domingo, 1 de agosto de 2010

Ágora (127) - O Senhor Basquetebol





De vez em quando, em Angola vai havendo lugar para o reconhecimento do trabalho, do empenho e da criatividade de alguns dos seus cidadãos.
O Desportivo 1º de Agosto, clube onde me sagrei campeão nacional de voleibol, resolveu organizar o torneio de basquetebol “Vitorino Cunha”.
É uma homenagem, ainda que singela, ao maior cabouqueiro do basquetebol angolano, realçando a gratidão dos dirigentes para com um técnico que tudo deu ao clube e ao basquetebol angolano.
Convém fazer uma prévia declaração de interesses sobre Vitorino Cunha, assumindo que as minhas relações pessoais com ele nunca foram muito boas, porque na realidade tem um feitio particularmente complicado, opinião naturalmente subjectiva.
Vitorino Cunha, que conheço desde os tempos do CDUA, há quase quarenta anos, é indiscutivelmente o “Senhor Basquetebol Angolano”, e o responsável maior pelo facto de Angola ser há décadas, a maior potência africana da modalidade.
Técnico excelente, fui durante muitos anos a figura tutelar do basquetebol angolano, e muitos dos mais brilhantes jogadores da nossa selecção ao longo destes quase trinta e cinco como País, devem-lhe muito, principalmente a motivação e os ensinamentos ministrados na fase de formação.
Muitas vezes foi acusado de métodos pouco ortodoxos, para fazer valer as suas convicções, mas a realidade é que no essencial a razão estava do seu lado. Situações como a de ter a chave da Cidadela, para às seis da manhã treinar um jogador, para que a sua evolução técnica fosse mais rápida, ou guardar religiosamente as bolas na viatura para ter a certeza que tinha o material à hora que precisava, entre outras histórias, são reveladoras da indómita vontade de ver o basquetebol angolano no galarim das potências mundiais da modalidade.
Rui Mingas, e a sua equipa nos Desportos, numa fase crucial de definição de prioridades no desporto angolano, no dealbar de Angola enquanto País, contra “muitos ventos e marés”, assumiu de forma determinada que o basquetebol seria a modalidade de maior expressão de Angola no exterior. Os factos, que pelos vistos são teimosos, mostraram que a razão estava do seu lado, pois o futebol exigia investimentos vultuosos, e obrigava-se a discutir uma remota primazia, com um conjunto de países africanos com outras estruturas já firmadas e alianças, afirmadas, ainda que nalguns casos espúrias.
Afirmo sem qualquer prurido de espécie alguma, que se não houvesse um Vitorino Cunha, teria sido bem mais difícil implantar esta afirmação popular em torno do basquetebol em Angola.
Já que se fala de basquetebol, e porque tive o prazer de rever o Agostinho Reis, velha glória do Benfica de Luanda, na semana transacta, vem-me à memória uma história notável em que ele e o meu falecido amigo Alberto Martins foram protagonistas no ano de 1967.
Como era prática no tempo colonial, a partir do inicio dos anos sessenta, o campeonato de basquetebol era organizado alternadamente na “Metrópole”, outro em Moçambique e outro em Angola. O campeonato era disputado pela equipa vencedora de cada “provincial” e pelas duas primeiras classificadas do campeonato onde nesse ano se realizava o “nacional”.
Em 1967, o campeonato foi disputado em Angola, tendo ganho o Benfica de Luanda, num jogo disputadíssimo contra a Académica de Coimbra, na época de estreia do António Guimarães nos seniores do SLB.
O treinador da Académica de Coimbra, era o professor Alberto Martins, conhecido pelo “Teórico”, que entre várias hipocondrias, tinha um pavor enorme a espaços fechados, pelo que andar de avião era um verdadeiro suplício.
Numa entrevista à então “Emissora Oficial de Angola”, o Alberto Martins no aeroporto, quando embarcava para Portugal, e numa apreciação ao campeonato que a AAC tinha perdido, resolve dizer que tinha ficado surpreendido com o “jogador Agostinho Neto” do Benfica de Luanda, numa confusão com o Agostinho Reis. Naturalmente toda a comitiva gozou com a situação, e o “Teórico” começou a achar muito pouca piada ao deslize, o que ao tempo era uma situação a merecer cuidado.
Faltavam uns minutos para o embarque e o professor Martins já com vários ansiolíticos no corpo, é chamado pela aparelhagem sonora do aeroporto aos serviços da PIDE. Bem, os mais malandrecos da equipa começaram a “fazer um filme”, que deixou-o completamente petrificado e num estado de palidez, que quem viu jamais esqueceu, tal era o estado do “Teórico”. O saudoso Carlos Silva, o Hilário e o moçambicano José Luis Cabaço eram os que mais gozavam com a situação, que só terminou quando o professor Martins volta da PIDE, uns minutos depois, e trazia um “faceas” totalmente diferente, mas ainda a balbuciar que “era só para me entregarem os documentos que esqueci no balcão de embarque”!
As malhas que o basquetebol no Império teceu!
Fernando Pereira
6/06/2010

Pensar e Falar Angola

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