quarta-feira, 21 de março de 2012

ALGUNS SUBSÍDIOS SOBRE VIRIATO DA CRUZ

ALGUNS SUBSÍDIOS SOBRE VIRIATO DA CRUZ 
por Osvaldo Silva

Viriato da Cruz (Porto Amboim, Angola, 1928 – Pequim, China, 1973) é considerado, pela própria historiografia política angolana, um dos “pais fundadores” do moderno nacionalismo angolano, a par de Agostinho Neto, Mário P. de Andrade, Lúcio Lara, Holden Roberto e outros, e foi ainda um dos edificadores do que se convencionou chamar “o discurso literário modernista angolano”, emergente dos finais da década de 1940. Mentor do que ficou conhecido como o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, cujo ideário sociocultural teve o seu sumário no grito «Vamos descobrir Angola!» de 1948, distinto dirigente, membro e colaborador da antiga Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA) – aqui publicou a tão divulgada revista Mensagem (1951-52) –, da Liga Nacional Africana (LNA) e da Sociedade Cultural de Angola (SCA), obreiro e partícipe de um amplo e variado conjunto de movimentos revolucionários libertários angolanos – dentre eles, o PCA (1955), o PLUAA (1956), o MIA (1957), MAC (1957), MINA (1959), FRAIN (1960), PAI (1960) e o próprio MPLA (1960) –, autor do celebre Manifesto de 1956 e de um discurso poético/ideo-estético contestatário de vanguarda e de angolanidade, da Cruz teve, assim, a sua vida devotada à acção cultural-literária e política de cisão com a ideologia colonial hegemónica e os cânones culturais do seu tempo. Como chega mesmo a dizer Edmundo Rocha (2002b: 41), a trajectória política (e não só) de Viriato da Cruz confunde-se com as origens do moderno nacionalismo angolano… 
Porém, é notavelmente curioso o facto de Viriato da Cruz ser um daqueles nacionalistas e escritores angolanos que, tendo produzido uma obra política e literária de sublime relevância para a Nação (como são os casos de Matias Miguéis, Manuel dos Santos Lima, Joaquim P. de Andrade, José Miguel, etc.) não tenham merecido, até hoje, a atenção e a valorização crítica merecida – em linha de comparação com outras figuras históricas do moderno nacionalismo angolano –, não apenas da parte do discurso político-histórico oficial, mas também da parte do discurso intelectual. E assim, com a sua figura-maldita, no dizer de alguns), a sua obra (política e literária) vai por arrastamento. 
Tal ostracismo deverá ter o seu fundamento explicativo (e não necessariamente justificativo) no seu próprio percurso histórico. Uma vez ter sido dissidente irrevogável da cúpula central MPLA (isto no ano de 1963), gerando uma crise sem precedentes no seio do movimento para nunca mais merecer a memória dos seus antigos camaradas, Viriato da Cruz e toda a sua obra passariam a ser julgados, postumamente, pelo discurso hegemónico vencedor e vingativo. Quer o sujeito político, quer o sujeito poético, ambos foram alvos, convenientemente, da construção descaracterizadora do discurso hegemónico, tanto por manifestação, como por omissão. Ou seja, o sujeito e a sua obra estariam a ser proscritos do legado histórico-nacionalista, assim como do corpus canónico da moderna literatura angolana, não apenas quando a eles se referisse à luz duma retórica (que foi sempre) manipuladora da história, mas também quando deles não se emitisse quaisquer referências. Assim, a principal e aterradora consequência desse passado que, consideravelmente, ainda é presente é, por um lado, a inexistência de um devido (re)conhecimento da operacionalidade do sujeito e da sua obra no contexto histórico em referência e, por outro, a existência de um (re)conhecimento convencional do sujeito e da sua obra, que apenas (re)conhece aquilo que convém para o discurso hegemónico, não admitindo o debate e pluralidade como fonte maior de (re)conhecimento. Atestam esta acepção a inexistência de uma construção biografia sobre Viriato da Cruz, a imagem ostracista que se mantém e que não discute e não reconhece méritos, a escassez de referências históricas sobre a sua figura e um aprofundamento sobre a dimensão da sua obra, etc. 
Portanto, por esta e por outras razões que lhe são conexas, Viriato da Cruz, político e poeta, é ainda maioritariamente conhecido ou desconhecido segundo uma visão hegemónica pobre em debate, parcial e inoperante, porque avalia um percurso histórico com o sindroma político do passado, sem distanciação histórica e por conveniência corporativa. Por isso, pensa-se ser pertinente e urgente criar um campo crítico de debate, baseado num discurso científico alternativo ao discurso político-intelectual hegemónico, que visa ampliar e congregar a pluralidade de visões sobre o sujeito e a sua obra, ambicionando reabilitar e homenagear pela via do questionamento, da imparcialidade, da crítica e da verdade científica. Porque, para que haja transformações profundas na estrutura do saber ortodoxo-apreendido, veiculado pelo discurso hegemónico, é urgente que emirja um novo discurso do (e sobre o) mesmo saber, cuja razão orientadora deverá ter outros princípios, objectivos e operacionalidade.
(retirado de uma proposta de pesquisa)



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