domingo, 31 de agosto de 2008

(29) - Ágora - Nem cântaro, nem fonte, nem Maria



No dia 1 de Setembro de 1935, inaugurava-se a estátua evocativa dos mortos portugueses nas “campanhas africanas” da Grande Guerra Mundial de 1914-1918, na luta contra os alemães. Num largo poeirento, com a pompa e circunstancia adaptada ao evento, alinharam-se as autoridades, civis, militares e eclesiásticas da cidade de Luanda, um tal almirante Afonso Cerqueira, e um jovem professor de direito, que chefiava uma missão de estudantes “metropolitanos” às colónias, de seu nome Marcelo das Neves Alves Caetano, que trinta e nove anos depois seria apeado do governo de Portugal, por um golpe de estado, que derrubou a ditadura, e donde emergiram governantes que promoveram negociações, que levaram à independência as ex-colónias portuguesas.
Este evocativo, que depois da independência esteve tapado com um plástico cor de rosa, depois dinamitado em circunstancias pouco claras foi depois local de “pousio” de um carro de combate. Foi construído com a contribuição do comércio e industria de Luanda, numa campanha que teve em Alves da Cunha o seu maior dinamizador, e foi colocado numa margem da lagoa do Kinaxixe, lugar de brincadeiras, de pescarias e também sítio de histórias de Kianda, uma personagem mítica e reverencial do imaginário angolano. Luandino Vieira, Tomaz Jorge, e outros tentaram em prosa ou em verso falar dessa figura mítica que cruza Luanda desde tempos imorredoiros: Na “ Casa velha das margens” de Arnaldo Santos, Luanda e o Kinaxixe misturam-se numa obra, que considero de excelência na escrita angolana. No léxico colonial, recordo-me sempre daquele largo, que tinha um magnífico edifício dos Serviços de Agricultura, que foi demolido em meados dos anos 60, ser conhecido pelo Largo da Maria da Fonte, e nunca por Kinaxixe, e tampouco por largo dos Lusíadas, que era o nome do largo na toponímia colonial. Sempre despercebi quais as bastas razões, para que a minhota Maria da Fonte de Arcada fosse o nome “apopularizado” do referido largo. Maria da Fonte, foi a líder de um grupo de sete mulheres do Minho que em meados do sec. XIX, comandaram um conjunto de sublevados contra o 1º ministro do reino de Portugal, Costa Cabral, levando ao seu recuo num vasto pacote de impostos e à consequente demissão, muito bem descrito em alguns livros na extensa obra de Camilo Castelo Branco, também ele um minhoto. Acho uma excelente ideia perpetuarem-se em estátuas, ou de outra forma com igual dignidade, os heróis nacionais de Angola, e Nzinga Mbandi merecia este lugar, pela sua relevância na história de Angola, consubstanciada na importância que teve na luta contra os portugueses, e acima de tudo na forma como uniu reinos desavindos, em torno de um projecto comum, que era lutar contra o ocupante. È uma opinião meramente subjectiva, mas acho que a peanha onde está a Nzinga Mbandi, é desproporcionadamente grande em relação à estátua, o que lhe retira alguma beleza e quiçá alguma importância em termos de visibilidade. Parece-me esteticamente pouco conseguido o “monumento”, mas pelos vistos os noivos que lá tiram as suas fotos não partilham da opinião. Passados uns anos de lá ter sido colocado o carro de combate, recebi em Luanda o falecido Dr. Aníbal Costa, ao tempo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva, que vinha a Luanda a convite do Centro de Medicina Desportiva de Luanda, e quando passou no Kinaxixe, voltou-se para mim e diz-me:”Fernando Pereira, aquele carro ali em cima está a mudar o óleo?” .Confesso, que foi a melhor observação que alguma vez ouvi, sobre o carro que fez parte do quotidiano visual dos luandenses durante quase vinte anos.




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