de o País
Num escritório com uma vasta e linda vista sobre Luanda, a conversa começou com breves gracejos sobre a qualidade das obras chinesas. Raul Araújo não tem do que se queixar, o seu escritório está no edifício da CIF, “o prédio chinês” da Avenida 10 de Dezembro.
O senhor é agora o decano da Faculdade de Direito, uma das mais prestigiadas do país, tem já um diagnóstico da instituição?
Quando se fala em diagnóstico, numa situação destas, falamos de aspectos negativos e de aspectos positivos. Eu vou começar pelos positivos, é mais fácil. Há uma busca ao longo dos anos, de um ensino de qualidade, dando uma formação diferenciada, quer ao nível dos mestrados, quer ao nível de cursos de pós-graduação, alguns com muito boas referências internacionais. Temos um curso ligado ao LLM, de petróleo e gás … um curso de pós-graduação nesta área, de que pouco se fala em Angola, mas que hoje é uma referência internacional. Acabei de receber uma carta da Associação Internacional dos Negociadores de Petróleo sobre uma conferência que se realizará no Rio de Janeiro, em Novembro, e eles convidam a Faculdade para estar presente, exactamente por causa deste curso.
Este ano começou-se a fazer um curso similar na Tailândia, com base no nosso curso em Angola. Muitas vezes somos mais reconhecidos lá fora que cá dentro. Temos também o curso de doutoramento. Essas são algumas das coisas positivas. Em termos de dificuldades temos várias, sobretudo na organização dos nossos serviços académicos. Temos um número muito grande de estudantes, são cerca de cinco mil estudantes.
Outra dificuldade vem do facto de não termos os serviços académicos informatizados até este momento. A informatização arrasta-se há anos, principalmente por questões financeiras, e temos noção que este atraso acarreta uma série de problemas na funcionalidade dos serviços.
É um exagero, este número de alunos
Não é um exagero, é o número de estudantes que temos …
Uma redução do número de estudantes poderia fazer subir a qualidade do ensino …
Tente convencer disso o Estado, o Ministério do Ensino Superior. Mas estou convencido que com a criação das universidades públicas noutras províncias este número poderá tender a diminuir um pouco ou a estabilizar, embora estas novas universidades ainda não tenham corpo docente próprio, pelo menos na área do Direito.
Portanto, para já, a pressão continuará sobre a única universidade pública com um curso de direito a funcionar do primeiro ao quinto ano.
O nosso curso diurno tem cerca de 500 estudantes, divididos em duas turmas. É verdade que é um número grande mas, para subdividir as turmas, teremos, a seguir, o problema da falta de docentes. Não temos docentes porque para a contratação de novos docentes para a Faculdade precisaríamos que houvesse quotas atribuídas pelos órgãos competentes do Estado. E nunca há quotas. Temos um aumento substancial de alunos e uma diminuição, no mesmo ritmo, de docentes. Os docentes que temos são também chamados para muitas outras funções do Estado e para empresas … ficamos sem capacidade para dar resposta às exigências.
Temos jovens que dão aulas há três ou cinco anos e que o fazem praticamente de borla porque não temos quotas para os colocar …
Um número de estudantes desta grandeza é resultado apenas da pressão na entrada ou haverá também um afunilamento com um grande número de repetições?
Este é outro problema, tem a ver com as prescrições. Estudantes que repetidamente reprovam e não saem da instituição. De acordo com as regras da Universidade Agostinho Neto já deveriam ter sido afastados da Faculdade. Mas, face a várias situações, infelizmente, eles mantêm-se. Temos, de facto, uma pressão grande para a entrada mas depois os alunos ficam anos e anos nos três primeiros anos do curso, criando como que uma barreira que impede a entrada de novos estudantes. Estou a falar de qualquer coisa como 30 a 40% estudantes que estão ali e não “atam nem desatam”. Não passam e não saem. As direcções da Faculdade têm tentado, ao longo dos anos, aplicar as prescrições, mas depois vêm as pressões … vamos ver se , no próximo ano, fazemos cumprir esta orientação da reitoria e desanuviamos um pouco …
As reprovações não terão a ver, também com o sistema de avaliação ou com um excesso de rigor, isso quando numa cadeira como a UDIP, por exemplo, aprovam três em cem estudantes?
Temos diversas variantes. A primeira tem a ver com o número de alunos que é grande e com o número de docentes que é pequeno. Esta é a razão principal que faz com que a Faculdade de Direito não siga o sistema de avaliação académica da Universidade Agostinho Neto, que prevê a avaliação contínua, com provas regulares … e que é difícil de se praticar com turmas de duzentos e tal alunos. Enquanto não resolvermos o problema dos docentes, enquanto a reitoria e aos órgãos competentes do Estado não perceberem que estamos a falar de uma instituição de ensino superior que precisa de docentes para trabalhar, continuaremos com este problema.
É impossível pedir a um docente que faça uma avaliação contínua a duzentos e tal alunos numa só turma.Esta é também a principal queixa da associação de estudantes, a falta da avaliação contínua. E têm razão, mas nada podemos fazer.
Há também disciplinas mais complexas. A UDIP é, tradicionalmente, uma disciplina difícil, porque exige conhecimento de todas as áreas do Direito, por isso é que é dada no quinto ano. O aluno que não domine o direito civil, o direito das obrigações, o direito internacional público, etc., … chega ao quinto ano e não sabe articular todas essas matérias que são dadas ao longo do curso, se não tem esse conhecimento … se juntarmos a isso a falta de docentes vamos perceber que esta situação se irá manter. A questão de fundo é termos a possibilidade legal de contratar professores e regularizar a situação dos que já estão na faculdade.
Encontraria em Angola candidatos suficientes para cobrir as necessidades?
Sim. Fazendo concursos públicos… quando há concursos públicos e nos permitem a entrada de apenas um ou dois docentes o que fazemos é regularizar a situação de um ou dois que já temos há anos e não e não entra mais ninguém … Para além da admissão de novos docentes há a questão, extremamente burocratizada ao nível da Universidade Agostinho Neto, da passagem dos docentes de uma categoria para outra. Temos colegas que já estão há cinco anos na docência, alguns dos quais já fizeram os seus mestrados, e continuam como assistentes. O processo de passagem para a categoria de professor auxiliar é uma dificuldade tão grande, tão grande … porque não há quotas, porque faltam documentos … o que desmotiva. Este processo tão burocratizado de contratação de docentes na universidade tem levado a uma forte desmobilização dos docentes. Não me canso de dizer, e com bastante desagrado, que o nosso principal problema, na Faculdade de Direito, está no desencanto que os docentes têm em dar aulas. Apesar do prestígio que temos, apesar de tudo o que se faz, é uma luta grande, porque a maior parte dos docentes não sente motivação para dar aulas. Os salários são pequenos, continua-se a dar salários bastante irrisórios aos docentes; a promoção dos docentes é extremamente deficiente, o seu enquadramento ainda mais deficiente ...
Esta ligação privilegiada com Portugal exclui, de alguma forma, a ligação com universidades da nossa região?
Não. Temos historicamente esta relação com Coimbra, agora até temos uma ligação mais forte com a Universidade Clássica de Lisboa e iremos iniciar agora iniciar um contacto, ao nível do doutoramento, com a Universidade Nova de Lisboa. Estamos a iniciar contactos com a Faculdade de Direito de Buenos Aires (Argentina) que é de uma universidade de muito prestígio. Temos dois colegas nossos, assistentes que, não sei como, foram fazer os seus mestrados em Buenos Aires e ,dado o seu bom desempenho, a Faculdade de Direito de Buenos Aires propôs-lhes a passagem para o doutoramento, directo, sem terminar o mestrado.
Não estaremos a virar as costas ao processo de integração regional da comunidade onde nos inserimos, que terá uma área de comércio livre, por exemplo?
O que se coloca na integração regional é que há uma deficiência de base do nosso ensino, que é o ensino do inglês. Nós precisamos de resolver ao nível da base a questão da obrigatoriedade da língua inglesa no ensino.
Porque a integração é feita sobretudo em inglês. Essa tem sido uma das grandes limitantes na nossa relação com as universidades da região. O que tem feito com que haja contactos muitos pontuais e desfasados.
Neste mandato queremos estabelecer contactos com a Universidade de Cape Town, por exemplo, que tem muito prestígio. Queremos estabelecer contactos com faculdades de Joanesburgo e do Natal que têm muito prestígio ao nível do ensino do direito.
A Faculdade do Botswana, muito bem referenciada, considerada entre as melhores universidades africanas … e mesmo a relação com Moçambique também não existe. Há que repensar as nossas relações de cooperação e deixar de estar virados apenas para Portugal. Mas isso não passa apenas pela Faculdade de Direito, trata-se das políticas de cooperação da universidade de que somos uma unidade orgânica. E é preciso que Angola adira ao protocolo de Arusha. Angola ainda não o subscreveu, o que nos deixa fora do sistema de ensino africano.
Somos africanos, estamos inseridos nesse sistema e esquecemo-nos da relação que devemos ter em termos continentais e regionais. Há um trabalho por fazer.
Além do inglês fala-se na introdução do português na Faculdade. Há necessidade de o fazer?
Bastante. Estamos a ultimar a proposta de reforma curricular na Faculdade que prevê o ensino do português durante dois anos. Apresentaremos a proposta em Setembro.Estamos a trabalhar num curso que é feito com base no domínio da língua.
Quem é jurista num país tem de dominar a língua desse país. É assim em França, na Inglaterra, na Alemanha, etc. Quem não domina a língua tem dificuldades em desenvolver a sua profissão. Em Angola recebemos na Faculdade o resultado da má instrução que vem desde o ensino primário, em que as pessoas chegam à universidade sem conhecimentos básico da língua. Com raras e honrosas excepções. Não faremos cópias e ditados mas andaremos próximo disso, para ver se as pessoas aprendem a escrever determinadas palavras-chave e aprendem a construção gramatical básica que tem de ser seguida. Isto, se o programa for aprovado pela universidade e pelo Ministério do Ensino Superior.
Bem, voltará ao problema da falta de professores …
Até porque iremos ter novas disciplinas. Nomeadamente antropologia, sociologia, metodologia do ensino do direito … disciplinas que achamos fulcrais para o desempenho do jurista.
Não sente que o manto que envolve a questão o pode colocar como (desculpe a expressão) uma espécie de “fala-barato”?
É que depois tudo se esfumou como se nada tivesse havido … Eu não quero realimentar essa polémica, até porque, já o disse há algum tempo, o objectivo não foi levantar suspeição sobre os juízes ou advogados.
O objectivo foi, e continua a ser, fazer um alerta sobre os problemas da justiça no nosso país. E os dados mostram que há alertas que têm de ser feitos, os faróis que guiam os navios. Ao nível da justiça temos, de facto, muitos problemas que precisam de ser resolvidos. Não adianta a política da avestruz, não falar não significa que os problemas se resolvam.
O que entendo é que o diagnóstico está feito, as soluções para os problemas da justiça estão apontadas , assim como o que temos de fazer, seja o poder executivo, o legislativo, a magistratura, os tribunais, as faculdades (porque no sistema de justiça intervêm muitos operadores) para que a justiça seja benéfica e seja funcional. Porque a dinâmica que vivemos, de reformas políticas, quer no executivo, quer no legislativo, como nos sectores económico e social, não se têm vindo a reflectir no sistema de justiça. A atenção que é dada ao sistema nacional de saúde e à educação, com a construção de escolas, postos de saúde e hospitais, o forte investimento na formação de médicos e de enfermeiros.
O forte investimento nas infraestruturas básicas do país são notórios e eu pergunto: que investimentos têm sido feitos na área da justiça? Quantos tribunais foram construídos ao longo destes anos? Quantas conservatórias novas foram construídas? Quantos notários foram construídos? Na província de Luanda, com cerca de oito milhões de habitantes, quantos tribunais foram construídos?
Temos, por exemplo, o Cazenga com mais de um milhão de habitantes, mais que toda a província do Uige, de acordo com os dados do registo eleitoral de 2008, e o Cazenga não tem um tribunal municipal. Não se conclui a construção do tribunal porque não há verbas, lá vão anos. Para termos uma justiça funcional e justa tem que se assumir que a justiça é tão importante como o resto e não um elemento residual.
Cazenga, com 1 milhão de habitantes, não tem tribunal“Temos, por exemplo, o Cazenga com mais de um milhão de habitantes, mais que toda a província do Uige, de acordo com os dados do registo eleitoral de 2008, e o Cazenga não tem um tribunal municipal
Os novos tribunais de Cacuaco e Viana terão ajudado a desafogar Luanda?
Quase nada. Isso passa pela reforma do processo judicial que está a ser feito.
Os grandes processos não vão para os tribunais municipais, eles tratam apenas pequenas causas. E veja que, tirando Cacuaco e Viana, o Tribunal Municipal da Ingombota trata de todos os processos do resto da província de Luanda.É possível trabalhar-se nestas condições? Passe-se pelo Tribunal da Ingombota e veja-se as condições do edifício, nada de condições estruturais.
Visitem-se os tribunais ligados à família em Luanda e veja-se se é possível trabalhar naquelas condições. O Estado tem de assumir o sector da justiça como sua preocupação.
Os juízes não se queixam das condições em que trabalham, publicamente …
A sua função não lhes permite emitir afirmações públicas, como o fazem os advogados, por exemplo. O seu estatuto não lhes permite. Talvez por isso sejam esquecidos, mas nós, que trabalhamos com eles, sabemos com que dificuldades se debatem. Desde a independência até agora nunca o Estado assumiu a justiça como preocupação sua, nunca foi vista com a mesma prioridade que se dá a outros sectores.
Se a justiça não funciona nada no país funciona, ela assegura a conivência social, que não existam conflitos, assegura o bom desempenho da actividade económica, sem justiça as empresas não funcionam bem.
Há, depois, a questão da especialização. Não temos especialistas em direito desportivo nem em direito da comunicação …
A ministra da Comunicação Social já manifestou interesse num acordo com a Faculdade de Direito para cursos de direito da comunicação, mas depois temos o problema da falta de professores e de verbas, mas procuraremos estabelecer as condições para fazermos formação especializada na área da comunicação social e, quem sabe, também ao nível do desporto. Mas isso passa por condições financeiras, porque será necessário mandar vir especialistas. Se quisermos fazer uma pós graduação em desporto teremos de ir buscar especialistas … quem sabe não teríamos de convidar o treinador José Mourinho que é, de facto, um caso de estudo, um bom resultado de uma faculdade da Universidade técnica de Lisboa que é o curso de motricidade humana. Até porque já precisamos de faculdades em motricidade humana para formarmos bons docentes que façam a formação dos jovens. Porque muitas vezes exigimos dos nossos treinadores da selecção de futebol, milagres ….
A ausência da disciplina de metodologia de investigação inibe a produção científica? Diz-se que a Universidade Católica, a nível do Direito, produz mais que a sua Faculdade…
Mais Portugal que África “O que se coloca na integração regional é que há uma deficiência de base do nosso ensino que é o ensino do inglês. Nós precisamos de resolver ao nível da base a questão da obrigatoriedade da língua inglesa no ensino. Porque a integração é feita sobretudo em inglês”Sim, mas a Universidade Católica também não tem essa disciplina. Tem um bom centro de investigação, que é já de referência. Nós, dentro de alguns dias, iremos publicar alguns estudos que vão mostrar que já entrámos na área da investigação científica. O trabalho que estamos a concluir e que será o primeiro grande trabalho sobre a justiça, foi feito pela Faculdade de Direito. Esta semana começou um curso sobre políticas públicas que é também promovido por nós. A Católica tem apoios que nós não temos, se formos às grandes companhias não conseguimos apoios, a Católica consegue. Felizmente.
Em breve será inaugurado o Palácio da Justiça em Luanda. Acha que a actual ministra é pessoa para se bater por mais tribunais e pela modernização, ou não passará de uma pessoa de boa vontade?
Conheço a Dra. Guilhermina Prata, a ministra, desde há muitos anos, foi minha colega na faculdade e trabalhamos juntos desde 1991 …
Tem então muito para a avaliar …
Sei das preocupações que ela tem. E sei também que a justiça começa a ser olhada de forma diferente. Quando, há uns anos, o Senhor Presidente da República nomeou a primeira Comissão de Reforma da Justiça e depois criou a segunda, e se iniciaram os estudos necessários, começou a sentir-se a necessidade de se dar respostas. Felizmente temos também à frente de um Ministério de Estado que conhece bem os problemas da Justiça, o Dr. Carlos Feijó, até porque ele foi o coordenador da primeira Comissão da Reforma da Justiça . Do ponto de vista subjectivo temos as condições para dar maior atenção à área da justiça.
Falamos também do Tribunal Constitucional, do Supremo e da Procuradoria onde temos pessoas interessadas. Acho que em pouco tempo … até porque o estudo sobre a justiça a que me referi foi financiado a cem por cento pelo Estado. Com instruções pessoais do Presidente da República. Há preocupação, só esperamos que isso se reflicta no OGE.
Duas últimas questões: como vê o problema da independência dos juízes e, em segundo lugar, a questão da FNLA em que o Tribunal Constitucional parece não ter resolvido o problema interno de liderança.
A independência dos juízes passa por uma série de pressupostos que a lei a e a Constituição prevêem. Não conheço casos de pressão sobre os juízes para decidir neste ou naquele sentido. Pode é haver aquilo a que vocês, jornalistas, chamam de autocensura. Há profissões que, pelo impacto social dos actos dos seus agentes na sociedade, podem levar a algumas auto-limitações, os seus executantes podem achar que devem ou não fazer isto ou aquilo. Este constrangimento pode existir, não digo que exista. Tal como um jornalista pode decidir escrever ou não sobre determinado caso depois de medir o impacto social da matéria. Não conheço casos para dizer que um juiz tenha decidido sobre pressão do Governo ou de um partido. Mas as decisões são tomadas com os factos e com os condicionalismos de um determinado momento, os juízes só decidem de acordo com os factos. O trabalho do juiz é feito com base do trabalho dos advogados. O juiz precisa de provas, se o advogado ou o promotor do Ministério Público fizerem mal o seu trabalho o juiz não irá decidir a contento. Isso não significa que, às vezes, não haja desconhecimento, ou mesmo, em alguns casos, felizmente poucos, que haja malandragem. Espero que as coisas tenham melhorado a esse nível.
Relativamente à FNLA, o Tribunal Constitucional não se pode substituir à liderança dos partidos. Quando foi aprovada a candidatura, o TC já havia dito que aquela decisão era sobre a candidatura e que o processo de liderança continuaria o seu trâmite normal.
Chegou-se depois a um acórdão em que se mandou repetir o congresso.
80 Professores para 5000 alunos “Nós temos um total de oitenta docentes. Isto para cinco mil estudantes.
Ainda que dobrássemos o número de docentes, neste momento, não teríamos, mesmo assim, capacidade para resolver os nossos problemas” Não sei se correu bem ou não, não sou da FNLA, nem sou advogado da FNLA, nem fui contratado para o efeito. Sou advogado e, como tal, as minhas opiniões, se alguém as quiser, tem de vir cá ao escritório e pagá-las . O que digo é que a FNLA terá de resolver o seu problema, sob pena de vir a ser penalizada pelo eleitorado nas próximas eleições. Sei que o TC tentou um processo de conciliação várias vezes.
Mas o TC não fica mal visto depois de ter confirmado NGola Kabangu como candidato e agora ter “entregue” o partido a Lucas Ngonda?
O TC não se substitui à direcção dos partidos. O TC fez o seu papel, como lhe compete pela lei. Às vezes é preciso colocar os interesses do país e das instituições acima dos interesses pessoais .
Tem ideia de quantos docentes seriam necessários para resolver o problema da Faculdade e os números de reprovações?
Nós temos um total de oitenta docentes. Isso para cinco mil estudantes. Ainda que dobrássemos o número de docentes neste momento, não teríamos, mesmo assim, capacidade para resolver os nossos problemas. E há uma agravante. Dos oitenta docentes que temos, muitos deles têm funções de direcção a outros níveis. Uns são juízes do Tribunal Constitucional, há os que são juízes de tribunais comuns, Temos docentes que têm funções de direcção no Executivo, outros têm responsabilidades em empresas, uns são advogados …
Estes docentes, alguns serão regentes, não estarão a prejudicar a entrada de outros? Seria um risco substituí-los por aqueles que estão na Faculdade mas que não têm enquadramento?
É o que digo, nós não conseguimos admitir novos docentes. Não nos é permitido. Além das nossas dificuldades, há também a exigência de certos requisitos para se passar à regência, como o tempo de ensino, a formação académica, etc. não podemos ter um regente de uma cadeira que é licenciado. Na Faculdade de Direito da Agostinho Neto temos casos muito raros, e apenas de pessoas que estão ligadas ao ensino há muitos muitos anos. Hoje, quem entra para o ensino, ainda que seja mestre, não começa pela regência, precisa de ter acompanhamento, prática… Não é fácil esta passagem, porque falta know how, experiência.
Temos de aproveitar os regentes que temos para acompanhar os novos, mas se não conseguimos admitir os mais jovens como o faremos? Falta a agregação pedagógica em muitos professores, incluindo os regentes?
O mercado rejeita os maus juristas “Também … alguns. Alguns que acham que não têm jeito nenhum … ou ficam comerciantes, ou fazem de advogados, e maus advogados …”
Diz que os estudantes saem bem formados e que se recebem elogios de fora. O que acontece então para que, depois, no desempenho profissional, acabem por surgir muitas queixas da sociedade?
Não vou dizer que todos os nossos alunos saem bem formados, isso não seria correcto. Também temos pessoas que acabam o curso com muito má formação e alguns até com recurso à fraude. Algumas pessoas pensam que o importante é acabar o curso, seja de que forma for, e se for possível pela via mais fácil ,que é a fraude, melhor ainda.
Mas esquecem-se que o mercado do trabalho não se compadece com o desconhecimento. Quem faz fraude é rejeitado no mercado do trabalho. Ninguém contrata um mau jurista, se o faz depois despede-o. Portanto, ou ele se dedica depois à política...digo-o um bocado na brincadeira, sem querer pôr em causa…
Os maus juristas é que vão para a política?
Também … alguns. Alguns que acham que não têm jeito nenhum … ou ficam comerciantes, ou fazem de advogados, e maus advogados … alguns pretendem ir para a magistratura mas, felizmente, a peneira é muito mais apertada do que há alguns anos atrás … porque durante alguns anos iam para a magistratura e depois tínhamos os reflexos nas sentenças que eram proferidas, enfim… o mercado de trabalho está a rejeitar o que é mau. O conselho é que se deve estudar. Mesmo para os que se formam em faculdades em que se privilegia a facilidade. Estou a falar de questões objectivas. Se se for ver como correm os concursos de admissão para magistrados judiciais do Ministério Público no INEJ (Instituto de Estudos Judiciários)... veja-se, de um ponto de vista estatístico, de que universidades provêm os aprovados. Há universidades que ainda não conseguiram aprovar um único estudante nesses testes de admissão do INEJ. Isso é signficativo no que respeita à qualidade do ensino que se ministra e no reflexo no mercado do trabalho.
O senhor lida também com tribunais. Como se sente um jurista que tem em mãos um caso que pode não ser muito complicado e depois esse caso leva quatro, cinco anos no tribunal?
Quatro, cinco anos é um favor. É extremamente negativo. Quando chegaram eu estava a fazer a leitura de um relatório de um trabalho que a Faculdade de Direito está a ultimar, feito em conjunto com o Centro de Estudos Sociais de Coimbra, sobre o estado da justiça em Luanda. Estamos na fase de correcção e será entregue ao governo dentro de dias. O trabalho é uma análise bastante exaustiva da situação dos tribunais e da justiça praticada em Luanda, quer nos tribunais, quer fora destes. A conclusão a que se chega é que muito tem de ser feito. Não vale a pena apontar culpados, se é o Executivo, se é a Assembleia Nacional, se são os juízes, se são os advogadas … é daquelas situações em que se pode dizer que a culpa não morre sozinha.
Pode dizer-se que não se faz justiça em Angola?
Não. Podemos é dizer que há má justiça em Angola. No sentido de que é deficiente. Com muitas debilidades. Desde o acesso à justiça, as dificuldades que os cidadãos têm de aceder ao tribunal…
Está estratificado socialmente o acesso. Quem tem dinheiro tem mais acesso?
Sim, sim, naturalmente. Hoje só vai aos tribunais quem tem possibilidades financeiras de o fazer.
O mesmo é dizer que só tem justiça quem paga?
Sim. Não tenho qualquer dificuldade em dizê-lo porque os dados estatísticos o mostram. Hoje, quem não tem dinheiro muito dificilmente consegue ter acesso ao tribunal, mesmo recorrendo ao patrocínio judiciário. E a assistência judicial é gratuita.
De acordo com o estudo que nós fizemos, ao nível dos processos cíveis e administrativos, dos processos existentes no tribunal só um por cento, repito, um por cento, advém do recurso ao patrocínio e assistência judiciária gratuita. Acho que isso diz alguma coisa.
Neste estudo feito pelos senhores está incluído o problema das supostas compras de sentenças? Fez-se um inquérito de cujos resultados não se fez luz … não há resultados aparentes.
Se há resultados ou não já não compete a mim. Eu levantei a questão, o Procurador
José Kaliengue
15 de Agosto de 2010
O senhor é agora o decano da Faculdade de Direito, uma das mais prestigiadas do país, tem já um diagnóstico da instituição?
Quando se fala em diagnóstico, numa situação destas, falamos de aspectos negativos e de aspectos positivos. Eu vou começar pelos positivos, é mais fácil. Há uma busca ao longo dos anos, de um ensino de qualidade, dando uma formação diferenciada, quer ao nível dos mestrados, quer ao nível de cursos de pós-graduação, alguns com muito boas referências internacionais. Temos um curso ligado ao LLM, de petróleo e gás … um curso de pós-graduação nesta área, de que pouco se fala em Angola, mas que hoje é uma referência internacional. Acabei de receber uma carta da Associação Internacional dos Negociadores de Petróleo sobre uma conferência que se realizará no Rio de Janeiro, em Novembro, e eles convidam a Faculdade para estar presente, exactamente por causa deste curso.
Este ano começou-se a fazer um curso similar na Tailândia, com base no nosso curso em Angola. Muitas vezes somos mais reconhecidos lá fora que cá dentro. Temos também o curso de doutoramento. Essas são algumas das coisas positivas. Em termos de dificuldades temos várias, sobretudo na organização dos nossos serviços académicos. Temos um número muito grande de estudantes, são cerca de cinco mil estudantes.
Outra dificuldade vem do facto de não termos os serviços académicos informatizados até este momento. A informatização arrasta-se há anos, principalmente por questões financeiras, e temos noção que este atraso acarreta uma série de problemas na funcionalidade dos serviços.
É um exagero, este número de alunos
Não é um exagero, é o número de estudantes que temos …
Uma redução do número de estudantes poderia fazer subir a qualidade do ensino …
Tente convencer disso o Estado, o Ministério do Ensino Superior. Mas estou convencido que com a criação das universidades públicas noutras províncias este número poderá tender a diminuir um pouco ou a estabilizar, embora estas novas universidades ainda não tenham corpo docente próprio, pelo menos na área do Direito.
Portanto, para já, a pressão continuará sobre a única universidade pública com um curso de direito a funcionar do primeiro ao quinto ano.
O nosso curso diurno tem cerca de 500 estudantes, divididos em duas turmas. É verdade que é um número grande mas, para subdividir as turmas, teremos, a seguir, o problema da falta de docentes. Não temos docentes porque para a contratação de novos docentes para a Faculdade precisaríamos que houvesse quotas atribuídas pelos órgãos competentes do Estado. E nunca há quotas. Temos um aumento substancial de alunos e uma diminuição, no mesmo ritmo, de docentes. Os docentes que temos são também chamados para muitas outras funções do Estado e para empresas … ficamos sem capacidade para dar resposta às exigências.
Temos jovens que dão aulas há três ou cinco anos e que o fazem praticamente de borla porque não temos quotas para os colocar …
Um número de estudantes desta grandeza é resultado apenas da pressão na entrada ou haverá também um afunilamento com um grande número de repetições?
Este é outro problema, tem a ver com as prescrições. Estudantes que repetidamente reprovam e não saem da instituição. De acordo com as regras da Universidade Agostinho Neto já deveriam ter sido afastados da Faculdade. Mas, face a várias situações, infelizmente, eles mantêm-se. Temos, de facto, uma pressão grande para a entrada mas depois os alunos ficam anos e anos nos três primeiros anos do curso, criando como que uma barreira que impede a entrada de novos estudantes. Estou a falar de qualquer coisa como 30 a 40% estudantes que estão ali e não “atam nem desatam”. Não passam e não saem. As direcções da Faculdade têm tentado, ao longo dos anos, aplicar as prescrições, mas depois vêm as pressões … vamos ver se , no próximo ano, fazemos cumprir esta orientação da reitoria e desanuviamos um pouco …
As reprovações não terão a ver, também com o sistema de avaliação ou com um excesso de rigor, isso quando numa cadeira como a UDIP, por exemplo, aprovam três em cem estudantes?
Temos diversas variantes. A primeira tem a ver com o número de alunos que é grande e com o número de docentes que é pequeno. Esta é a razão principal que faz com que a Faculdade de Direito não siga o sistema de avaliação académica da Universidade Agostinho Neto, que prevê a avaliação contínua, com provas regulares … e que é difícil de se praticar com turmas de duzentos e tal alunos. Enquanto não resolvermos o problema dos docentes, enquanto a reitoria e aos órgãos competentes do Estado não perceberem que estamos a falar de uma instituição de ensino superior que precisa de docentes para trabalhar, continuaremos com este problema.
É impossível pedir a um docente que faça uma avaliação contínua a duzentos e tal alunos numa só turma.Esta é também a principal queixa da associação de estudantes, a falta da avaliação contínua. E têm razão, mas nada podemos fazer.
Há também disciplinas mais complexas. A UDIP é, tradicionalmente, uma disciplina difícil, porque exige conhecimento de todas as áreas do Direito, por isso é que é dada no quinto ano. O aluno que não domine o direito civil, o direito das obrigações, o direito internacional público, etc., … chega ao quinto ano e não sabe articular todas essas matérias que são dadas ao longo do curso, se não tem esse conhecimento … se juntarmos a isso a falta de docentes vamos perceber que esta situação se irá manter. A questão de fundo é termos a possibilidade legal de contratar professores e regularizar a situação dos que já estão na faculdade.
Encontraria em Angola candidatos suficientes para cobrir as necessidades?
Sim. Fazendo concursos públicos… quando há concursos públicos e nos permitem a entrada de apenas um ou dois docentes o que fazemos é regularizar a situação de um ou dois que já temos há anos e não e não entra mais ninguém … Para além da admissão de novos docentes há a questão, extremamente burocratizada ao nível da Universidade Agostinho Neto, da passagem dos docentes de uma categoria para outra. Temos colegas que já estão há cinco anos na docência, alguns dos quais já fizeram os seus mestrados, e continuam como assistentes. O processo de passagem para a categoria de professor auxiliar é uma dificuldade tão grande, tão grande … porque não há quotas, porque faltam documentos … o que desmotiva. Este processo tão burocratizado de contratação de docentes na universidade tem levado a uma forte desmobilização dos docentes. Não me canso de dizer, e com bastante desagrado, que o nosso principal problema, na Faculdade de Direito, está no desencanto que os docentes têm em dar aulas. Apesar do prestígio que temos, apesar de tudo o que se faz, é uma luta grande, porque a maior parte dos docentes não sente motivação para dar aulas. Os salários são pequenos, continua-se a dar salários bastante irrisórios aos docentes; a promoção dos docentes é extremamente deficiente, o seu enquadramento ainda mais deficiente ...
Esta ligação privilegiada com Portugal exclui, de alguma forma, a ligação com universidades da nossa região?
Não. Temos historicamente esta relação com Coimbra, agora até temos uma ligação mais forte com a Universidade Clássica de Lisboa e iremos iniciar agora iniciar um contacto, ao nível do doutoramento, com a Universidade Nova de Lisboa. Estamos a iniciar contactos com a Faculdade de Direito de Buenos Aires (Argentina) que é de uma universidade de muito prestígio. Temos dois colegas nossos, assistentes que, não sei como, foram fazer os seus mestrados em Buenos Aires e ,dado o seu bom desempenho, a Faculdade de Direito de Buenos Aires propôs-lhes a passagem para o doutoramento, directo, sem terminar o mestrado.
Não estaremos a virar as costas ao processo de integração regional da comunidade onde nos inserimos, que terá uma área de comércio livre, por exemplo?
O que se coloca na integração regional é que há uma deficiência de base do nosso ensino, que é o ensino do inglês. Nós precisamos de resolver ao nível da base a questão da obrigatoriedade da língua inglesa no ensino.
Porque a integração é feita sobretudo em inglês. Essa tem sido uma das grandes limitantes na nossa relação com as universidades da região. O que tem feito com que haja contactos muitos pontuais e desfasados.
Neste mandato queremos estabelecer contactos com a Universidade de Cape Town, por exemplo, que tem muito prestígio. Queremos estabelecer contactos com faculdades de Joanesburgo e do Natal que têm muito prestígio ao nível do ensino do direito.
A Faculdade do Botswana, muito bem referenciada, considerada entre as melhores universidades africanas … e mesmo a relação com Moçambique também não existe. Há que repensar as nossas relações de cooperação e deixar de estar virados apenas para Portugal. Mas isso não passa apenas pela Faculdade de Direito, trata-se das políticas de cooperação da universidade de que somos uma unidade orgânica. E é preciso que Angola adira ao protocolo de Arusha. Angola ainda não o subscreveu, o que nos deixa fora do sistema de ensino africano.
Somos africanos, estamos inseridos nesse sistema e esquecemo-nos da relação que devemos ter em termos continentais e regionais. Há um trabalho por fazer.
Além do inglês fala-se na introdução do português na Faculdade. Há necessidade de o fazer?
Bastante. Estamos a ultimar a proposta de reforma curricular na Faculdade que prevê o ensino do português durante dois anos. Apresentaremos a proposta em Setembro.Estamos a trabalhar num curso que é feito com base no domínio da língua.
Quem é jurista num país tem de dominar a língua desse país. É assim em França, na Inglaterra, na Alemanha, etc. Quem não domina a língua tem dificuldades em desenvolver a sua profissão. Em Angola recebemos na Faculdade o resultado da má instrução que vem desde o ensino primário, em que as pessoas chegam à universidade sem conhecimentos básico da língua. Com raras e honrosas excepções. Não faremos cópias e ditados mas andaremos próximo disso, para ver se as pessoas aprendem a escrever determinadas palavras-chave e aprendem a construção gramatical básica que tem de ser seguida. Isto, se o programa for aprovado pela universidade e pelo Ministério do Ensino Superior.
Bem, voltará ao problema da falta de professores …
Até porque iremos ter novas disciplinas. Nomeadamente antropologia, sociologia, metodologia do ensino do direito … disciplinas que achamos fulcrais para o desempenho do jurista.
Não sente que o manto que envolve a questão o pode colocar como (desculpe a expressão) uma espécie de “fala-barato”?
É que depois tudo se esfumou como se nada tivesse havido … Eu não quero realimentar essa polémica, até porque, já o disse há algum tempo, o objectivo não foi levantar suspeição sobre os juízes ou advogados.
O objectivo foi, e continua a ser, fazer um alerta sobre os problemas da justiça no nosso país. E os dados mostram que há alertas que têm de ser feitos, os faróis que guiam os navios. Ao nível da justiça temos, de facto, muitos problemas que precisam de ser resolvidos. Não adianta a política da avestruz, não falar não significa que os problemas se resolvam.
O que entendo é que o diagnóstico está feito, as soluções para os problemas da justiça estão apontadas , assim como o que temos de fazer, seja o poder executivo, o legislativo, a magistratura, os tribunais, as faculdades (porque no sistema de justiça intervêm muitos operadores) para que a justiça seja benéfica e seja funcional. Porque a dinâmica que vivemos, de reformas políticas, quer no executivo, quer no legislativo, como nos sectores económico e social, não se têm vindo a reflectir no sistema de justiça. A atenção que é dada ao sistema nacional de saúde e à educação, com a construção de escolas, postos de saúde e hospitais, o forte investimento na formação de médicos e de enfermeiros.
O forte investimento nas infraestruturas básicas do país são notórios e eu pergunto: que investimentos têm sido feitos na área da justiça? Quantos tribunais foram construídos ao longo destes anos? Quantas conservatórias novas foram construídas? Quantos notários foram construídos? Na província de Luanda, com cerca de oito milhões de habitantes, quantos tribunais foram construídos?
Temos, por exemplo, o Cazenga com mais de um milhão de habitantes, mais que toda a província do Uige, de acordo com os dados do registo eleitoral de 2008, e o Cazenga não tem um tribunal municipal. Não se conclui a construção do tribunal porque não há verbas, lá vão anos. Para termos uma justiça funcional e justa tem que se assumir que a justiça é tão importante como o resto e não um elemento residual.
Cazenga, com 1 milhão de habitantes, não tem tribunal“Temos, por exemplo, o Cazenga com mais de um milhão de habitantes, mais que toda a província do Uige, de acordo com os dados do registo eleitoral de 2008, e o Cazenga não tem um tribunal municipal
Os novos tribunais de Cacuaco e Viana terão ajudado a desafogar Luanda?
Quase nada. Isso passa pela reforma do processo judicial que está a ser feito.
Os grandes processos não vão para os tribunais municipais, eles tratam apenas pequenas causas. E veja que, tirando Cacuaco e Viana, o Tribunal Municipal da Ingombota trata de todos os processos do resto da província de Luanda.É possível trabalhar-se nestas condições? Passe-se pelo Tribunal da Ingombota e veja-se as condições do edifício, nada de condições estruturais.
Visitem-se os tribunais ligados à família em Luanda e veja-se se é possível trabalhar naquelas condições. O Estado tem de assumir o sector da justiça como sua preocupação.
Os juízes não se queixam das condições em que trabalham, publicamente …
A sua função não lhes permite emitir afirmações públicas, como o fazem os advogados, por exemplo. O seu estatuto não lhes permite. Talvez por isso sejam esquecidos, mas nós, que trabalhamos com eles, sabemos com que dificuldades se debatem. Desde a independência até agora nunca o Estado assumiu a justiça como preocupação sua, nunca foi vista com a mesma prioridade que se dá a outros sectores.
Se a justiça não funciona nada no país funciona, ela assegura a conivência social, que não existam conflitos, assegura o bom desempenho da actividade económica, sem justiça as empresas não funcionam bem.
Há, depois, a questão da especialização. Não temos especialistas em direito desportivo nem em direito da comunicação …
A ministra da Comunicação Social já manifestou interesse num acordo com a Faculdade de Direito para cursos de direito da comunicação, mas depois temos o problema da falta de professores e de verbas, mas procuraremos estabelecer as condições para fazermos formação especializada na área da comunicação social e, quem sabe, também ao nível do desporto. Mas isso passa por condições financeiras, porque será necessário mandar vir especialistas. Se quisermos fazer uma pós graduação em desporto teremos de ir buscar especialistas … quem sabe não teríamos de convidar o treinador José Mourinho que é, de facto, um caso de estudo, um bom resultado de uma faculdade da Universidade técnica de Lisboa que é o curso de motricidade humana. Até porque já precisamos de faculdades em motricidade humana para formarmos bons docentes que façam a formação dos jovens. Porque muitas vezes exigimos dos nossos treinadores da selecção de futebol, milagres ….
A ausência da disciplina de metodologia de investigação inibe a produção científica? Diz-se que a Universidade Católica, a nível do Direito, produz mais que a sua Faculdade…
Mais Portugal que África “O que se coloca na integração regional é que há uma deficiência de base do nosso ensino que é o ensino do inglês. Nós precisamos de resolver ao nível da base a questão da obrigatoriedade da língua inglesa no ensino. Porque a integração é feita sobretudo em inglês”Sim, mas a Universidade Católica também não tem essa disciplina. Tem um bom centro de investigação, que é já de referência. Nós, dentro de alguns dias, iremos publicar alguns estudos que vão mostrar que já entrámos na área da investigação científica. O trabalho que estamos a concluir e que será o primeiro grande trabalho sobre a justiça, foi feito pela Faculdade de Direito. Esta semana começou um curso sobre políticas públicas que é também promovido por nós. A Católica tem apoios que nós não temos, se formos às grandes companhias não conseguimos apoios, a Católica consegue. Felizmente.
Em breve será inaugurado o Palácio da Justiça em Luanda. Acha que a actual ministra é pessoa para se bater por mais tribunais e pela modernização, ou não passará de uma pessoa de boa vontade?
Conheço a Dra. Guilhermina Prata, a ministra, desde há muitos anos, foi minha colega na faculdade e trabalhamos juntos desde 1991 …
Tem então muito para a avaliar …
Sei das preocupações que ela tem. E sei também que a justiça começa a ser olhada de forma diferente. Quando, há uns anos, o Senhor Presidente da República nomeou a primeira Comissão de Reforma da Justiça e depois criou a segunda, e se iniciaram os estudos necessários, começou a sentir-se a necessidade de se dar respostas. Felizmente temos também à frente de um Ministério de Estado que conhece bem os problemas da Justiça, o Dr. Carlos Feijó, até porque ele foi o coordenador da primeira Comissão da Reforma da Justiça . Do ponto de vista subjectivo temos as condições para dar maior atenção à área da justiça.
Falamos também do Tribunal Constitucional, do Supremo e da Procuradoria onde temos pessoas interessadas. Acho que em pouco tempo … até porque o estudo sobre a justiça a que me referi foi financiado a cem por cento pelo Estado. Com instruções pessoais do Presidente da República. Há preocupação, só esperamos que isso se reflicta no OGE.
Duas últimas questões: como vê o problema da independência dos juízes e, em segundo lugar, a questão da FNLA em que o Tribunal Constitucional parece não ter resolvido o problema interno de liderança.
A independência dos juízes passa por uma série de pressupostos que a lei a e a Constituição prevêem. Não conheço casos de pressão sobre os juízes para decidir neste ou naquele sentido. Pode é haver aquilo a que vocês, jornalistas, chamam de autocensura. Há profissões que, pelo impacto social dos actos dos seus agentes na sociedade, podem levar a algumas auto-limitações, os seus executantes podem achar que devem ou não fazer isto ou aquilo. Este constrangimento pode existir, não digo que exista. Tal como um jornalista pode decidir escrever ou não sobre determinado caso depois de medir o impacto social da matéria. Não conheço casos para dizer que um juiz tenha decidido sobre pressão do Governo ou de um partido. Mas as decisões são tomadas com os factos e com os condicionalismos de um determinado momento, os juízes só decidem de acordo com os factos. O trabalho do juiz é feito com base do trabalho dos advogados. O juiz precisa de provas, se o advogado ou o promotor do Ministério Público fizerem mal o seu trabalho o juiz não irá decidir a contento. Isso não significa que, às vezes, não haja desconhecimento, ou mesmo, em alguns casos, felizmente poucos, que haja malandragem. Espero que as coisas tenham melhorado a esse nível.
Relativamente à FNLA, o Tribunal Constitucional não se pode substituir à liderança dos partidos. Quando foi aprovada a candidatura, o TC já havia dito que aquela decisão era sobre a candidatura e que o processo de liderança continuaria o seu trâmite normal.
Chegou-se depois a um acórdão em que se mandou repetir o congresso.
80 Professores para 5000 alunos “Nós temos um total de oitenta docentes. Isto para cinco mil estudantes.
Ainda que dobrássemos o número de docentes, neste momento, não teríamos, mesmo assim, capacidade para resolver os nossos problemas” Não sei se correu bem ou não, não sou da FNLA, nem sou advogado da FNLA, nem fui contratado para o efeito. Sou advogado e, como tal, as minhas opiniões, se alguém as quiser, tem de vir cá ao escritório e pagá-las . O que digo é que a FNLA terá de resolver o seu problema, sob pena de vir a ser penalizada pelo eleitorado nas próximas eleições. Sei que o TC tentou um processo de conciliação várias vezes.
Mas o TC não fica mal visto depois de ter confirmado NGola Kabangu como candidato e agora ter “entregue” o partido a Lucas Ngonda?
O TC não se substitui à direcção dos partidos. O TC fez o seu papel, como lhe compete pela lei. Às vezes é preciso colocar os interesses do país e das instituições acima dos interesses pessoais .
Tem ideia de quantos docentes seriam necessários para resolver o problema da Faculdade e os números de reprovações?
Nós temos um total de oitenta docentes. Isso para cinco mil estudantes. Ainda que dobrássemos o número de docentes neste momento, não teríamos, mesmo assim, capacidade para resolver os nossos problemas. E há uma agravante. Dos oitenta docentes que temos, muitos deles têm funções de direcção a outros níveis. Uns são juízes do Tribunal Constitucional, há os que são juízes de tribunais comuns, Temos docentes que têm funções de direcção no Executivo, outros têm responsabilidades em empresas, uns são advogados …
Estes docentes, alguns serão regentes, não estarão a prejudicar a entrada de outros? Seria um risco substituí-los por aqueles que estão na Faculdade mas que não têm enquadramento?
É o que digo, nós não conseguimos admitir novos docentes. Não nos é permitido. Além das nossas dificuldades, há também a exigência de certos requisitos para se passar à regência, como o tempo de ensino, a formação académica, etc. não podemos ter um regente de uma cadeira que é licenciado. Na Faculdade de Direito da Agostinho Neto temos casos muito raros, e apenas de pessoas que estão ligadas ao ensino há muitos muitos anos. Hoje, quem entra para o ensino, ainda que seja mestre, não começa pela regência, precisa de ter acompanhamento, prática… Não é fácil esta passagem, porque falta know how, experiência.
Temos de aproveitar os regentes que temos para acompanhar os novos, mas se não conseguimos admitir os mais jovens como o faremos? Falta a agregação pedagógica em muitos professores, incluindo os regentes?
O mercado rejeita os maus juristas “Também … alguns. Alguns que acham que não têm jeito nenhum … ou ficam comerciantes, ou fazem de advogados, e maus advogados …”
Diz que os estudantes saem bem formados e que se recebem elogios de fora. O que acontece então para que, depois, no desempenho profissional, acabem por surgir muitas queixas da sociedade?
Não vou dizer que todos os nossos alunos saem bem formados, isso não seria correcto. Também temos pessoas que acabam o curso com muito má formação e alguns até com recurso à fraude. Algumas pessoas pensam que o importante é acabar o curso, seja de que forma for, e se for possível pela via mais fácil ,que é a fraude, melhor ainda.
Mas esquecem-se que o mercado do trabalho não se compadece com o desconhecimento. Quem faz fraude é rejeitado no mercado do trabalho. Ninguém contrata um mau jurista, se o faz depois despede-o. Portanto, ou ele se dedica depois à política...digo-o um bocado na brincadeira, sem querer pôr em causa…
Os maus juristas é que vão para a política?
Também … alguns. Alguns que acham que não têm jeito nenhum … ou ficam comerciantes, ou fazem de advogados, e maus advogados … alguns pretendem ir para a magistratura mas, felizmente, a peneira é muito mais apertada do que há alguns anos atrás … porque durante alguns anos iam para a magistratura e depois tínhamos os reflexos nas sentenças que eram proferidas, enfim… o mercado de trabalho está a rejeitar o que é mau. O conselho é que se deve estudar. Mesmo para os que se formam em faculdades em que se privilegia a facilidade. Estou a falar de questões objectivas. Se se for ver como correm os concursos de admissão para magistrados judiciais do Ministério Público no INEJ (Instituto de Estudos Judiciários)... veja-se, de um ponto de vista estatístico, de que universidades provêm os aprovados. Há universidades que ainda não conseguiram aprovar um único estudante nesses testes de admissão do INEJ. Isso é signficativo no que respeita à qualidade do ensino que se ministra e no reflexo no mercado do trabalho.
O senhor lida também com tribunais. Como se sente um jurista que tem em mãos um caso que pode não ser muito complicado e depois esse caso leva quatro, cinco anos no tribunal?
Quatro, cinco anos é um favor. É extremamente negativo. Quando chegaram eu estava a fazer a leitura de um relatório de um trabalho que a Faculdade de Direito está a ultimar, feito em conjunto com o Centro de Estudos Sociais de Coimbra, sobre o estado da justiça em Luanda. Estamos na fase de correcção e será entregue ao governo dentro de dias. O trabalho é uma análise bastante exaustiva da situação dos tribunais e da justiça praticada em Luanda, quer nos tribunais, quer fora destes. A conclusão a que se chega é que muito tem de ser feito. Não vale a pena apontar culpados, se é o Executivo, se é a Assembleia Nacional, se são os juízes, se são os advogadas … é daquelas situações em que se pode dizer que a culpa não morre sozinha.
Pode dizer-se que não se faz justiça em Angola?
Não. Podemos é dizer que há má justiça em Angola. No sentido de que é deficiente. Com muitas debilidades. Desde o acesso à justiça, as dificuldades que os cidadãos têm de aceder ao tribunal…
Está estratificado socialmente o acesso. Quem tem dinheiro tem mais acesso?
Sim, sim, naturalmente. Hoje só vai aos tribunais quem tem possibilidades financeiras de o fazer.
O mesmo é dizer que só tem justiça quem paga?
Sim. Não tenho qualquer dificuldade em dizê-lo porque os dados estatísticos o mostram. Hoje, quem não tem dinheiro muito dificilmente consegue ter acesso ao tribunal, mesmo recorrendo ao patrocínio judiciário. E a assistência judicial é gratuita.
De acordo com o estudo que nós fizemos, ao nível dos processos cíveis e administrativos, dos processos existentes no tribunal só um por cento, repito, um por cento, advém do recurso ao patrocínio e assistência judiciária gratuita. Acho que isso diz alguma coisa.
Neste estudo feito pelos senhores está incluído o problema das supostas compras de sentenças? Fez-se um inquérito de cujos resultados não se fez luz … não há resultados aparentes.
Se há resultados ou não já não compete a mim. Eu levantei a questão, o Procurador
José Kaliengue
15 de Agosto de 2010
Pensar e Falar Angola
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