domingo, 22 de agosto de 2010

Ágora (130) - A classe média ou a média da classe?




A pequena classe média angolana, coincidindo com o solstício de Verão no hemisfério norte, vai em romaria em busca de outras latitudes.
O aeroporto 4 de Fevereiro é provavelmente o maior “santuário” do País, um verdadeiro lugar de idas e vindas de gentes, de sonhos, de frustrações, de reencontros, um espaço talvez adorável para muitos que partem, e curiosamente também para quem chega.
O angolano tem uma relação afectiva com o seu aeroporto, porque desempenha o único lugar possível de ligação efectiva com o mundo exterior, e a realidade é que ao longo dos anos, há muita gente que o conhece bem melhor, que as terras além Kwanza e Bengo.
O angolano da classe média alta, utilizador de tecnologias, fato e gravata para todas as ocasiões, mesmo supostamente as mais dispensáveis, com correntes de ouro reluzentes e muito agarrado às marcas, tem idiossincrasias muito peculiares que não deixam de chamar a atenção.
Os angolanos quando vão ao exterior defendem com entusiasmo o seu país, a sua gastronomia, as suas belezas naturais, até a sua desorganização e corrupção. Isto é um princípio interessante, e na realidade aumenta o ego do angolano, que tanta dificuldade tem para o alimentar, já que vão desabundando razões de orgulho. O narcisismo do angolano é um bem valioso, é importante utilizá-lo a preceito.
A verdade é que esses mesmos angolanos, em Angola, esquecem-se do seu discurso no exterior, cultivam a costumeira má-lingua, estão sistematicamente contra o poder, e o que não deixa de ser paradoxal, é o facto de haver alguns proceres da área, que entram neste esquema, falam deliciosamente dos locais de compras no exterior, nos cabarets frequentados e nos pratos, vinhos e etílicas bebidas deglutidas.
Por exemplo em Lisboa, para um angolano não há nada melhor no mundo que um kalulu de peixe, ou uma muambada. Em Luanda os mesmos protagonistas, acham que nada no mundo é melhor que o bacalhau com grão, com cebola e salsa, um leitão à Bairrada ou uns pezinhos de porco de coentrada.
Isto não tem nada de extraordinário, a não ser quando ocasionalmente se quer transformar a sociedade num teclado de piano, onde se tenta alterar a posição das teclas. A realidade é incontornavelmente por razões de insegurança, e cada vez menos se justifica atitudes deste tipo na sociedade liberal angolana. O teclado de um piano é bom se tiver uns bons executantes, inaudível se for um incompetente a tocá-lo; Nem o afinador consegue fazer nada com maus executantes!
Angola tem que começar a conviver melhor com a sua diáspora, e acabar definitivamente com estigmas em relação a quem procura nova vida, e novas oportunidades noutros lugares. È um direito que qualquer cidadão livre tem, que é viver onde quer, se o puder fazer.
Foi uma” herança” dos tempos de guerrilha, e significava um abandono de uma causa, em que qualquer angolano se deveria engajar. Muitos angolanos não resistiram e desistiram de lutar, porque a realidade era dura, e hoje percebem-se os argumentos de um lado ou de outro.
Angola tem muita gente profissionalmente competente e de enorme afirmação profissional em múltiplas áreas da ciência, desporto, artes, conhecimento, e que estão no exterior e que se sentem angolanos, mas que não querem, e nalguns casos nem sequer podem, por razões de natureza profissional, voltar a viver em Angola.
São diferentes estes angolanos por isso? A única coisa que pedem é que o País lhes dê a nacionalidade, já que notoriedade alguns tem que sobra e muitos desses em áreas que poucas pessoas em Angola se dão conta que existem, e são de uma importância enorme.
Uma reflexão a caber, num debate mais amplo nestes trinta e cinco anos de independência e de vivencia colectiva da angolanidade. Um sinal de modernidade do País, bem melhor que alguns projectos em execução.
Ah, talvez não tenha nada a ver, mas lembrei-me desta poesia de Drumond de Andrade: João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

Fernando Pereira
4/6/2010


Pensar e Falar Angola

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