Para uma cerimónia evocativa dos oitenta anos do nascimento do Presidente Agostinho Neto precisei de pesquisar alguns documentos, rever jornais e revistas e tentar recolher depoimentos sobre a sua passagem por Portugal, que “infelizmente conheceu demasiado bem” (Século Ilustrado 25-1-1975).
Numa entrevista ao “Século Ilustrado” a 25-1-1975, dias depois de ter rubricado os “Acordos do Alvor”, o entrevistador Rui Cartaxana perguntou: “O dr. Agostinho Neto conhece bem, viveu e estudou em Portugal, que pensa do atual momento da vida portuguesa e da profunda revolução que se operou neste País desde o 25 de Abril?”
Agostinho Neto respondeu: “- Sim infelizmente conheço «demasiado bem» Portugal, o Portugal fascista que oprimiu os portugueses durante 48 anos, pois estive em Portugal, sem sair de cá, durante 13 anos. E esses 13 anos não foram apenas para eu fazer o meu curso de medicina mas também para permanecer alguns anos nas cadeias da PIDE. É, pois, nesse sentido que eu digo que conheço «demasiado bem» esse Portugal, que felizmente já lá vai, e alguns locais e situações pouco agradáveis . Mas também posso dizer que a experiencia dessa fase da minha vida teve o seu lado positivo, pois conheci também a outra face deste país e alguns dos seus homens mais notáveis, aqui fiz amigos dos melhores.”
(….)”Quase não conheço Lisboa”(...)
(…)” –Para terminar, uma pergunta: Quais foram para si os políticos africanos que mais contribuíram para a libertação do continente africano do colonialismo?”
“- Os que mais se distinguiram na luta política foram sem dúvida aqueles que podemos considerar os mais progressistas. Alguns nomes? Não gosto muito de nomes, pois posso cometer, sem querer, uma omissão. Nkrumah, Sekou Touré, Nyerere – e, de formação ou expressão portuguesa, a grande figura de Amílcar Cabral.”
“- Amílcar Cabral teve de resto, uma grande influência na formação do MPLA, não teve?”
“- Teve, sim. Não só na fase da sua formação, pois todos os movimentos de libertação pode dizer-se que nasceram aqui em Lisboa – o MPLA, o PAIGC, a FRELIMO e até o MLSTP, sensivelmente na mesma altura – mas até numa situação que julgo pouco conhecida: Amílcar Cabral depois de se formar, foi para Angola como engenheiro agrónomo e lá ingressou no MPLA, clandestinamente, é claro, tendo trabalhado nos nossos quadros e desenvolvido até uma notável ação. O seu nome não pode ser esquecido neste momento, ele foi também um dirigente do MPLA.”
Este extrato de uma entrevista de Agostinho Neto ao SI, no distante Janeiro de 1975, vem colocar uma referência “nova” na historiografia angolana, demasiado permeável às modas dos tempos políticos prevalecentes. Nesta minha recolha, com muito diletantismo à mistura, tenho encontrado demasiadas notas que penso serem importantes na construção de uma história contemporânea de Angola que não seja feita de lugares comuns, mas com um critério científico que a legitime num futuro próximo ou distante, independentemente de se manterem as “querelas” e as duvidas que só a enobrecem e dignificam os seus intervenientes.
Fora da História e no contexto das “estórias”, lembro-me de uma anedota que circulava em Angola nos tempos do “Alvor”, e que sempre gostei de contar, e que acaba por revelar um sectarismo politico que nunca supus sequer pensar em disfarçar.
No hotel da Penina, nos Montes de Alvor em Janeiro de 1975, os presidentes dos então “movimentos de libertação de Angola” preparavam-se para assinar o acordo que levaria Angola à independência em Novembro desse ano.
O secretário encarregado de transportar o livro onde seriam rubricados os acordos chega ao pé de Agostinho Neto que, em representação do MPLA, coloca a sua assinatura sem problemas. Chegado junto de Jonas Savimbi, da UNITA, este diz não saber assinar, ao que o secretário lhe responde que coloque uma cruz no lugar da assinatura; surpreendentemente, Savimbi coloca duas cruzes. O secretário pergunta surpreendido o porquê, e ele responde prontamente que uma é o seu nome e a outra corresponde a Dr.. Continuou o secretário em direção a Holden Roberto, da FNLA, e, quando este também refere que não sabe escrever, o secretário da conferência, com medo das “cruzes”, resolve pegar numa almofada de carimbo e dizer-lhe para, com o indicador esquerdo, colocar a impressão digital no acordo. Prontamente, Holden coloca tinta no dedo e fá-lo deslizar sobre o papel perante a incredulidade do secretário que pergunta o porquê da “borrada”, ao que Holden responde que é "o meu nome por extenso”!
Para os que pretendem fazer, realmente, História em Angola, limitem-se a utilizar, se o acharem de alguma utilidade, como verosímil a primeira parte da crónica, porque a segunda é só uma “estória”.
Fernando Pereira
31/10/2012
Pensar e Falar Angola
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