Rui Ramos é um jornalista angolano que conheceu as agruras das prisões do colonialismo português, e na Angola independente voltou ao cárcere pois sempre se afirmou coerente na luta por uma sociedade angolana igualitária, em liberdade e democracia.
Hoje, reformado, depois de um percurso profissional por diversos órgãos da comunicação social, mantém viva a sua militância no MPLA. Há muitos que são hoje do “Maioritário”, mas Rui Ramos é convictamente do MPLA desde um tempo em que era muito difícil parecê-lo, quanto mais sê-lo.
Rui Ramos tem aproveitado o espaço e o alcance extraordinário das redes sociais para fazer um trabalho de pedagogia importante, mormente para as gerações de angolanos mais novos; tem colocado diariamente posts de particular interesse relativos à história recente do País, dos que lutaram num tempo em que era difícil fazê-lo, e ainda posts de cultura, etnologia, antropologia que começam a ter muitos seguidores participantes ativos nas discussões.
A ideia que vai prevalecendo entre alguns angolanos que participam em vários fóruns de discussão na blogosfera é a de que não tem sido feito um trabalho continuado para dar aos muitos que ajudaram a construir o País a visibilidade e a notoriedade que merecem, pois foram obreiros de um projeto que está aqui presente e dinâmico apesar das inerentes contradições.
Por vezes, há panegíricos desmesurados em relação a uma ou outra figura, mas isso não tolda o ambiente da discussão, aparecendo, pontualmente, um ou outro “desaguisado” verbal, algo normal nestes fóruns. Assiste-se a um interesse generalizado por parte do angolano em conhecer o passado do seu País. Podemos dizer que o acesso à internet é muito limitado por parte dos cidadãos, e os que o têm não representam o tecido social de Angola. Sobre isto não discordamos, mas há um fator importante que tem ressaltado, que se revela no quotidiano da população de Angola e que é salutar: a angolanidade é hoje tão presente como a necessidade de beber um copo de água.
Que o trabalho do Rui Ramos se multiplique para que a Angola sofrida seja conhecida da geração que felizmente usufrui da paz, democracia e liberdade.
Mudando de assunto, vem-me à lembrança uma história que se contava amiúde, nos anos sessenta, sobre dois médicos, na pacata cidade de Luanda. Na moralidade balofa do salazarismo, onde a prostituição era um devaneio de outros lugares, exigia-se às meretrizes que frequentavam cabarets e correlativos, estar na posse do cartão de sanidade actualizado. Aviltante da dignidade das mulheres, assumia contornos de racismo soez quando essa obrigatoriedade excluía nas colónias “as nativas”.
Na rua que ladeia a Igreja do Carmo, num prédio que tinha no rés-do-chão uma casa de desporto, propriedade de um pescador inveterado e campeão em muitas provas no território, havia um conjunto de consultórios, um dos quais o do médico que “fiscalizava “ as prostitutas finas; do outro lado, havia o consultório de um médico que, suponho, era dentista, e que fazia parte da lista de deputados de Angola à Assembleia Nacional portuguesa pela União Nacional.
Um dia, um casal reverente q.b. bate levemente à porta do médico das meretrizes: “ Boa tarde senhor deputado!”. O clínico diz: “ Desculpem, mas eu sou o médico do putedo, o meu colega da frente é que é o deputado”.
Se lerem isto cacofoniando, vão perceber da mesma forma como o Dr. Mário Soares, no seu francês “esmerado”, apresenta a esposa e a sogra num evento: “Ma femme et la mère delle”. Se não entenderem, paciência, peçam som!
Há muitas coisas que aparentemente «correm bem», não se desse o caso de estar trocado o tempo em que acontecem e o modo como acontecem, ou até as pessoas com as quais acontecem. Como escreveu Winston Churchill, «o jantar teria sido esplêndido se o vinho estivesse tão gelado como a sopa, o bife tão mal-passado como o serviço, o brandy tão velho como o peixe, e a criada tão disponível como a duquesa».
Fernando Pereira
5/6/2012
Pensar e Falar Angola
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