte a ligar o bairro Miramar à Ilha, assim chegamos à praia em cinco
minutos, como era há vinte anos atrás. Como de todos os modos a ideia
geral é dar cabo da baía e da Ilha, também tanto faz, mais ponte menos
ponte… Suponho também que já deve haver negociações para se tirar a Igreja
da Nazaré do sítio onde está, a ocupar indevidamente um espaço nobre para
mais uma torre. Uma pequena concessão não fica mal, mantém-se a igreja na
cave do edifício. A História que se lixe, não foi a lição da destruição do
palácio de D. Ana Joaquina? Então continuemos. Neste afã de ocupar todos
os espaços, proponho também acabar com o prédio dos correios, bem feio e
sem valor arquitectónico por sinal, e já agora com a praceta à sua frente,
outro desperdício de espaço. E aquele compacto e azul edifício que serve a
polícia? Um quarteirão inutilizado! A polícia pode ocupar um andar da nova
torre. Com menos agentes, claro, para se fazer encolher o Estado, assim
mandam os compêndios do liberalismo económico, nossa nova Bíblia.
Problema que estamos com ele é que todas essas novas construções
vão ter sérias infiltrações de água salgada, pois ali antes era mar. E o
mar gosta de recuperar o que lhe roubaram, ainda mais agora com a previsão
da subida dos oceanos, como em todas as conferências se apregoa. Vai ser
lindo, com as fundações das torres a serem corroídas pelo salitre e os
prédios a desabarem. Felizmente para eles, já não estarão cá os
responsáveis nem os seus filhos. E os netos dos outros que se lixem.
Pepetela



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