sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Leitura antropológica sobre angolanidade


  • Leitura antropológica sobre angolanidade

    Foi com grande interesse que li, pela primeira vez o texto escrito por João Trindade (adiante JT) antes de ser publicado no Jornal da Cultura Angolana edição #41 (adiante JC41). Eu tinha aconselhado ao autor sobre a urgência de rever o texto…
    Geralmente alguns leitores encontrem “erros fantasmas” nos meus textos, e pareceu-me ser o caso de JT. Curioso ainda é que ele me sugere ou recomenda exactamente o que eu já escrevi no meu texto (será algum madoismo: “mana Mado quer aparecer”?!). De salientar que SANKOFA é uma revista científica séria, e dificilmente deixa passar tais erros fantasmas que JT “imagina” e queira pintar no meu texto. Há sim, 8 pequenitos erros dos quais cinco em “nota de rodapé” num texto de 20 páginas.
    A minha leitura é antropológica (dai a terminologia), concisa e inclusiva: (i) angolanidade apriorística/MPLA; (ii) angolanidade rizomática/FNLA; (iii) angolanitude/UNITA; (iv) angolanidade aposteriorística (todos partidos políticos angolanos). Por definição angolanidade é tentativa de teorizar a construção do Estado-nação (James, 2004: , onde as heranças sociais e as heranças históricas/identitárias posicionam os constituintes aos seus devidos lugares (Batsîkama, 2013). Isto gera normalmente a “luta de classes”, como se verificou nestas todas angolanidades: Jonas Savimbi saiu da angolanidade rizomática/FNLA e lançou uma angolanitude/UNITA. E, dentro do MPLA, não ouve apenas 27 de Maio de 1977: houve Revolta de Leste e outros. Por outro, Viriato da Cruz pensou ter visto a “angolanidade aposterioristica” na FNLA… A luta de classes era e ainda é constante na angolanidade!
    Angolanidade apriorística nasceu numa Diáspora variada (Europa comunista, África francesa/R.P. Congo, Algéria e África inglesa/Zâmbia e Tanzânia; nas Américas/Cuba e na Ásia) e em Angola. Ela era urbana e ligada a variedade étnica angolana, e a diversidade racial. Luanda lhe dará um aspeto kimbûndu, e a sua existência (1960-2008) expandiu-se para todas as etnias de Angola.
    Angolanidade rizomática nasceu na Diáspora variada (África francesa/RD. Congo e África inglesa/Gana; nos Estados Unidos de América) e expandiu-se para Angola setentrional. Ela era periférica e rural, com tímida variedade quer nas etnias angolanas quer nas raças. Durante a sua existência (1961-1976) ela permaneceu quase bi-étnica (Kôngo/Ambûndu), com preeminência kôngo.
    Angolanitude nasceu em Angola e na Diáspora (Africa inglesa/Zâmbia, nos Estados Unidos de América ena Ásia/China) e espalhou-se em quase todo território durante a sua existência (1966-2002), salvo no corredor do Kwânza. Ela era camponesa, cinicamente multi-racial, mas amplamente multi-étnica, com hegemonia umbûndu.
    Angolanidade aposteriorística – que mais nos interessa porque vivemos nela – começaria em 1988, com as reformas que MPLA faz para nova Era (democratização) e com as negociações em Nova Iorque (que resultaram na independência da Namíbia e libertação de Nelson Mandela). MPLA entra com desvantagem ideológica porque democratização significava americanização. Mas a forma dos “conjuntos identitários” se comportar na construção de Angola enquanto Estado-nação neste período, permite-nos perceber quatro aspectos do “espaço temporal” que fez com que a angolanidade apriorística demorasse mais tempos em relação as outras:
    (1) Os espaços sociais angolanos emigram para Luanda. Mas “Luanda” ainda continua a ser o “espaço do poder”, de modo que os “espaços imigrantes” e todos seus tecidos sociais identitários adaptam-se as imposições luandenses.
    (2) Os herdeiros sociais angolanos em Luanda ainda têm inclinações sociopolíticas, e a luta de capitais sociais seguira as novas conquistas de capitais académicos na afirmação identitária/cultural na recriação de espaços sociais.
    (3) O diálogo das identidades é por um lado ausente: Luanda é ainda “espaço do poder”, o que faz crer que as identidades de Luanda sejam supostamente superiores em relação aos espaços imigrantes. Por outro, os “tampões sociais” surgem e separam o “Luandense social” do “imigrante social angolano” tal como no tempo colonial “museke” foi separado da cidade.
    (4) Conquista dos “lugares” na velha nomenclatura pela tecnocracia e capitais académicos – tal como é normal nas democracias – não parece ter modificado fundamentalmente o simbolismo de Luanda enquanto “espaço do poder”. Nasceu, talvez, casamento fictício entre as velhas angolanidades… mas ainda sem saber se a esterilidade irá prevalecer.

    Face a estes aspectos, o projecto de Angola que vivemos é o projecto do MPLA. O tempo da legitimação que começou em 1974 terminou em 2012, quando publicamente foi investido o cidadão José Eduardo dos Santos como presidente de Angola. No seu discurso de tomada de posse, ele lançou programa para dar passos a Estado-nação, que na verdade se caracteriza na “angolanidade aposteriorística” onde cada um pode livremente conquistar seu espaço. O seu discurso “Estado da Nação” de 15 de Outubro 2013, reafirmou a necessidade de dinamizar as mesmas estratégias.
    A “angolanidade aposteriorística” me parece ser hoje uma “angolanidade económica/financeira”. Ainda assim, eu não categorizei “branco/dominante”, “mulato/seu auxiliar” e “preto/dominado”. Angolanidade rizomática e angolanitude já desfizeram tal possibilidade. Paulo de Carvalho explica muito bem que neste período há, por um lado, “empregador” (aquele domina); e de outro lado, há “empregado” (o dominado). E, isto não tem nada a ver com a tez da pele. Se assim viu JT, que seja ele a assumir tal acepção, e não atribuir-me injustamente. O que é historicamente verificável é que várias famílias luso-descendentes litorais são herdeiros de capitais sociais, económicos e administrativos importantes (Pimenta, 2008; Bender, 2009). Mas ainda assim, precisa-se estudos neste campo de antropologia que me parece quase virgem.
    Ao retomar a discussão sobre angolanidade – talvez metodologicamente diferente dos nossos antecessores – urge a necessidade de redefinir os conceitos. Se, no passado, “falar kimbûndu” e “viver no museke”… instituíam o estatuto de indígena sujeito ao “trabalho forçado”, hoje as coisas têm mudado. Mas, também, apesar de dar “cidadania” as “línguas nacionais angolanas” (Assembleia Nacional aprovou no dia 25 de Outubro de 2011 o Estatuto das línguas nacionais de origem africana), ainda é tímido com este “capital cultural” concorrer ao um emprego bem renumerado (em relação ao português). Isto é, as subsequências históricas no contexto angolano precisam de releitura categorizadora. Ao repetir “luso-descendente”, “euro-descendente”, “afro-descendente”… não se trata de uma questão de tez/raça, mas sim de “herança social” (Bordieu, 1989, 1991, 1998) no mapeamento social angolano actual. Mário Pinto de Andrade falaria de “herança bi-cultural/crioula”, mas eu contextualizei: “herança multi-cultural”. Desde já desaconselho toda leitura apressada, pré-concebida e superficial no meu texto e cautela nos conceitos que espelha o subtexto da minha linguagem.
    A globalização – que na verdade é a mundialização do capitalismo – faz com que o Estado-nação nasça com a democracia, ou com a “res publica”: é um mercado muito concorrido! Para concorrer, deve se ter domínio económico, autoridade/prestigio na sua profissão e ser herdeiros sociais importantes. É justamente nesta realidade que os suportes simbólicos da angolanidade aposteriorístico se conjugam, na disputa dos “lugares” neste vasto espaço que chamamos Angola, aonde Luanda ainda é o “Lugar do Poder” (Cadornenga, [1680]1940: 39-43; Pepetela, 1990:21-24).

    Bibliografia

    BATSIKAMA, P. (2013), “Leitura antropológica sobre a angolanidade”, In: Sankofa, #11, Ano #VI, Agosto, pp.51-70
    BENDER, G.J., (2009), Angola sob o domínio português. Mito e realidade, Luanda: Nzila.
    BORDIEU, P. (1989), O poder simbólico, Alges: Difel
    BORDIEU, P. (1991), “Estruturas sociais e estruturas mentais”, in: Teoria &Educação, Porto: Aegre, #3, 113-119
    BORDIEU, P. (1996), Raisons pratiques sur la théorie de l’action, Paris: Points.
    BORDIEU, P. (1998), O que falar quer dizer: a economia das trocas simbólicas, Alges: Difel
    CADORNEGA, A O. (1940), História geral das guerras angolanas 1680-1681 (anotado e corrigido por José Matias Delgado e monsenhor Manuel Alves da Cunha), Lisboa: Agência geral das Colónias, Vol. I.
    JAMES, W.M. (2004), Historical Dictionary of Angola, (Nova edição) Scarecrow Press
    PEPETELA, (1990), Luandando, Luanda: Total&Elf (edição ilustrada)
    PIMENTA, F.T. (2008), Angola, os brancos e a independência, Lisboa: Edições Afrontamentos, (extracto da tese de doutoramento).

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