domingo, 11 de abril de 2010

Ágora (111) - Rua da Maianga




“Penso que dentro de dois anos poderei publicar uma História do surgimento do nacionalismo em Angola, desde que surgiu a imprensa, portanto é uma coisa baseada em depoimentos escritos…”
Estas palavras foram de Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989), na ultima entrevista que deu em vida, ao recentemente falecido Michel Laban, para o seu livro “Angola, Encontro com Escritores”(2 volumes), editado em 1991 pela Fundação Engº António de Almeida.
Mário António pode ser considerado um dos fundadores do MPLA, já que foi com António Jacinto, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, que em 1955 fundaram o Partido Comunista Angolano, um dos partidos que terá estado na génese do MPLA, segundo a maior parte das versões conhecidas.
Tive o prazer de ter conhecido Mário António, que na qualidade de director da Gulbenkian para as relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, ajudou muito angolano, que por razões de caciquismo cultural e político em Angola, agradeciam a tantos que nada tinham feito, e omitiam o Mário, porque ao tempo era politicamente dissonante do regime!
Mário António de Oliveira deixa o PCA em 1957, porque “ia casar e não podia a mulher ficar fora de tudo, por isso vou-me embora”, ao que Viriato da Cruz terá dito que era a “primeira grande crise que surgia no nosso Partido”, isto segundo relato de um livro editado postumamente, “Reler África”, em 1989 pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
Voltando à introdução a esta crónica, a realidade é que infelizmente para todos, Mário António deixou-nos sem que tivesse feito o que se tinha proposto, embora tivesse deixado uma obra poética considerável, que hoje só possível de encontrar em alfarrabistas, já que em lugar algum se reeditou: “Farra no fim-de-semana” (1961), “Gente para romance” (1961),”Crónica da cidade estranha” (1964), entre outros títulos, no domínio da prosa e do conto. Na poesia, para além da sua colaboração na “Mensagem”, e na “Cultura”, tem uma vasta obra publicada, como refere Manuel Ferreira no “Reino de Caliban II” (1976) editado pela Seara Nova e no livro do mesmo autor “Literaturas africanas de expressão portuguesa II” (1977), na Biblioteca Breve, do Instituto de Alta Cultura.
Mário António, antigo aluno do Liceu Salvador Correia, ex-director do Estudante, licenciou-se no Instituto de Ciências Sociais em Lisboa, e tem alguns trabalhos interessantes sobre a “Formação da Literatura Angolana (1851-1950) ”, e “Luanda, ilha crioula”, onde é o primeiro escritor angolano a utilizar a crioulidade. Mário Pinto de Andrade, na sua Antologia Temática de Poesia Africana (1) ” lembra Mário António com os seus poemas “Sob as acácias floridas”, “Linha quatro” e o incontornável “Rua da Maianga”.
Desde o primeiro livro, editado pelo Ministério da Educação e Cultura da R. P. Angola em 1976, “Poesia de Angola”, que Mário António tem sido injustamente ignorado, e penso que chegou a hora, de Angola relevar todos, os muitos que foram lutando pela elevação cultural dos angolanos, pela sua dignificação através da palavra escrita, e neste caso na sua participação, ainda que efémera, mas decisiva, na edificação do que veio a ser o MPLA.
Os organismos angolanos deveriam empenhar-se em procurar o arquivo de Mário António, e colocá-lo ao serviço de investigadores, de forma a ajudar a escrever a história do País, numa fase em que cada vez há menos vivos desse tempo, e dos vivos alguns já com pouca memória para se lembrar que tiveram memória.
A Fundação Calouste Gulbenkian, numa tentativa de homenagear o seu antigo colaborador e o poeta insigne, instituiu o Prémio literário Mário António de Oliveira, que teve início em 2001, tendo vencido Mia Couto, “O Ultimo Voo do Flamingo”, prémio entregue trienalmente, no valor de 25.000€
Seria de inteira justiça, que se desse o nome de Mário António de Oliveira a uma escola e a uma rua, preferentemente na Maianga, tão presente na sua quase “clandestina” obra. Podem fazê-lo em Maquela do Zombo, onde nasceu, mas realmente segundo ele diz “nasci no norte de Angola, mas nada me liga à terra pois o meu pai foi colocado lá como funcionário público, e durante pouco tempo”, pelo que julgo que não homenageavam objectivamente muito bem nem a terra, nem o escritor. Mas valeria mais isso, que nada!
Fernando Pereira
13/2/2010

Pensar e Falar Angola

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