Há uns anos, uma ministra levou o telemóvel para uma audiência com a Rainha. Deixou-o ligado. E a certa altura, fatalmente, o telemóvel tocou. Então, a Rainha disse com brandura: «Atenda, querida. Pode ser alguém importante».
Esta história, ao que se supõe terá acontecido realmente tendo como protagonista a Rainha Isabel II, que sabe-se useira e vezeira nestas situações em que o humor britânico revela invulgar acuidade.
Porque em lugares onde a importância das pessoas é medida pela visibilidade em eventos sociais, número de viaturas disponíveis no agregado familiar, relógios e ouros q.b., fatos de fino corte etiquetados por costureiros famosos e outros sinais exteriores de riqueza, impera bastas vezes a vacuidade, o que deixa certa gente completamente fragilizada quando confrontadas com circunstâncias em que as provas têm que ser diferentes.
Dizia um angolano a um português na véspera da independência que “quando o caputo se for embora, faremos de Luanda uma Nova York em África”. O angolano da classe possidente sempre teve um fascínio por NY, apesar de nos últimos tempos estar numa fase de Dubaidada, e a realidade é que procura em certos aspectos copiar o “the americam mean of life”. Acho que para além de legítima é uma ambição sustentada e edificante, nos conceitos de liberdade, de desprendimento pela imagem num quotidiano de vida com pouca rigidez de “censura social”, de justiça e também de democracia. Haverá outros critérios que não serão tão razoáveis, mas a realidade é que os EUA vão funcionando, e nalguns aspectos fazendo girar o mundo à sua volta.
O “Central Park”, emblemático jardim de NY, planeado e construído em meados do século XIX, numa extensão de 341ha, foi motivo de grande controvérsia no sociedade novayorquina de então, pois terá havido uma enorme pressão do emergente sector imobiliário da cidade, para que esse espaço verde fosse urbanizado com os megatéreos que enchem o resto. As autoridades do Estado foram firmes no seu propósito e não se deixaram demover pelas tentativas de suborno e posteriores ameaças do poderoso lóbi da construção, enfrentando até pedidos públicos de linchamento. A população de NY agradece essa obstinação, que permitiu que a cidade possua um pulmão verde, verdadeiro ex- libris, e as autoridades de então quase lançadas ao opróbrio sejam hoje distinguidos como heróis.
Isto vem a propósito da ausência de espaços verdes em Luanda, discussão que curiosamente é recorrente desde a última fase do patobravismo da construção na última década e meia da presença colonial portuguesa em Angola.
Um dos argumentos que os “imobiliários “ iam esgrimindo assentava no facto de Luanda desprecisar espaço verde, porque era uma cidade com muitas vivendas, todas elas com quintal e ajardinadas. Essa discussão foi ampliada quando da construção da zona verde, resultado de uma adaptação do percurso do caminho-de-ferro desactivado nos anos cinquenta, e também do eixo viário, hoje local privilegiado para a construção de grandes edifícios. A verdade é que apesar dos inúmeros erros de concepção, mantiveram-se esses espaços, pequenos para a dimensão do que o plano director do início dos anos setenta projectava da cidade.
Hoje, a zona verde transformou-se numa zona castanha onde construíram uma rua de acesso a outras ruas de Alvalade, o eixo viário no conjunto de edifícios, que parecem ser o orgulho de alguns cidadãos e a carteira recheada de outros, o ex-parque Heróis de Chaves transformado num misto de parque de estacionamento e num espaço de festas decorado com o mais requintado mau gosto, e foi sobrando o pequeno jardim da cidade alta, que apesar de tudo ainda está num local privilegiado de Luanda no que à conservação diz respeito.
Hoje já nem consegue prevalecer o argumento colonial das vivendas ajardinadas, onde o cimento substituiu o jardim por falta de água por um lado, e para estacionamento de viaturas por outro, nem as árvores que ladeavam ruas, avenidas e estradas, literalmente arrancadas para no seu lugar surgirem parques de estacionamento e novas vias estruturantes.
Luanda começa a ser uma cidade irrespirável, “invívível” e por muita cosmética que se tenta colocar ao nível do equipamento urbano, é indisfarçável que a cidade irá soçobrar nos aspectos importantes para uma razoável qualidade de vida dos cidadãos.
A cidade foi construída num contexto urbano de bairros, onde se cimentavam amizades, solidariedades, militâncias, ligações de família e tudo isso está a desaparecer, tornando os seus habitantes individualistas, desumanos, interesseiros e a aumentarem perigosamente os níveis de violência. Tudo é fruto da realidade do País, mas também pela forma como se desagrega a cidade, em que as classes com maiores rendimentos se fecham em condomínios e prédios onde há tudo menos hábitos e práticas de vivencia colectiva, multiplicidades ideológicas, culturais, políticas, ideológicas e em que se preserva apenas a identidade económica.
Luanda pode querer ser uma Nova York,e era desejável que o conseguisse, mas a este ritmo e com estes conceitos o máximo que poderá ser é um Dubai doméstico, afinal uma imitação de uma Legolandia para adultos que vive apenas da especulação e dos serviços.
Era bom recuperar a cidade e a sua alma, talvez se consiga ir a tempo!
Fernando Pereira
24/1/2011
Pensar e Falar Angola
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