terça-feira, 15 de outubro de 2013

Dança - Entrevista à Angop dea Ana Clara Guerra Marques

Coreografa aponta para a necessidade da edificação de mais salas de espectáculos

Investir na formação para que surjam mais companhias e artistas individuais e construir mais salas de espectáculos, apetrechá-las e habitá-las com pessoal técnico competente, para a divulgação da dança profissional, são algumas das necessidades do mundo da dança no país apontadas nesta segunda-feira, em Luanda, pela coreografa angolana, Ana Clara Guerra Marques.

DIRECTORA DA COMPANHIA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA(CDC), ANA CLARA GUERRA MARQUES
FOTO: FOTO CEDIDA
Em declarações à Angop, numa abordagem sobre o actual estado da dança no país, a também professora de dança afirmou ainda ser necessário a formação de um público conhecedor e exigente que deixe de tolerar espectáculos de má qualidade técnica e artística, com o intuito de colocar no mercado obras com elevado grau de qualidade temática e rítmica.
“A abnegação, a persistência, a coragem e o conhecimento são fundamentais para a permanência e progressão na nossa carreira. Ao contrário do que se julga no nosso país, para além de uma formação longa (cerca de 8 anos só para se ser bailarino e mais 4 ou 6 de formação universitária para se ser professor, coreógrafo ou investigador), há que trabalhar constantemente”, reforçou.
Segundo a também directora da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, um bailarino profissional deve continuar a fazer, diariamente, aulas de técnica e ensaiar durante cerca de seis horas, ou seja, ter um horário de trabalho de 8 horas diárias.
Avançou que, por outro lado, um professor deve actualizar-se permanentemente e um coreógrafo não pode estar fechado no seu país, isolado do que se passa no mundo.
“A dança, as artes, não têm esta ou aquela nacionalidade, mas são património de todos os seres humanos. A inspiração não pode estar presa a esta ou aquela realidade social ou cultural. Enquanto ser humano, o artista deve ter o direito de se preocupar com qualquer tema relacionado com a humanidade”, disse.
De acordo com a fonte, um bailarino tem de ser uma pessoa culta, ou seja, tem de possuir um conhecimento alargado e profundo de todas as correntes artísticas e de toda a produção que, em todo o mundo, se faz nas distintas áreas das artes.
Falando à Angop sobre o estado actual da dança no país, Ana Clara Guerra Marques afirmou que a formação é, actualmente, uma das principais preocupações do Mincult, que está a preparar um conjunto de mecanismos jurídicos e ferramentas académicas para que a abertura de quatro escolas do ensino médio (dança, teatro, música e teatro e cinema) seja possível em breve.
No entanto, segundo a interlocutora da Angop, é importante que essa formação académica não se separe de todo um processo de educação artística da sociedade, ou seja, da preparação de um público conhecedor e exigente, que possa apreciar o produto da criação artística, que possa avaliar e validar o trabalho profissional.
“A realização de actividades com a participação da comunidade, o apoio aos artistas angolanos que possuem um trabalho de qualidade, criando condições para que eles possam divulgar o seu trabalho, serão outras opções para proteger e encontrar parcerias sérias no pouco que temos e para dar a conhecer o tanto que ainda precisamos de saber”, disse.
“Fora deste assunto deixo os impostores que, sem qualquer diploma (portanto, à margem de qualquer pressuposto de ordem ética), se fazem passar por professores de dança, ganhando dinheiro e causando toda a espécie de lesões e outros problemas físicos graves às crianças e jovens que mantêm sob a sua irresponsabilidade.
Relativamente a idade ideal para se entrar no mundo da dança, Ana Clara Guerra Marques avançou que depende do que se pretenda.
“Uma coisa é certa, a propalada ideia de que quanto mais cedo melhor não é bem verdade! No caso em que se pretenda seguir uma carreira profissional, que é a situação ideal, as crianças entram para as Escolas de Dança por volta dos 10 anos (concluída a 4ª classe de escolaridade), por se tratar de uma idade em que ela já está psicologicamente disponível para receber toda a informação teórica deste curso e em que o seu corpo já pode suportar as exigências técnicas de uma carga física que, em dança, é muito grande”, asseverou.
Segundo a fonte, todavia, e embora não seja obrigatório, as crianças podem iniciar mais cedo, com aulas de dança criativa, para irem desenvolvendo algumas habilidades e qualidades ao nível da coordenação motora, da musicalidade, do ritmo e, sobretudo, da criatividade.
“Há outras situações em que se pode começar a dança mais tarde. Num contexto de dança terapia, por exemplo, a dança alarga-se a outro tipo de população como sejam as pessoas na terceira idade. Claro que, em qualquer dos casos, esta actividade só pode ser orientada por profissionais especializados, para que ninguém corra riscos. Cada corpo é um corpo e é preciso conhecer as características físicas e psicológicas das distintas faixas etárias com que se trabalha”, finalizou.
Com um logo percurso no munda da dança no país, Ana Clara Guerra Marques é actualmente a directora da Companhia de Dança Contemporânea (CDC) e consultora da ministra da Cultura.
Ana Clara Guerra Marques, que falava à Angop  sobre o actual estado da dança em Angola, realçou que a formação académica não se pode separar de todo um processo de educação artística da sociedade, ou seja, da preparação de um público conhecedor e exigente, que possa apreciar o produto da criação artística, que possa avaliar e validar o trabalho profissional.
“De contrário, estaremos a arrastar uma situação que não nos tem conduzido a nada, ou seja, a proliferação de grupos, e esta designação já é suficientemente esclarecedora, integrados por pessoas que até gostam de dançar e até querem aprender, mas que não estão preparados para se apresentarem a nível profissional, já que o seu trabalho não tem consistência artística, justamente por falta de conhecimentos especializados”, apontou.  


Segundo a também directora da Companhia de Dança Contemporânea de Angola (CDC), para isto há que contar com um conjunto de acções paralelas, quer ao nível dos media, quer pela introdução de disciplinas artísticas nas escolas do ensino geral, manifestando à sua incredulidade pelo facto de nenhum dos canais televisivos dedicar um programa às artes produzidas no resto do mundo.


A coreografa afirma verificar-se apenas a existência de um número considerável de grupos cujo trabalho possui enormes fragilidades, justamente, por falta de conhecimentos específicos quer de ordem técnica, quer de ordem estética.
Ana Clara Guerra Marques considera “muito” precário o estado actual da dança em Angola, caracterizado pela falta de um sistema de ensino competente e colectivos profissionais.
De acordo com a entrevistada, num outro plano, estão as danças patrimoniais (tradicionais e populares), algumas sob ameaça de extinção e, em muitos casos, a serem adulteradas e descontextualizadas, quer pela sua utilização em actividades que nada têm a ver com a sua verdadeira essência (aparições no carnaval, em festivais e concursos não acompanhados por antropólogos ou outros profissionais ligados a esta área), quer pela forma devastadora com que “o novo” está a ganhar espaço, mesmo nos contextos sociais mais conservadores.
“Para confirmar o estado desolador da dança no nosso país basta referir que ao nível da dança profissional temos apenas uma companhia, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, a qual, por insólito que possa parecer, não tem merecido nenhuma atenção especial ou de qualquer apoio institucional efectivo”, reforçou.




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