Na costa, deserto vira oásis e sardinhas sustentam Tombwa
A descida da Serra da Leba toma tempo. Além da atenção redobrada, descobrimos, a cada curva, que a vegetação muda, acompanhando a chegada do calor. A 1.200 metros, vemos os primeiros baobás, árvores majestosas que representam tão bem o continente africano.
A estrada, como uma serpente, vence abismos e vertentes. Narcotizados por tantos laços, paramos no primeiro vilarejo tropical. As bacias oferecidas aos viajantes agrupam uma nova surpresa: nada de cogumelos gigantes, mas mangas suculentas.
Uma menina da etnia Mumuila oferece mangas doces. Ela parece estar acostumada à chuva que rega o pé da Serra da Leba.
Chegamos a Namibe com cogumelos e frutas nos braços. Pelo menos, não aterrissamos na casa de Miguel Gullander e de Pedro dos Santos de mãos vazias. As conversas começam na cozinha e terminam na sala de jantar. Aprendemos sobre os traumas da guerra civil, as riquezas potenciais do país e o muito que precisa ser feito em educação. Miguel é escritor publicado, mas aplica seus conhecimentos práticos no cotidiano africano. Está em Namibe para treinar professores, tarefa essencial para que o país possa avançar.
A conversa converge para Viajologia, a ciência-arte de entender nosso planeta. Miguel lê um trecho de seu livro “Perdido de Volta” (Editora Língua Geral, Rio). Tem tudo a ver com nossa jornada, tanto jornalística como rodoviária.
“E o casco arrebentado sobre este mar sem fim, avança e avança e avança e assim se faz a viagem toda, se chega a um destino, e se cumprem 200 páginas sem sequer se saber, conscientemente, por onde se ia. Como uma Land Rover* em África. Mas no fim, olhando para trás, a via está lá e faz sentido. Porque é a nossa estrada. A de todos nós.”
No seu original, Miguel escreveu Toyota, em lugar de Land Rover. Aviso que, quando eu transcrever a frase, tomarei a liberdade de homenagear a Nandi.
Miguel, Pedro e amigos angolanos querem nos mostrar um lugar chamado Arco. Saímos de Namibe cedo, seguimos a costa e caímos em um deserto. Nenhuma vegetação, apenas areia e pedras. É a continuação da Costa do Esqueleto, na Namíbia, 200 km ao sul. Trocamos o asfalto pela poeira e penetramos em um pequeno desfiladeiro, como se seguíssemos o leito de um rio que deixou de ter água há séculos. Na última curva, Miguel declara: “Preparem-se para mais uma surpresa em Angola.”
Em um piscar de olhos, saímos do Saara e ingressamos em um oásis. Uma vegetação abundante enche nossos olhos de vida. O verde nos envolve. Foi a água, com sua magia, que criou o lugar. Sem poder sair para o mar ou gerar um rio subterrâneo, a água formou uma lagoa – imensa e piscosa lagoa.Água e vento moldaram outras formas surpreendentes na rocha. O local ganhou o nome de Arco pelo imenso buraco-escultura deixado na pedra.
A pequena comunidade que vive em volta da lagoa do Arco depende da pesca, assim como os pássaros que moram nesse pequeno paraíso.
Apesar do calor, não hesitamos em percorrer a trilha ao redor da lagoa.
A jornada continua rumo ao sul e chegamos em Tombwa, uma cidade que (ainda) subsiste da pesca. Já teve seus tempos mais gloriosos. As carcaças enferrujadas de barcos pesqueiros são lembranças de um período fausto. “Ouvi dizer que os barcos chineses estão a limpar nosso litoral”, diz um pescador local. “A produção hoje é pequena”.
Miguel e a turma querem tomar banho no mar. Prefiro deixar o mergulho para outro dia e observar o movimento daqueles que vivem das dádivas do oceano. Um carregamento de sardinhas chega à praia e cada família compra seu lote.
As sardinhas são banhadas em água com sal. Depois da salmoura, elas são levadas para as dunas.
Os peixes são espalhados na areia. Em dois dias, graças ao sol e ao sal, eles estarão secos e prontos para a venda.
É um trabalho realizado em família e cada uma possui seu território demarcado na areia. Mães, pais, jovens e crianças estão juntos na tarefa. Converso com alguns. Ninguém reclama da vida e todos são saudáveis. “Temos bastante peixe para comer”, afirma Xinha, filha de pescador e residente no bairro.Para os meninos que terminaram seu serviço, só lhes falta comemorar com um salto na areia!
Um jovem dá uma cambalhota na praia, antes de mergulhar na água. Angola vive momentos bem mais felizes do que há algumas décadas.
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