segunda-feira, 19 de abril de 2010

QUESTÕES QUE ESTAMOS COM ELAS

Crónica do “AGORA” DE 17 DE ABRIL DE 2010

QUESTÕES QUE ESTAMOS COM ELAS

“Assim vai o sul… Cajoão, o turismo e o ambiente”

De Manuel Victória Pereira

A consciência ambiental nem sempre mora na esfera ideológica dos que se deslocam por um país adentro naquilo que se pode chamar passeio turístico. Há mesmo os que parecem pensar que os locais considerados bonitos de se ver ficam mais bonitos depois de conspurcados de latas, garrafas, embalagens diversas e outros vestígios de javardice ambulante. Os bichos não reclamam nos jornais, pelo menos ninguém os alfabetizou e as plantas, essas nem têm voz, coitadas. As canções pró-natureza dos programas infantis de rádio, os livros escolares e as palavras do professor, até os bonecos animados do Capitão Planeta, nada aprecem ter produzido efeito, durante o seu crescimento, na cabecinha destes viajantes, hoje já adultos e com o dever de terem juízo.

Em toda a parte do mundo se trava esta batalha de consciência e atitude, e nalguns locais pode-se dizer que o bem vai vencendo de um modo geral, noutros vence a selvajaria de pessoas singulares, empresas e até instituições do Estado.

A nossa Angola passou por períodos bem chatos e está longe de se curar completamente, a não ser que mudem as mentalidades e o direito à indignação mais a acção contrária dos cidadãos e autoridades ponham na linha a turma anti-natura.

Desde os caçadores furtivos aos chalados que faziam tiro ao alvo nos marcos dos quilómetros, passando pelos piqueniques sem regras e terminando nos rituais macabros, tudo deve passar à História. Quando falo de “rituais”, posso avançar com um exemplo. À beira da estrada, em pleno deserto, estava uma árvore de pequeno porte, a única das redondezas. A seu lado, uma tabuleta com dados que a identificavam, resultado do trabalho de renomado botânico. Primeiro, os viajantes passavam e punham um pouco de água. Não sei que alma caridosa arrancou a dita tabuleta, mas veio também um sábio que inventou uma crença jamais praticada pelos naturais da região: a maluquice de espetar notas de Kwanzas nos galhos da arvorezinha para dar sorte.

Felizmente não mataram a coitada, mas durante muito tempo foi ficando desfolhada e grotescamente endinheirada, ainda que fossem de baixo valor facial as notas desbotadas pelo sol. Passou de moda o ritual, limpou-se a pequena árvore e ela lá está, com a sua copa redonda, lembrando um bonsai um pouco maior.

Mas falta a história do Cajoão, ex-colega da primária e do liceu, meu eterno amigo e defensor da natureza.

Com o fim da guerra civil, passou dos pequenos raids a longas viagens até ao sul de Angola e mais além, numa carripana robusta comprada em segunda mão. Os opíparos repastos dos longos caminhos produzem lixo que Cajoão e os seus nunca deixam no terreno. Uma vez ensacado, está destinado ao primeiro contentor disponível na próxima paragem.

Isto aconteceu no Namibe, só que então a comitiva familiar calcorreou a cidade sem encontrar onde pôr o lixo. Cidade limpa, sem caixotes ou contentores de lixo! MAS que lixo? O que é isso?

Finalmente Cajoão encontrou um. E a partir do seu GPS registou as coordenadas que me passou em SMS: S015º 11.985’ E012º 08.351’. Quem lá estiver aflito com o lixo, siga as coordenadas do Cajoão e contribua para um país mais limpo.



Pensar e Falar Angola

1 comentário:

Kalaari disse...

Uma crónica bem ao estilo do Vitória Pereira, crítica , mordaz, mas ao mesmo tempo construtiva.
Realmente, como acabar com o lixo se os contentores não aparecem?
Situações caricatas que surgem por todo o lado...
Mas com o tempo, vamos lá...
Vera Lucia