domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ágora (104) - Ad 2Vértice na água"




Esta é a primeira Ágora, do resto de todas as outras, neste ano trinta e cinco da independência da Republica de Angola.
Há modificações auspiciosas no léxico político do Presidente da Republica, no seu discurso de fim de ano, que auguram qualquer coisa de positivo num futuro, que apesar de grandes esforços e vontades múltiplas, será improvavelmente próximo.
José Eduardo dos Santos reiterou as ideias marcantes do discurso de encerramento do MPLA, e se o combate é para ser feito, há que engajar (já me tinha desabituado de ouvir esta palavra) toda uma população, mas será expectável, que os bons exemplos partam dos que hierarquicamente estão mais altos, nos diferentes órgãos de soberania.
A “tendência zero” à corrupção, ao nepotismo, à extorsão, etc., não poderá ser apenas um mirífico desejo, ou um sonhar acordado, mas acima de tudo algo que passe a ser um quotidiano exercício de cidadania.
Reconheço como angolano, que também sou responsável por tudo que tem acontecido, talvez mais por omissão, mas a realidade, é que ninguém sai impune numa situação, que efectivamente é desconfortável para todos nós, e que talvez mereça mais este esforço colectivo, num País que tantas vezes o faz, mas que também inúmeras vezes o desfazem.
Se houver prática nas palavras do Presidente da Republica, poderemos estar a encerrar um ciclo de quase 370 anos na vida de Angola!
Reza a história que em 1648, quando Salvador Correia de Sá combateu os holandeses em Luanda, terá dado ordem para saquear, algo que era normal na época, pois o pré dos soldados era pouco, e só o saque compensava tamanhas aventuras guerreiras. O saque terminava normalmente, quando o comandante dava ordem ao corneteiro para que soprasse a corneta, audível em todo o campo de batalha.
Em Luanda aconteceu o que nunca deveria ter sucedido, nada mais nada menos que a morte do corneteiro antes do toque de fim de saque. Diz a história, que nunca mais foi revezado o soldado que tinha esse mister, e poucos se tem preocupado em procurar alguém com perfil adequado ao cargo!
Claro que isto é uma história já antiga de Luanda, e raro será o angolano que não a conheça, mas é ilustrativa da permeabilidade de Angola, se permitir ficar sem os seus recursos e sem contrapartidas assinaláveis.
Não desejava que Angola, caminhasse para a situação sintomática, da frase que se ouve a certo momento do conhecido banqueiro Meyer Rothschild, fundador da dinastia financeira Rothschild, em que ele diz: «Dêem-me o controle do dinheiro de uma nação e não me importa saber quem faz as leis»("Permit me to issue and control the money of a nation, and I care not who makes its laws."Mayer Amschel Rothschild, International Banker ).
Este tema é delicado, e provavelmente vai pelo menos trazer para o debate novas ideias, e que se restabeleça o respeito pelas nossas naturais diversidades, sem as quais não pode haver sociabilidade construtiva.
Sem diálogo aberto não há viver normal, não há viver que valha a pena, e todas as boas intenções se esboroam no comezinho racismo social, político, oportunista, racismo que aglutina toda a espécie de idiossincrasias, fazendo degenerar o convívio numa constante crispação de repulsas e suspeitas.
Se tivermos a coragem, que outros vêm tendo, de nos desembaraçarmos de fantasmas possessivos e de nos abrirmos ao nosso tempo, onde uma realidade nova e impaciente poderá desfigurar-se quando se cansar, em definitivo da longa espera.
Nesta Ágora algo melancólica, deixo recados sobre as “palavras” de um grande autor da língua portuguesa, Fernando Namora (1919-1989), que tive o privilégio de ter conhecido, e de ter participado como figurante num episódio, de uma série que a TPA colocou no ar em 1982 “Retalhos da Vida de um Médico”, realizada por Artur Ramos: “As palavras, mesmo não podendo ser neutras, têm o seu uso e o seu abuso, e nessa distinção reside a sua funcionalidade. As palavras, ao nomearem as coisas, estão já a animá-las de um significado próprio, senão mesmo a modificá-las, e, ao traduzirem sentimentos, estão já a tomar partido sobre o modo como lhe somos receptivos. Mas daí até à perversão vai algum caminho andado, e esse é de evitar, sobretudo nas fases de ira e angústia em que as palavras podem pôr em causa o que para uma sociedade, é a matriz do seu viver” .
Cada geração tem direito à sua revolução, dizia Thomas Jefferson (acho eu).
Fernando Pereira
5/1/10

Pensar e Falar Angola

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