domingo, 20 de fevereiro de 2011

156 - Ágora - Despresépiamente no Natal!

Despresépiamente no Natal! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda /24-12-2010



O que vou contar é uma história simples de Natal condimentada com outros pormenores, verosímil mas por razões perceptíveis vou omitir o nome do meu amigo, figura central da história.


Esse amigo era assistente numa Universidade Portuguesa quando Angola ascende à independência. Nasceu numa qualquer terra onde passava o CFB onde seu pai trabalhava, estudou no Diogo Cão e foi estudar para Portugal nos anos sessenta, tendo participado activamente em greves académicas e nalgumas actividades de apoio à luta dos povos das colónias em África. Essas actividades foram-lhe valendo alguns dissabores, no seu meio familiar tradicional e católico assim como na sua progressão académica.

Regressa a Angola, começa a dar aulas com entusiasmo na Universidade de Angola, depois Agostinho Neto, e com igual arrojo vai arranjando namoros que não raras vezes acabam em dramas dignos de enredos de faca e alguidar. 

Às páginas tantas, a mulher que tinha deixado em Portugal resolve ir a Angola, para preparar uma futura instalação, junto do marido que contava maravilhas da terra e da revolução, hoje infelizmente esquecida.

O meu amigo ficou em transe quando soube essa notícia mas passada a surpresa inicial e como não era muito de se enrascar, resolveu pedir a um amigo num apartamento onde raras vezes chegava água, num sexto andar sem elevador e como era um tempo em que não havia muitos geradores a luz em casa ficava ao arbítrio das recorrentes avarias da EDEL. Importa dizer que normalmente vivia num prédio da universidade ali para os lados do Kinaxixe, que ia tendo tudo a funcionar, com as limitações inerentes a uma Luanda de dificuldades eternamente acrescidas.

No dia antes do dia aprazado para a chegada da esposa, dispensou a cozinheira, e despejou a despensa, o que ao tempo era quase um crime que eu próprio beneficiei. 

Neste plano maquiavélico entre várias vicissitudes, obrigou a senhora a estar nas filas dos restaurantes: Xenu, D. Andreia, Panqué, Instanta, Pims, Garfo, Mexicana, Polo Norte, e outros que tinham como denominador comum terem o carapau ou peixe-espada frita (vulgo cinturão de FAPLA) com o arroz ou esparguete, acompanhado por uns “búlgaros” de cerveja, e muita falta de higiene à mistura. Ao fim do dia a senhora estava derreada, pois estar numa fila calcorrear a cidade a pé porque o trabalho do consorte urgia, ou fazia que isso sucedesse, em plena canícula de Fevereiro, era situação que ela estava longe de encontrar quando se dispôs a vir a Luanda.

Foram muitas as peripécias mas a cereja no topo do bolo foram as idas à praia tendo ele escolhido a praia do Cacuaco, um vazadouro de petróleo e de caranguejos, motivando o desabafado com certas pessoas, que “as praias de Angola eram tão elogiadas, mas sendo esta a melhor, imagino as outras”, o que levou muitos a reprimir o riso perante os sinais do meu amigo, que quase nos obrigou a determinado tipo de reprováveis cumplicidades. 

A verdade é que o objectivo foi plenamente conseguido e a senhora embarcou para Portugal, sem vontade de regressar a Angola, e lá acabou por se separar numa “cerimónia” inenarrável. 

Fui passar o que em tempos se chamou Natal, depois “Dia da Família” e Natal de novo, ao Uíje nesse ano de 1980, onde esse meu amigo arranjou uma namorada horrorosa, que não valia uma ida de 12 metros, quanto mais uma viagem de ida e volta de 1200km. Quando me apresentou a “princesa”, veio-me à lembrança a frase de Vinicius de Morais: “Beleza não se come à mesa, mas que me desculpem as feias, eu também não como no chão”.

O Uíje era a parvónia que bem conheci no tempo colonial, com a vantagem de ter perdido alguns “besugos”, armados em ricos, o que tornava a cidade mais respirável. Na “ceia” por ironia do destino na casa que tinha sido habitada por um familiar meu onde já tinha passado outras consoadas em tempos idos, foi nosso parceiro um indivíduo que nunca intervalou na bebedeira. Quando cheguei estava odre, assim se manteve, e assim o deixei três dias depois. Quando voltei ao Uije e o encontrei, dei-lhe a notícia que tinha passado o Natal anterior com ele, pois ele não se lembrava de rigorosamente nada; Soube há anos que tinha morrido de mais que previsíveis complicações hepáticas.

Fico a aguardar as palavras de circunstancia, normalmente repetidas de vários dignitários de cargos políticos e religiosos só quero desejar Festas Felizes, principalmente a quem pacientemente me vai lendo neste espaço.

Fernando Pereira

18/12/2010


Pensar e Falar Angola

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