domingo, 5 de janeiro de 2014

Releitura antropológica sobre Angolanidade


  • Releitura antropológica sobre Angolanidade
    Patrício Batsîkama

    Introdução
    Há uma ideia segunda a qual a “angolanidade” seria um tema polémico, o que desencoraja muita gente saber dela, e alguns estudiosos evitam reflectir nela. Ora, a “República” de Platão foi uma polémica; “O Capital” de Karl Marx suscitou polémicas… Galileu antropomorfizou uma grande polémica, e ficamos saber hoje que “a Terra gira a volta do Sol”. Por isso, resolvi fazer uma releitura sobre este conceito, e as minhas reflexões balizar-se-ão na antropologia.

    Problema e proposta metodológica
    Desde a sua concepção, a Angolanidade sempre foi associada as grandes reflexões dos literários: suscitou muitas polémicas, como é óbvio. Tratava-se de reflexões de alguns angolanos – fazendo parte da elite – através os seus romances.
    Interessa-me agora trazer uma outra proposta que consiste em: (i) desconstruir a angolanidade; (ii) procurar saber junto dos próprios angolanos as suas impressões sobre ela. Dai, o título da minha comunicação: “Releitura antropológica sobre Angolanidade”.

    Definição
    Martin James propõe uma definição interessante que me importa partilhar convosco (James, 2004: 8):
    “Angolanness (angolanidade): The concept of what constitutes the Angolan nation. Angolanness is many things to many people, but it implies social consensus about nation-building and norms of governance that embrace all, regardless of background, social standing, political affiliation, or ethnicity. Angola has to create this environment for people to consider themselves Angolan rather than attach loyalty to some other moniker”.

    Desta definição, reter-se-á o seguinte:
    (1) Conceito do que constitui a nação angolana;
    (2) Significação variável, consoante diferentes pessoas;
    (3) Consenso social sobre a construção da nação e forma de governação que leva as populações considerar-se Angolanos.

    Desconstrução de angolanidade
    Na literatura, três termos giram a volta da angolanidade: (i) nação; (ii) nacionalidade; (iii) nacionalismo. Eu penso não voltar a tocar sobre a literatura, mas vou lançar os primeiros resultados que consegui sobre estes conceitos junto do universo angolano inquirido.
    Fiz, durante quase oito meses, pesquisa de campo em todas as províncias de Angola. Fiz questão de escolher os meus inquiridos, de acordo com a sua pertença ao grupo social (não vou aqui falar das etnias, que exclui uma camada social considerável angolana) e, sobretudo, a densidade populacional. Foram 1843 inquéritos, e reduzi para 1750, que corresponderia a 0,0001% da população global angolana (dados de 2009/2010). Durante três anos andei a verificar o comportamento das respostas, reflectir nestas respostas, tentar compará-las… para perceber se os Angolanos se consideram, por si, Angolanos de uma nação.

    As respostas
    Em relação as respostas, eis o que verifiquei:
    (1) Nação, Estado nação (Será Angola uma nação?):
    • Sim: 36,8%
    • Não: 38,91%
    • Não responde: 24,28%

    De salientar que, em relação ao termo nação, a maior parte dos inquiridos não mostrou dominar o conceito, por um lado. Por outro, eles atribuem a nação os conceitos de país consoante entendem não de forma clássica, mas também consoante as cosmogonias onde são oriundas as pessoas. Contudo, a maioria acha que Angola ainda não é uma nação, por duas razões: (i) não se revejam com o governo actual; (ii) as suas misérias são resolvidas pelo Estado.
    Interpreto estes dados, simplesmente, da seguinte forma: a maioria dos Angolanos vive na pobreza, e se sente marginalizada pelo programa do Estado (governo actual). Os que povoam os meios rurais desconhecem, a maioria, o plano do Estado.

    (2) Nacionalidade (pertença à uma nação):
    • Falar línguas nacionais/Tradições/nascer em Angola: 65,42%
    • Ter pai/mãe angolanos: 32,62%
    • Não sabe/responde: 1,71%

    Estas respostas indicam a distribuição demográfica angolana: (i) a maioria opta pelo Jus sanguinis (rural); (ii) uma minoria se limitaria a Jus Solis (urbano). Caberia, para accionar um programa de nação, definir o urgêente desenvolvimento rural e aproveitamento dos valores que ainda estão nestes meios (rurais).

    Em relação ao nacionalismo, recomendo sos seguinte livros: (1) ANDRADE, M.P., (1997), Origens do nacionalismo africano. Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa; (2) BENDER, G.J., (2009), Angola sob o domínio português. Mito e realidade; (3) MUEKALIA, J., (2010), Angola: A segunda revolução. Memórias da luta pela democracia; (4) N’GANGA, J.P. (2008), O pai do nacionalismo angolano. As memórias de Holden Roberto, Volume I. 1923-1974; (5) ROCHA, E. (2009), Angola. Contribuição ao Estado da génese do nacionalismo moderno angolano. (Período de 1950 a 1964) Testemunho e estudo documental.

    Comparando
    Os dados dos nossos inquéritos indicam que existe uma diversidade populacional que, apriori, aceita pertencer a um mesmo pais (terra): Angola. Ela difere, sobremaneira, nas definições de pertença a este país (nação).
    O que nos apresenta a Literatura angolana é, na minha humilde opinião, aquilo que eu chamo “angolanidade apriorística”. É a primeira teorização, sob eminentes figuras como Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Ndunduma Costa Andrade, Viriato da Cruz, etc. Curiosamente, todos eles pertenciam ao MPLA. Num recente trabalho de Doutoramento, da Ana Lúcia de Sá, a maioria do corpus utilizado da Literatura em Angola, é oriunda do MPLA, salvo um único autor oriundo da UNITA. Será que a teorização da angolanidade é da exclusiva responsabilidade do MPLA?
    Acho que não, mas reconheçamos que tudo terá começado com pensadores oriundos do MPLA. De salientar que, no terreno, pude verificar outras formas de angolanidade: (i) angolanidade rizomática (baseada, quase exclusivamente, nos valores africanos tradi-modernos); (ii) angolanitude (baseada na negação de toda submissão perante os valores oriundos de Norte angolano).

    Projecto de nação
    Tradicionalmente, temos duas grandes teorias sobre a nação: (i) Kulturnation; (ii) Staatsnation. De acordo com a primeira, o suporte cultural de uma “NationalStaat” (nação orgânica) deve derivar de todas forças sócio-culturais, e não uma mera imposição elitista sobre valores refinados. Para a segunda, só é possível falar de Estado-nação quando há uma Assembleia que representa todas as forças sócio-políticas com a Constituição aprovada por todas elas (Emmanuel Sieyes). O que se diria de Angola?
    De ponto de vista Kulturnation, realiza-se um Simpósio sobre a Cultura Nacional. A terceira e última edição ocorreu em 2006, e das orientações deste Simpósio, estamos ainda longe… passados hoje mais de 13 anos. Recentemente as línguas angolanas adquiriram uma “cidadania” na Assembleia Nacional, mas ainda faltam política da sua rentabilização. 
    De ponto de vista Staatsnation, Angola aprovou recentemente uma Constituição. Apesar de ser, no meu ponto de vista, uma Constituição que vela pela Justiça Social, pela distribuição das riquezas, pela cobertura educacional, sanitária… do cidadão me parece que ela foi aprovada com a maioria, mas sem a presença da Oposição.

    Angolanidade: o “feito” e o “por fazer”
    Na Literatura existe alguma coisa, desde os romances até estudos dos académicos (Luís Kandimbo; José Venâncio; Francisco Soares). Mas a literatura é apenas um campo ínfimo para se falar da angolanidade. Das minhas humildes recolhas no campo, percebi-me dos comportamentos que geralmente a Literatura não aborda: visão rizomática ou negação pós-apriorística, ou ainda a postura aposteriorística, etc.
    O que se pode fazer, por exemplo, no enriquecimento deste conceito de “angolanidade” consiste nos estudos históricos, antropológicos, filosóficos, em ciências políticas… para dar sequência aos estudos iniciais sociológicos que Mário Pinto de Andrade, Victor Kajibanga e Paulo de Carvalho fizeram.

    Conclusão
    Angolanidade ainda é útil para reflectir e discutir sobre as várias formas de construir Angola – como Estado-nação – de forma idiossincrática às nossas realidades. Não devemos fugir da polémica, mas sim instrumentalizar metodologicamente as nossas acepções e nunca nos contentar de homogeneizar esta angolanidade. Fugir falar da angolanidade me parece como fugir pensar na forma melhor construir uma Angola onde todos se identificam em todos os planos.



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