domingo, 16 de maio de 2010

Ágora (116) - Bafio's




Muitos dos pouco que sei que me vão lendo, se recordam de um colonialista primário, Reis Ventura, que em tempos idos foi um estagiário de guru, na ideologia do “Império”.
Manuel Reis Ventura (1910-1988), nasceu no norte de Portugal, desistiu da vida sacerdotal em 1930,fixa-se em Angola. Escreveu a metro, enaltecendo as virtudes do colono, e o modelo que era Salazar e a sua visão aldeã do Portugal de Minho a Timor.
Ventura, escreveu um livro de poemas “A Grei”, que anos mais tarde num panegírico às tropas portuguesas na guerra colonial, transformou em “Soldado que vais à guerra”. Pelos vistos, transformar obras, começou a ser recorrente nos livros de Reis Ventura, porque só o “Sangue no Capim”teve uma versão em 1962, outra em 1963 e uma outra em 1978; Sei que é deselegante, mas de facto noutras circunstâncias, a saga do “Padrinho” de Francis Ford Coppola, passaria completamente ignorada, perante a visão suprema, do autor arregimentado do tempo passado.
Reis Ventura , ainda escreveu um livro de contos “A cidade e o muceque” (1970), e dos romances”Quatro Contos por Mês” (1955), “Fazenda Abandonada” (1965), “Caminhos” (1965) e “Engrenagens Malditas” (1965), entre outros. Publicou também um romance de ficção científica, “Um Homem de Outro Mundo” (1968), em que o protagonista, Thull, um ser do planeta Mil, efectua um périplo pela Terra depois de aterrar nos arredores de Luanda. Há também a referir “Cidade Alta” (1958), “Filha de Branco”(1960), “Engrenagens Malditas”(1964) e “ Cafuso” de 1956, o seu romance autobiográfico.
Para além disso opinava na Rádio, num célebre programa em que o mote era “Rádio Moscovo não fala verdade”, intercalando em 1961 com o programa de Ferreira da Costa, com a canção de fundo “Angola é Nossa”, marcha marcial entoada pelo Orfeão da FNAT. Escrevia também em jornais, e onde podia desancava nos “turras”, nunca deixando qualquer dúvida em relação ao seu posicionamento ideológico, aliado a uma verve racista, que deixa poucas saudades.
Podia ter falado de outra coisa, mas como aqui há tempos aconteceu que o Prémio Nacional de Cultura, na componente literatura, foi motivo de acesa discussão seguido de um mutismo ensurdecedor, lembrei-me do Reis Ventura.
Reis Ventura esteve involuntariamente (?) envolvido em 1934 numa célebre polémica sobre galardões literários, quando o seu livro A Romaria (que assinou como Vasco Reis) obteve o prémio Antero de Quental do SPN. Inicialmente, a obra de um outro escritor tinha sido preterida e, aparentemente, só a intervenção pessoal do director do SPN, António Ferro (1895-1956), apaziguou o clima de contestação que se gerou; Através da sua intervenção, nesse ano foram concedidos, excepcionalmente, dois galardões ex-aequo. O livro preterido tinha sido Mensagem, de Fernando Pessoa (1888-1935). Como se diria em Coimbra, foi confundir a “Estrada da Beira” com a “Beira da Estrada”, apesar da “Mensagem” ser quanto a mim, o pior trabalho de Fernando Pessoa, um génio da literatura universal.
Sobre este assunto, recolho aqui uma entrevista dada por Reis Ventura ao jornal “A Província de Angola”, em 10 de Junho de 1970: "– Sabemos que ganhou o Prémio Antero de Quental em concorrência com Fernando Pessoa...
– Não é verdade! E sinto-me envergonhado sempre que se fala nisso. Aconteceu apenas que a "Mensagem" de Fernando Pessoa, apresentada como "a Romaria", ao primeiro concurso literário do Secretariado da Propaganda Nacional, em 1934, não tinha o mínimo de cem páginas, exigido pelo Regulamento para as obras concorrentes ao Prémio Antero de Quental. Mas, ao atribuir-lhe o Segundo Prémio (apenas para respeitar a letra do Regulamento), o Júri proclamou o valor excepcional da "Mensagem" e declarou equiparados os dois prémios da Poesia. Perante tão clara atitude, até eu, que era então ainda um garoto cheio de pequenas vaidades, compreendi que o Primeiro Prémio de Poesia, em 1934, estava conferido, de direito e de facto, a uma obra de génio, perante a qual os meus versinhos de rapaz nem sequer existem."
Eu sempre fui pegando na “literatura ultramarina portuguesa”, guiado pela “luminária” Amândio César, que já foi citado aqui na Ágora, curiosamente nunca pelas melhores razões. Fui sempre lendo um ou outro escritor, e nalguns casos, evitando dar muita importância às convicções, e tenho encontrado algumas coisas interessantes, nomeadamente sobre fases pioneiras do colono em determinadas regiões de Angola.
Ferreira da Costa (1907-1974), que era a voz do regime na rádio, e creio que em determinada altura, director do “Comércio de Luanda”, escreveu um livro “Pedra do Feitiço” (1945), ou melhor compilou um conjunto de quatro contos, onde fervilha imaginação a rodos, mas que acaba por ser uma obra com piada, e acima de tudo muito bem escrita. Não é fácil encontrar o livro, mas não deixa de ser um livro interessante.
Talvez um dia destes volte a falar de mais alguma desta gente, a malta das naus!

Fernando Pereira
13/03/10

Pensar e Falar Angola

1 comentário:

José Sousa disse...

Gostei, Gostei e Gostei muito, não só de seu blog, mas também do que escreve. tem muita coisa que me esclarece par me manter ligado.
Siga os meus, tem de tudo e alguma poesia de minha autoria. Vá para:

www.congulolundo.blogspot.com
www.queriaserselvagem.blogspot.com

Um forte abração