Sul de Angola oferece tortulhos, fendas e serras abruptas
SEG, 08/02/10POR HAROLDO CASTRO |As marcas da guerra civil que assolou Angola durante quatro décadas espalham-se pelo país e – infelizmente – ainda estão nas mentes e nos corações da população. Lubango, capital da província da Huila, situada no sul, sofreu um pouco menos do que as cidades do centro do país. Depois de oito anos de paz, Lubango mostra sinais claros que Angola está em um novo rumo.
Mais do que a simpatia de seus habitantes, o que mais nos surpreendeu em Lubango foi o contexto geográfico da cidade. Para começar, em pleno verão, fazia frio. Frio, de colocar casaco! Mais do que em São Paulo! A explicação é óbvia: Lubango está a 1.800 metros de altitude e os angolanos orgulham-se desse clima fresco e ameno. “Quando a temperatura está aqui a 15 graus, na capital Luanda o termômetro pode chegar a 40 graus”, diz Suwendy Gomes, professor de matemática. Como referência, a cidade mais alta no Brasil é Campos de Jordão, a 1.630 metros.
Lubango situa-se em um belo vale, cercado por montanhas e por um fértil planalto onde abundam projetos agrícolas. As formações rochosas – bem parecidas com nossos chapadões brasileiros – escondem tesouros naturais, como a cachoeira da Estação Zootécnica de Humpata, a 30 km da cidade (foto).
Nosso primeiro destino é a Fenda da Tundavala, a 18 km da cidade. A estrada de terra ainda contem muitos buracos e apenas 4×4 podem chegar até o final. Mas é uma questão de tempo: dois tratores trabalham regularmente para transformar a trilha em uma rodovia asfaltada. Seu Antonio, chefe da obra, promete: “se vocês voltarem no ano que vem, a estrada estará perfeita”, uma mostra que o governo investe na infraestrutura turística da região.
Na beira da estrada, encontramos um grupo de mulheres e crianças, com várias bacias no solo. Oferecem imensos objetos redondos brancos. Nasuka, uma das vendedoras, desfaz minha expressão de curioso: “são tortulhos, muito bom para comer”.
Nasuka (à direita) tem sete filhos. Para ganhar a vida, ela colhe e vende tortulhos, cogumelos gigantes selvagens encontrados no mato nessa época do ano.
Nasuka precisa andar vários quilômetros para encontrar cogumelos selvagens. Ela vende uma bacia por 1000 kwanzas, equivalente a 18 reais. Ela insiste que compremos uma bacia inteira! Levamos metade, sabendo que teremos cogumelos por muitos e muitos dias.
A estrada piora a medida que subimos. Odé, nosso GPS, avisa que atingimos a marca de 2.200 metros.Em poucos minutos somos envolvidos por uma espessa neblina. Uma garoa molha nosso parabrisa. Fechamos a janela, o frio aumenta. Mikael e eu nos olhamos com cara de “onde-estamos?” Descobrimos uma Angola bem diferente daquela que esperávamos.
Chegamos ao final da pista. Sabemos que as montanhas também terminam ali. Mas a névoa aumenta e não podemos vislumbrar grande coisa. Três soldados se aproximam. Parecem meninos, mas todos têm mais de 35 anos. Combateram na guerra civil pelo PFLA, uma das facções perdedoras. Depois da paz, foram reinseridos na sociedade e hoje servem no exército nacional. Moram em um acampamento a meia-hora de caminhada e passam o dia na Tundavala. “Nós chamamos essa neblina de cachimbo, porque parece fumaça”, diz um deles. “Ela fica aqui até as 11 horas da manhã.” Mal o soldado fala do cachimbo e uma lufada de vento deixa transparecer um paredão vertical. Vamos até a beira para descobrir uma queda vertiginosa. Estamos a 2.250 metros e o vale da cidade de Bibala, lá embaixo, está a 850 metros. Faço as contas: o buraco tem 1.400 metros de vazio!
A Fenda da Tundavala marca o final do planalto de Lubango. O local possui um microclima particular.
Poucos minutos depois, o cachimbo volta a soprar e tudo fica branco novamente. Dessa vez, a neblina traz uma nuvem mais cinzenta e recebemos um brinde: chuva. Os soldados lembram que é importante ter paciência na Tundavala.
Os minutos passam tão rápido como a chuva, a neblina e os raios de sol. Ficamos seis horas na Tundavala e nos molhamos sete vezes. O sol – mesmo se tímido – abre e esquenta as cores dos paredões em dois momentos diferentes. Ficamos impressionados com as mudanças do clima. Mas essas transformações súbitas parecem ser o encanto principal da Tundavala. Nos despedimos dos soldados e queremos agradecer o apoio. Eles perguntam se não temos um sabonete de sobra. Com prazer, presenteamos o grupo com um novinho.
Nosso próximo destino é Namibe, cidade no litoral angolano, onde nos espera Miguel Gullander. Já sabemos que, para chegar ao Atlântico, teremos de descer a Serra da Leba. Miguel indica que devemos fazer uma parada no mirador. “Vire à esquerda, logo depois de pagar o pedágio, e siga em frente”, diz. Mudamos de vertente de montanha e a imagem a nossa frente é surpreendente: a estrada desce desenhando laços como se fosse uma serpente interminável.
A primeira parte da descida da Serra da Leba conta com seis curvas fechadas de 180 graus. A estrada foi construída pelos portugueses na década de 70.
A diferença de altura também é grande. Saímos de 1.700 metros e chegamos a uma planície a 500 metros! O frio e a umidade transformam-se em um calor escaldante e seco. Viva a diversidade! Sabemos que Angola tem mais surpresas para nos oferecer.
As marcas da guerra civil que assolou Angola durante quatro décadas espalham-se pelo país e – infelizmente – ainda estão nas mentes e nos corações da população. Lubango, capital da província da Huila, situada no sul, sofreu um pouco menos do que as cidades do centro do país. Depois de oito anos de paz, Lubango mostra sinais claros que Angola está em um novo rumo.
Mais do que a simpatia de seus habitantes, o que mais nos surpreendeu em Lubango foi o contexto geográfico da cidade. Para começar, em pleno verão, fazia frio. Frio, de colocar casaco! Mais do que em São Paulo! A explicação é óbvia: Lubango está a 1.800 metros de altitude e os angolanos orgulham-se desse clima fresco e ameno. “Quando a temperatura está aqui a 15 graus, na capital Luanda o termômetro pode chegar a 40 graus”, diz Suwendy Gomes, professor de matemática. Como referência, a cidade mais alta no Brasil é Campos de Jordão, a 1.630 metros.
Lubango situa-se em um belo vale, cercado por montanhas e por um fértil planalto onde abundam projetos agrícolas. As formações rochosas – bem parecidas com nossos chapadões brasileiros – escondem tesouros naturais, como a cachoeira da Estação Zootécnica de Humpata, a 30 km da cidade (foto).
Nosso primeiro destino é a Fenda da Tundavala, a 18 km da cidade. A estrada de terra ainda contem muitos buracos e apenas 4×4 podem chegar até o final. Mas é uma questão de tempo: dois tratores trabalham regularmente para transformar a trilha em uma rodovia asfaltada. Seu Antonio, chefe da obra, promete: “se vocês voltarem no ano que vem, a estrada estará perfeita”, uma mostra que o governo investe na infraestrutura turística da região.
Na beira da estrada, encontramos um grupo de mulheres e crianças, com várias bacias no solo. Oferecem imensos objetos redondos brancos. Nasuka, uma das vendedoras, desfaz minha expressão de curioso: “são tortulhos, muito bom para comer”.
Nasuka (à direita) tem sete filhos. Para ganhar a vida, ela colhe e vende tortulhos, cogumelos gigantes selvagens encontrados no mato nessa época do ano.
Nasuka precisa andar vários quilômetros para encontrar cogumelos selvagens. Ela vende uma bacia por 1000 kwanzas, equivalente a 18 reais. Ela insiste que compremos uma bacia inteira! Levamos metade, sabendo que teremos cogumelos por muitos e muitos dias.
A estrada piora a medida que subimos. Odé, nosso GPS, avisa que atingimos a marca de 2.200 metros.Em poucos minutos somos envolvidos por uma espessa neblina. Uma garoa molha nosso parabrisa. Fechamos a janela, o frio aumenta. Mikael e eu nos olhamos com cara de “onde-estamos?” Descobrimos uma Angola bem diferente daquela que esperávamos.
Chegamos ao final da pista. Sabemos que as montanhas também terminam ali. Mas a névoa aumenta e não podemos vislumbrar grande coisa. Três soldados se aproximam. Parecem meninos, mas todos têm mais de 35 anos. Combateram na guerra civil pelo PFLA, uma das facções perdedoras. Depois da paz, foram reinseridos na sociedade e hoje servem no exército nacional. Moram em um acampamento a meia-hora de caminhada e passam o dia na Tundavala. “Nós chamamos essa neblina de cachimbo, porque parece fumaça”, diz um deles. “Ela fica aqui até as 11 horas da manhã.” Mal o soldado fala do cachimbo e uma lufada de vento deixa transparecer um paredão vertical. Vamos até a beira para descobrir uma queda vertiginosa. Estamos a 2.250 metros e o vale da cidade de Bibala, lá embaixo, está a 850 metros. Faço as contas: o buraco tem 1.400 metros de vazio!
A Fenda da Tundavala marca o final do planalto de Lubango. O local possui um microclima particular.
Poucos minutos depois, o cachimbo volta a soprar e tudo fica branco novamente. Dessa vez, a neblina traz uma nuvem mais cinzenta e recebemos um brinde: chuva. Os soldados lembram que é importante ter paciência na Tundavala.
Os minutos passam tão rápido como a chuva, a neblina e os raios de sol. Ficamos seis horas na Tundavala e nos molhamos sete vezes. O sol – mesmo se tímido – abre e esquenta as cores dos paredões em dois momentos diferentes. Ficamos impressionados com as mudanças do clima. Mas essas transformações súbitas parecem ser o encanto principal da Tundavala. Nos despedimos dos soldados e queremos agradecer o apoio. Eles perguntam se não temos um sabonete de sobra. Com prazer, presenteamos o grupo com um novinho.
Nosso próximo destino é Namibe, cidade no litoral angolano, onde nos espera Miguel Gullander. Já sabemos que, para chegar ao Atlântico, teremos de descer a Serra da Leba. Miguel indica que devemos fazer uma parada no mirador. “Vire à esquerda, logo depois de pagar o pedágio, e siga em frente”, diz. Mudamos de vertente de montanha e a imagem a nossa frente é surpreendente: a estrada desce desenhando laços como se fosse uma serpente interminável.
A primeira parte da descida da Serra da Leba conta com seis curvas fechadas de 180 graus. A estrada foi construída pelos portugueses na década de 70.
A diferença de altura também é grande. Saímos de 1.700 metros e chegamos a uma planície a 500 metros! O frio e a umidade transformam-se em um calor escaldante e seco. Viva a diversidade! Sabemos que Angola tem mais surpresas para nos oferecer.
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