No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
destemperada e a voz enrouquecida,
e não do canto, mas de ver que venho
cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza
Luis de Camões (Lusíadas, estrofe 145, Canto X)
Tinha dezanove anos quando assisti a um dos melhores dias da minha vida: O 11 de Novembro de 1975. Tenho cinquenta e cinco e hoje assisto a um dos melhores dias da minha vida, o 11 de Novembro de 2011.
Todos os 11 de Novembro são dias de grande festa e enorme exaltação, nem tanto de patriotismo bacoco, mas acima de tudo de enorme partilha de responsabilidade de ter visto nascer este País, vê-lo começar a andar titubeantemente orgulhoso, passar uma infância mal vivida, uma puberdade algo desorientada, uma juventude de busca identitária e uma idade adulta envolta numa afirmação que só tardiamente encontrou.
A fortaleza de S. Miguel transformou-se há uns anos numa sucata de estátuas. Inicialmente colocaram por lá as estátuas que os colonos polvilharam pela cidade de Luanda, e tipo Lego,algumas partes das que desconseguiram trazer inteiras como por exemplo a de Paulo Dias de Novais, fundador da cidade em 1576, que está em 3DS, pois foi transportada em três fases do local onde estava, em frente à Igreja do Cabo. A estátua de Camões, com um estilo de certa forma travestido, devia ser devolvida à cidade e colocada num qualquer lugar, pois é um poeta importante numa lusofonia onde estamos integrados, mas que alguns não gostem muito que se diga em voz alta. Salvador Correia, Vasco da Gama, Diogo Cão e Afonso Henriques provavelmente vão para um museu porque de facto pouco tem a ver com a nova realidade do País. No caso do Afonso Henriques não deixa de ser paradoxal ter sido uma estátua erigida na cidade, iniciativa de uma subscrição pública promovida por uma direcção eleita da Liga Nacional Africana. Com a certeza que me estou a repetir, acho que a estátua de Pedro Alexandrino da Cunha devia voltar para a peanha em frente aos CTT, já que foi encomendada pelas forças vivas de Luanda em homenagem a um homem que lançou as bases para regulamentar várias actividades da cidade em meados do século XIX, para além de ter lançado melhoramentos que foram indispensáveis para a sua vivibilidade. Para completar colocaram recentemente a estátua da Rainha Ginga, que pelo menos livrou-se do pedestal desarmonioso onde a puseram no largo sobranceiro ao mais emblemático edifício de Angola, hoje desaparecido, o mercado do Kinaxixe, projecto de Vieira da Costa.
O engraçado da colocação aleatória das estátuas no estatuódromo, foi o Afonso Henriques ficar ao lado da rainha Ginga e olha-a de certa forma embasbacado, enquanto o Salvador Correia fá-lo de forma desconfiada. O Diogo Cão e o outro que o segura, que nunca soube quem era, continuam de costas para o cenário situação a que já estão habituados pois estão assim há trinta e cinco, numa posição que dá ideia que pouco se importam com o que quer que seja, e com o muito que se vai passando na cidade.
Este 11 de Novembro é a cada ano que passa uma data que nos fez sentir úteis, porque de certa forma andámos com este País ao colo, e sentimo-nos uma parte dele, e por isso tantas vezes nos chateamos e discutimos tanto por sua causa, pois gostamo-lo muito.
Se algumas vezes parece que estamos próximos da estrofe dos Lusíadas que abre o texto, logo sobrevêm a outra alegria, a de partilharmos os “11 poemas em Novembro”, do Manuel Rui Monteiro, indiscutivelmente o poeta da nossa “dipanda”!
Fernando Pereira
7/11/2011
Pensar e Falar Angola
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