Liceu Feminino (antigo Dona Guiomar de Lencastre)
Luanda [São Paulo de Luanda],
Luanda, Angola
Equipamentos e infraestruturas
O primeiro projeto do antigo Liceu Feminino D. Guiomar
de Lencastre, atual Escola Secundária Njinga Mbande, data de 1954 e é da
autoria de Lucínio Cruz. Dois anos mais tarde, o mesmo arquiteto desenha a versão final com a participação de Eurico Pinto Lopes.
O equipamento escolar localiza-se nas imediações da
antiga Praça da Independência (atual Largo 1º de Maio), na antiga Avenida D.
João II (atual avenida Ho Chin Minh). O projeto está estritamente relacionado
com o plano de 1952 para Luanda, realizado por João Aguiar, onde são definidas
as novas zonas de desenvolvimento da cidade, e surgem claramente identificadas
as localizações da futura escola comercial e industrial e do novo liceu
feminino. Ambos os equipamentos são exemplares na abordagem ao desenho da
cidade proposto pelo Gabinete de Urbanização do Ultramar durante a segunda
metade da década de 1950.
Com este projeto é estabelecido um
padrão de atuação no espaço colonial no que concerne a edifícios escolares. Os
lotes, livres de constrangimentos, permitem implantar edifícios isolados,
naturalmente mais favoráveis à cultura de projeto que se aperfeiçoa dentro de
uma lógica de uniformização das soluções encontradas. Configura-se aqui uma
tendência para produzir um padrão arquitetónico apropriado ao maior número de
unidades. É o início de um sistema que trata a disseminação destes equipamentos
no território colonial como uma infraestrutura de desenvolvimento. Este facto
clarifica-se com a definição das Normas para as Instalações dos Liceus e Escolas
do Ensino Profissional nas Províncias Ultramarinas, redigidas em 1956 pelo arquiteto João Aguiar, à
época diretor do GUU, com o engenheiro civil Eurico Gonçalves Machado, da
Direcção Geral dos Serviços de Urbanização do Ministério de Obras Públicas em
serviço no GUU, e com o arquitecto Fernando Schiappa de Campos. É já depois da
implementação destas normas, que Eurico Pinto Lopes finaliza um projeto de
liceu que irá contribuir para a fixação de uma tipologia.
O projeto inicial de Lucínio Cruz, apresentado em
1954, baseava-se num grande corpo em forma de “U”, com 3 pisos ligados por duas
amplas escadarias. As salas de aulas e laboratórios uniam-se aos ginásios que
serviam simultaneamente de recreios cobertos, com instalações sanitárias
anexas. Ao programa juntava-se um corpo independente do conjunto de ensino,
destinado ao Salão de Festas, que se ligaria através de uma ampla galeria com
comunicação pelo átrio principal.
Na versão final, o traçado do liceu estrutura-se a
partir de um eixo de simetria axial, muito apropriado à duplicação de serviços
quando se tratam de diferentes níveis de ensino ou de escolas mistas instalados
no mesmo bloco (caso da escola do Huambo). Organiza-se em torno de dois pátios
e recorre a galerias de distribuição que também asseguram a proteção solar das
fachadas ou o abrigo em caso de forte pluviosidade. Esta abordagem tenderá,
noutros projectos, a ser substituída por configurações mais dinâmicas, apoiadas
em organizações lineares de génese em “H”. No entanto, as combinações são sempre
estruturadas a partir da utilização em galeria de distribuição.
No piso térreo, o programa original distribui, ao
longo dos dois blocos longitudinais, os serviços administrativos e de direção,
além de outras dependências como a biblioteca e a sala de professores; entre os
dois pátios situam-se o auditório, e nos blocos laterais encontram-se os
ginásios e respetivos vestiários. No piso superior, as salas de aula
distribuem-se ao longo do bloco principal, com as salas de desenho e trabalhos
manuais na zona posterior. O segundo piso segue a mesma lógica para as salas de
aulas, os laboratórios sobrepõem-se à zona das salas de trabalhos manuais do
piso inferior. No bloco central é integrada uma capela.
A fachada principal apresenta uma composição simétrica,
com a monumentalização da entrada através da simulação de um pórtico que
abrange os três pisos formados por uma sucessão de galerias sobrepostas e
abertas sobre a paisagem urbana da cidade. A leitura da memória descritiva é
pouco elucidativa quanto a opções estéticas, refletindo, sobretudo, uma cultura
de projeto onde se procura “que o desenvolvimento [dos alçados] não só
correspondesse às exigências funcionais da planta como também às outras que
derivam fundamentalmente das condições sociais”.
O estabelecer de um modus operandi agiliza os processos em projectos similares
posteriores. As peças escritas são uniformizadas e o desempenho arquitetónico
aproxima-se da estandardização. Soluções-tipo, detalhamento, materiais que
integram um painel normalizado com aplicação a todos os equipamentos escolares
denunciam uma produção em série. Este tipo de enunciado, presente no
Liceu D. Guiomar de Lencastre, é recorrente nas memórias descritivas dos outros
projetos, evidenciando os aspetos “racionais” da composição em detrimento dos
estéticos.
O novo liceu da capital angolana para uma capacidade
de 720 alunas, inaugura assim uma série de projetos semelhantes que se
disseminam pelos diversos territórios coloniais. Em Angola foi reproduzido em
Benguela, no Huambo (antigo Liceu Norton de Matos) e em Moçâmedes, apesar deste
último não ter sido terminado, e em Moçambique existem liceus semelhantes em
Maputo (antigo Liceu António Enes) e na Beira (antigo Liceu Pêro Anaia).
Em 2009 a escola encontrava-se num estado muito
próximo do original e em pleno uso.
Ana Vaz Milheiro
Pensar e Falar Angola
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