domingo, 24 de fevereiro de 2008

Morreu Joaquim Pinto de Andrade

Depoimento de Joaquim Pinto de Andrade

Entre Junho de 1960 e Outubro de 1970, o sacerdote católico angolano Joaquim Pinto de Andrade foi preso seis vezes pela PIDE. Começamos hoje a transcrever o seu depoimento.
"1.ª Prisão - [...] Ao fim de uma semana de interrogatórios sobre pretensas actividades subversivas, disse-me então o director da P.I.D.E., inspector Aníbal de S. José Lopes: «Fui levar os seus autos ao senhor governador-geral (era então o desembargador Silva Tavares). Concluímos que não há motivo para manter a sua prisão [...]. Todavia a sua presença nesta cidade é inconveniente neste momento. [...] ficou decidido que o sr. segue imediatamente para Lisboa, num avião militar, e ali ficará em liberdade durante três ou quatro meses, para dar tempo a que acabe esta onda de indignação pela sua prisão. Após três ou quatro meses, o sr. poderá regressar a Luanda.» Todavia, em vez da liberdade prometida, encontrei no aeroporto um chefe de brigada da P.I.D.E. que me conduziu à cadeia do Aljube, onde estive detido, isolado, durante mais de quatro meses. Para conseguir melhoria de condições carcerárias, que eram péssimas, vi-me obrigado a fazer a greve da fome durante seis dias.
[...] A minha carta de protesto ao director da P.I.D.E. ficou sem resposta.
Em Novembro de 1960 fui metido num barco cargueiro da CUF (o «Bragança»), acompanhado de um agente da P.I.D.E. Durante vinte dias navegámos sem que me fosse revelado o destino. Chegados à ilha do Príncipe, fui obrigado a desembarcar e entregue ao posto local da P.I.D.E. Aqui foi-me dito pelo agente Moreira que estava em liberdade vigiada e residência fixa na ilha, que devia apresentar-me todos os dias à P.I.D.E. e que toda a minha correspondência (quer expedida, quer recebida) devia ser previamente censurada pelo chefe do posto da P.I.D.E. Perguntei como e onde podia arranjar alojamento, alimentação, etc., numa terra que me era totalmente desconhecida e dado que não tinha um tostão na algibeira. O agente da P.I.D.E. respondeu-me: «Arranje-se como puder.» Fui então pedir auxílio à missão católica local, onde vivi durante cinco meses. Entretanto desencadeia-se a luta armada em Angola, em Fevereiro-Março de 1961."
2.ª Prisão - Em 25 de Abril de 1961, às três horas da madrugada, sou arrancado da cama por dois agentes da P.I.D.E. e levado, sem qualquer explicação, para Lisboa, num avião militar, tendo sido mesmo guardado à vista por um soldado de metralhadora aperrada e com os olhos desvairadamente fixos em mim.
Em Lisboa fui de novo encarcerado nas masmorras do Aljube, onde haveria de permanecer durante quatro meses, sem que fosse formulada qualquer acusação. Com efeito, fui submetido a um único interrogatório, em que me perguntaram apenas que actividades subversivas havia eu desenvolvido na ilha do Príncipe e quais as minhas ligações com os movimentos de libertação de Angola. A ambas as perguntas eu respondi, como era óbvio, negativamente. E foi tudo. Apesar disso, permaneci preso e isolado durante quatro meses.
Para obter melhores condições carcerárias, tive de fazer de novo uma greve da fome de quatro dias.
Em 19 de Agosto de 1961 fui conduzido por dois agentes da P.I.D.E. até ao Mosteiro de Singeverga (Roriz-Negrelos), no Minho, onde me foi fixada residência, com proibição de sair dos muros do mosteiro, de pregar, de ouvir confissões.
Aqui permaneci onze meses enclausurado."
Memorandum, 9-1-1971, ed. MPLA
(in Alves Manuel, Rogério Carapinha e Dias Neves - PIDE: a história da repressão. Fundão: Jornal do Fundão, 1974. p. 33-34).
Nb: existe um trabalho académico sobre o processo de Joaquim Pinto de Andrade

Acabo de saber do falecimento de Joaquim Pinto de Andrade, nacionalista angolano e cidadão do mundo. Conheci-o numa cela da prisão do Aljube. Ele era então padre e acusado de pertencer ao MPLA. Esse encontro marcou-me profundamente.A nossa amizade foi imediata. Assisti à sua aparente saída da prisão em Janeiro de 1963, e só mais tarde soube que mal pusera o pé fora da cadeia uma brigada da PIDE o levara para Caxias para recomeçar os períodos «legais» da prisão preventiva. Nunca o vi odiar os seus algozes ou ceder nas suas convicções. Foi dos primeiros a telefonar-me para Genebra depois do 25 de Abril cheio de esperança no entendimento futuro entre Portugal e Angola.A história da independência do seu País foi-lhe madrasta. Integrou o movimento da Revolta Activa e foi centrifugado dos centros de poder. Encontrei-o pela última vez em Luanda. Era um Ghandi desencantado mas ainda empenhado.


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