sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Assim vai o Sul...
In Semanário “AGORA” de 6 de Fevereiro de 2010
Pág. 19 (OPINIÃO)
Por MANUEL VICTÓRIA PEREIRA
QUESTÕES QUE ESTAMOS COM ELAS (XXX)
ASSIM VAI O SUL
NAMIBE E O JARDIM DA CELESTE
“Fui ao jardim da Celeste, giroflé-giroflá
Fui ao jardim da Celeste, giroflé-flé-flá
O que foste lá fazer…?”
(De uma canção infantil)
Chamou-se outrora “Avenida da Praia do Bonfim”. Hoje é a Avenida Eduardo Mondlane, na cidade do Namibe.
A vivenda nº 55, onde nasci e logo depositei meu generoso peso nos braços da saudosa vizinha Domicilia, mãe do Ruca, do Dadica, do Márito, do Bilinho e do Zeca-Gimba, casa cuja senhoria era essa boa alma, foi o meu domicílio oficial por vinte anos.
Cedo, o meu pequeno mundo passou a incluir “A Avenida”. Assim lhe chamávamos como se ela fosse a única do planeta e o nosso paraíso terrestre. Isto mesmo com o medo que nos infligia a gang juvenil do Russinho, Candinho, Betinho, Julinho e Mário Luís, mais tarde tudo malta amiga. Ao longo dos anos, as corridas e brincadeiras de polícias e ladrões, toca e foge, dá-me fogo, índios e cowboys ou “brincando na serra”, os espectáculos infantis improvisados onde as manas “Baías” imitavam a Luísa Jardim-sua irmã mais velha e artista da praça local- cantando “La paloma” e até os inocentes namoricos de criança onde eu escolhia a Filú Cruz mas quem queria ser a minha dona era a Ana Maria, uma das manas “Baías”, tudo foi dando lugar a encontros conspirativos, a lições de viola sob batuta do jovem mestre Lanucha e, naturalmente, a um ou outro tímido e juvenil namoro, nos românticos bancos de tábua e ferro forjado.
A Independência trouxe a mudança do nome na toponímia namibense, sem que o estilo antigo do lugar mudasse substancialmente. Ora sofrendo restauros superficiais, ora caindo no descuido, nunca foi entretanto alvo de uma descaracterização tão radical como a que recentemente lhe foi imposta.
São cerca de dois mil metros de extensão que vão desde o Tribunal até ao antigo campo de futebol, praticamente à saída da cidade. Algumas transversais cortam a avenida, mas hoje estão vedadas, obrigando os veículos a uma enorme volta para chegar a lugares próximos.
Nada resta dos canteiros do jardim. A calvície da Avenida “Eduardo Mondlane” é total. Em boa verdade o ínclito nacionalista era calvo, mas se o queriam homenagear, as autoridades locais deviam mostrar mais respeito, quer por ele, quer pelos munícipes. Aqueles dois km de terreno baldio e chapa de zinco conservam secos os tanques onde outrora jorraram alegres repuxos, chapinhando ali focas e tartarugas. Não se sabe em que águas turvas chapinham agora os autores da barbaridade.
O poder privado ainda conserva o antigo Quiosque do Faustino, sob nova gerência agora. O que sumiu escandalosamente foi o par de gazelas de bronze, em tamanho natural, que eram há mais de meio século um ex-libris da cidade, ao cimo da Avenida e logo depois do Tribunal. Houve várias vozes contestatárias e como é óbvio algumas justificações:
-Foram só a polir, num país vizinho…
-Com aquele peso todo? Não era mais fácil trazer um polidor levezinho?
-Eh pá. Afinal as “palancas” tinham um significado qualquer…
Aparecerão algum dia? Pensei que fossem para algum estádio, dada a confusão zoológica na cabeça dos nossos “responsáveis”. Entretanto, o CAN passou…
A veia humorística de alguns munícipes cismou de chamar ao local “o Jardim da Celeste”, parodiando com o nome da actual Governadora e com uma velha canção infantil. Realmente, para o actual executivo, não sei que peruca poderá disfarçar a carecada feita à nossa tão amada Avenida.
Mas em boa verdade, bem lhe podiam chamar “Avenida Boavida”, que por sinal até rima. Foi durante o mandato de Boavida Neto que, sob pretexto de restauro ou embelezamento, se passou a Avenida a máquina zero e se parou por aí. O projecto pesa no Plano de Investimentos Públicos do Namibe cinco milhões de dólares, a gracinha já faz mais de um ano e já passou de empreiteiro para empreiteiro. Em matéria de estética, é a gangrena da cidade.
Como investimento social, há tanto problema prioritário…
Nada é insólito naquele ponto de Angola, onde a população aspira há tanto tempo a ser governada por alguém que conheça, compreenda, sinta o pulsar da cidade e ame o Namibe, tenha ou não nascido lá.
Nada é inusitado, como o caso dos modestos professores obrigados a usar diariamente um “tropicalíssimo” fato e gravata, ou então uma bata que só poderia ser comprada numa determinada loja, certamente do compadre de um dos muatas…
Ou como o grupo de boémios que teve de responder na segurança por ter usado penicos novinhos em folha, só de sacanagem, para beber “finos” gigantes nas suas alegres noites…
Ou como o desfile do Carnaval da Vitória que tiveram de bisar porque, no dia 27 de Março, na hora H, o júri estava “impróprio para consumo”…
Quando olho para dentro daquele zinco torto e feio, vendo o que resta da nossa Avenida, clássico postal do Namibe, penso:
-Coitado do Povo do Bié!
-“Giroflé”…
-(Aiué!!!)
Pensar e Falar Angola
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1 comentário:
Vi a foto como tb li algumas coisas, mas do "sanzalando".
Abrs
W
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