quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Hoji-ya-Henda



Hoji-ya-Henda
José Mendes de Carvalho, mais conhecido por Hoji-ya-Henda (nome de Guerra), foi um comandante das FAPLA morto em combate.
É hoje um herói nacional angolano e patrono da juventude angolana.

O Comandante Hoji-ya-Henda (José Mendes de Carvalho), morreu em combate, aos 27 anos de idade, durante um assalto ao quartel de Karipande, do exército colonial português, no Moxico, em 14 de Abril de 1968.
A I Assembleia da III Região Militar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), realizado no dia 23 de Março de 1969, declarou que, em sua memória, o 14 de Abril passa-se a ser comemorado, em Angola, como o Dia da Juventude Angolana.
Foi sepultado próximo do rio Lundoji a 30 quilómetros do então quartel de Karipande, da Frente Leste/3ª Região Político-Militar.
Já em Agosto de 1968, o MPLA havia atribuído a Hojy-ya-Henda o título de "Filho querido do povo angolano e combatente heróico do MPLA".
Uma assembleia que congregou, em Cabinda, há anos, várias associações juvenis, algumas das quais de partidos políticos, filiados no Conselho Nacional da Juventude (CNJ) determinou que o 14 de Abril continuaria a ser o Dia Nacional da Juventude Angolana.


Pensar e Falar Angola

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Quem foi Simão Toco

Você sabe quem foi Simão Toco?
Simão Gonçalves Toco nasceu em 1918 na localidade de Sadi-Zulumongo (Ntaia, Maquela Do Zombo, província do Uíge, Angola), tendo recebido o nome kikongo de Mayamona. Após frequentar o ensino primário na missão baptista de Kibokolo, concluiu os estudos liceais no Liceu Salvador Correia em Luanda. 
Por esta altura, terá havido um acontecimento  que chamaria de milagroso e que terá despoletado a sua missão religiosa: o encontro com Deus em Catete (Abril de 1935). 
Regressa ao Uíge para trabalhar nas missões baptistas de Kibokolo e Bembe. Em 1942, decide partir para Leopoldville (Congo Belga) para colaborar com a missão local e dirigir um coro musical com cantores zombos, oriundos da mesma região que ele (Maquela do Zombo). A este coro dará o título de Coro de Kibokolo.
Em 1946, graças ao trabalho que lhe fora reconhecido no âmbito da missão baptista e do coro, foi convidado, juntamente com outros (Gaspar de Almeida e Jessé Chipenda Chiúla) para intervir nos trabalhos da Conferência Missionária Internacional Protestante, realizada de 15 a 21 de Julho de 1946, na localidade de Kaliná em Leopoldville (actual cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo). Nesse momento, dirige uma prece onde pede para o Espírito Santo descer em África.
Tal prece é atendida a 25 de Julho de 1949 quando, após um desentendimento com a Missão Baptista de Leopoldville, decide convocar uma vigília de oração na sua residência (rua de Mayenge, nº 159). 
Naquele momento, segundo contam os presentes, sentiram um vento e começaram a tremer, realizando milagres invocando algumas passagens bíblicas.
Este momento é assumido pelo tocoísmo como o momento em que o Espírito Santo desceu em África e a igreja cristã foi “relembrada”, de forma a retomar o caminho da igreja original do tempo dos Apóstolos. É portanto a data da fundação do movimento tocoísta.

Após estes acontecimentos, Simão Gonçalves Toco e muitos dos seus seguidores foram presos pelas autoridades belgas, sob a acusação de alterar a ordem pública. 
Em Janeiro de 1950, são deportados do Congo Belga e entregues, no posto fronteiriço de Nóqui (província do Zaire), às autoridades portuguesas. Estas procuram dar por terminado o movimento daquilo que consideravam ser uma “seita perigosa”, dividindo o grupo em pequenos grupos que serão dispersos, no âmbito da política de povoamento colonial vigente à época, 4 em distintos colonatos e campos de trabalho forçado por toda a colónia. O líder é enviado numa primeira instância pelo Vale do Loge e, após passagens por Luanda, Caconda e Jáu, é enviado para a Baía dos Tigres, na província de Moçâmedes (hoje Namibe). Pouco tempo depois, é enviado para trabalhar como assistente num farol em Ponta Albina, na mesma região...


Pensar e Falar Angola

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Luanda, era uma vez na Baixa

Luanda, era uma vez na Baixa

Rui Ramos
5 de Outubro, 2019
Ao domingo, entre o largo do Baleizão e a Lello, a avenida Rainha Njinga, antiga avenida dos Restauradores, transforma-se numa pista.
Apesar da sua proximidade com a principal esquadra da Polícia Nacional, a larga via não é patrulhada nem possui qualquer sinalética horizontal, num vasto percurso, nem passadeiras para peões. Quando cai a noite, um grande troço mergulha na escuridão por ausência de iluminação pública, mas ao lado do degradado e agora entaipado Baleizão a iluminação funciona sempre em quatro postes, dia e noite. No lado oposto, há troços sem iluminação, que só surge lá no fundo, nas imediações da empresa francesa Total.
Não é raro ver-se, aos domingos, carros e motorizadas a alta velocidade e jovens a patinar nas faixas, tudo num zigue-zague despido de temor no meio de centenas ou milhares de jovens que vão ou vêm da Ilha a pé e passam rapidamente pela “cidade” ao encontro dos seus bairros. É a rua que liga a Fortaleza de S. Miguel, hoje Museu Militar, e anfitriã do centro comercial Fortaleza, ao centro da cidade. A encosta da fortaleza já foi poiso de macacos nos tempos idos do colonialismo e a rua que a circunda lugar de namoro romântico.
O centro de Luanda onde imperam os altaneiros e novéis prédios da Sonangol, em vias de ser privatizada, a antiga livraria Lello, hoje fantasmagórica, o largo da Portugália, onde os portugueses faziam câmbio paralelo, com as suas duas árvores-avós, o prédio da Biker - ainda com alguns serviços, como a Foto Ngufo, e com um “restaurante típico", fechado com chapas e onde ratos e insectos convivem com o povo real que aí almoça por mil kwanzas, num ambiente “apocalíptico” -, que já albergou mesas de snooker e ambiente de tertúlia de jornalistas, outros tempos, pré-históricos, de que não restam escritos. Ali ao lado destruíram o largo e edificaram dois blocos de vidro com dezenas de andares, onde trabalha uma classe burocrática nacional-expatriada.
Mas a grande avenida não se detém, na esquina onde era a Sonylândia e hoje é um banco, estreita-se, a Moviflor portuguesa substituiu o luxuoso Quintas & Irmão, cujo dono permaneceu na Independência, mas viu a sua casa ocupada ilegalmente, e o fundo da rua desemboca no Eixo-Viário, uma obra feita pelo colonialismo português, que liga o Kinaxixi à Marginal e ao Miramar, hoje quase toda castanha e sem verdura, com iluminação aqui e ali.
As árvores começaram a ser arrancadas em 1975, quando começou a faltar o carvão para cozinhar, e o Largo do Ambiente é frio, nada acolhedor, quase escuro e sem presença humana. Eixo-Viário do antigo Benfica de Luanda do Victorino Cunha, onde os portugueses plantaram verdura nas barrocas e a Independência construiu arranha-céus da Sonangol e de outras empresas estatais majestáticas. Os abandonados e degradados edifícios coloniais, com janelas com persianas, são na maioria “fantasmas” mudos e quietos, desafiando o futuro da capital.

Um mundo novo
Os colonos foram embora e o Estado tomou conta das suas propriedades, expropriou e começou a vender a si próprio ao desbarato. Os elevadores foram destruídos e transformados em contentores de lixo, os corrimãos das escadas desapareceram, divisões e mais divisões foram construídas sem qualquer plano ou segurança para albergar familiares vindos dos bairros e do mundo rural, nada oferecido, tudo pago.
Os quintais foram apropriados por quem chegou primeiro e transformados em autênticas “pensões residenciais” surreais, com divisões precárias e sujas alugadas a bom preço, 40-50 mil kwanzas mensais, porque estão na cidade e Luanda é a cidade mais cara do mundo. Os quintais, ou melhor, os cubículos também são alugados ao dia às zungueiras para guardarem as mercadorias que não conseguem carregar para os seus casebres nos bairros.
Mas não só, os quintais são pontos de grande tráfego comercial, sobretudo, de bebidas alcoólicas, quem os detém há mais tempo usufrui de tudo o que pode acrescentar dinheiro sem muito trabalho.
Os terraços não existem. Em seu lugar surgiu uma miríade de cubículos, muitos de chapa, sem água e quase sempre com luz puxada de gatos e paga mensalmente a alguém, alugados por quem chegou primeiro ao prédio e se diz “dono”. O luandense é manso. Quando lhe falam “o dono”, se cala, se ajoelha, submisso, e paga, mesmo que o dinheiro não seja o seu, e depois diz em voz baixa “está mal”.
Sem árvores
Só se encontram árvores com troncos muito grossos, sinal de longa vida, árvores coloniais, no Largo do Atlético, hoje largo sem nome definido, mas que 44 anos após a proclamação da Independência continua a celebrar a batalha de Ambuíla, que ditou a perda da soberania do Reino do Congo e a decapitação do rei, cuja cabeça foi transportada para a ermida da Nazaré, na Marginal, que este ano comemora 355 anos. Um largo agora fechado e em obras sem prazo. As vendedoras dizem-me que passou para a propriedade do banco BCI, "se apropriaram", diz-me um jovem que todos os dias me pede dinheiro para comer.
Do BCI não é o urinol da esquina, que não funciona, nunca funcionou. Importado a peso de ouro do Brasil, a “casa de banho” faz parte de outras talvez centenas espalhadas pela cidade que nunca funcionaram. Ninguém conhece os contornos do negócio, apenas se sabe que nunca funcionaram, nem se conhece ninguém que tenha lá dentro urinado.
O Rialto já não existe, só ficaram as saudades dos apetitosos pregos com jindungo e os finos tirados com a pressão exacta. Em seu lugar, recentemente, foi construído um alvo Monumento ao Soldado Desconhecido. Os jovens não sabem o que isso seja, imaginam, segundo me disse um jovem na rua, ser um soldado sem registo de nascimento.
Ali ao lado estão os Correios, já centenários, mas de que ninguém parece tirar utilidade. Perguntámos a um jovem, vagabundeando por ali, o que são os correios. Ele olhou, tranquilo e respondeu muito sereno “não sei, pai”. Ninguém sabe nada, aqui nesta cidade. Também não precisam de saber. O tempo parou, sitiado entre a madrugada das 6 horas e o pôr do sol das 18 horas, vaivém, a cidade se povoa e despovoa, aqui se faz tudo, mas ninguém é daqui, as pessoas desabitam aqui, por isso não há tempo.
As fugitivas da Independência
Os extremos da extensa avenida Njinga ou Jinga ou Nzinga ou Ginga são dominados pelo banco estatal BPC, a agência Kaponte e a agência lá do fundo perto do Eixo Viário, ao lado da Unitel. Ninguém sabe o que é Kaponte, os jovens, desempregados, não sabem nada, não lhes diz respeito. Mas Kaponte pode ser uma pequena ponte, aquela ponte que liga à Praia do Bispo e onde se mataram, dizem, brancos desesperados com dívidas ou com desamores, naqueles tempos remotos.
Lá dentro do BPC, para onde os mais velhos espreitam, diz-nos o jovem Mbambi, nunca há sistema nos computadores, especialmente, reforça, depois das 14h-14h30. Os funcionários querem ir para casa e não toleram ser retardados por clientes sem dinheiro, mas com problemas complexos deles, de primos e tios que obrigam a consultas demoradas.
Lá fora, um mundo mudo, ninguém fala, toda a gente parada sentando-se onde pode. É o mundo das kinguilas, as cambistas de rua, as verdadeiras bancárias do sistema, que também vendem recargas da Unitel, são dezenas largas de mamãs opulentas, vigilantes, carregadas de kwanzas e de divisas, inexistentes nos Bancos. A operação Transparência não lhes toca, parecem da família. Só dão corrida nas pobres zungueiras que povoam a Baixa durante o dia, sempre com um olho aqui outro ali, já estrábicas, tipo ciganas na Europa, prontas a correr em defesa da mercadoria. São as fugitivas da Independência.
Mas é também o mundo dos pensionistas, centenas, ou milhares todos os dias desde manhã cedo, ainda quase escuro e ao som dos primeiros pio-pio dos agora raros pardais, seres ainda vivos se abeirando do óbito, tentando ver se a pensão já caiu. Não têm cartões multicaixa, levam um papelinho muito gasto ao balcão com nome e número da conta para averiguar. Começam a entrar às 8h00 e só param no início da tarde, comendo poeira e fome.
A burguesinha, essa, trabalha nos Bancos enquanto não há despedimentos. Fatinhos com calças e casacos apertados, elas com boas roupas oferecidas por não se sabe quem, com vestidos parecendo que estão na “City” de Londres. Em comum, têm a vaidade, a arrogância, a jactância, a mente vazia. Não dão confiança aos pobres, aos sujos, como que para enxotarem a sua consciência. Ah, os burguesinhos da Sonangol também não se misturam. Mas às 12h00 eles ficam com água na boca, quando os inexistentes aparecem no muro baixo com dezenas de recipientes de alumínio com almoço para venda, cada mil.
Os pobres? Estão por todo o lado na Baixa de Luanda, imóveis. Pobres, é uma maneira de escrever, porque nem mesmo todo o dinheiro do mundo os tiraria da pobreza, porque, na verdade, têm medo da riqueza, assusta-os, não saberiam o que fazer com ela. Como se a pobreza fosse já uma tatuagem na pele.
Mundo dos pescadores deu lugar à nova Ilha
A Ilha, de um lado e de outro, onde o Sol nasce e o Sol se põe, era o mundo dos pescadores, um povo que nunca se misturou com os continentais. Os homens, de panos, vinham à cidade dos brancos à tarde, vender ostras e eram exímios nadadores. Não se sabe como a Ilha de Luanda se degradou, foi rápido. De repente a Floresta foi invadida pelo lixo, por rapazes e delinquentes, pela Polícia Fiscal e por barcaças transformadas em empresas.
O hotel Panorama, único no mundo onde os quartos virados para o oceano eram mais baratos do que os quartos virados para a cidade, ninguém sabe como foi destruído, ninguém sabe de nada. Lá dentro há quadrilhas de miúdos, sobrevivem dia-a-dia, entre cheiro de gasolina, liamba e outros acessórios de morte, fugindo à Polícia que os vai rusgando de vez em quando.
Assim, sem mais nem menos, os afortunados conseguiram boas casas. Foi só mandar fazer obras com o dinheiro do OGE. Outros, amancebados com o poder, construíram prédios que noutras partes do mundo são proibidos junto à praia. Os primos começaram a pedir para abrir bares e restaurantes. “São meus primos”, disse-me alguém, “que podia fazer senão autorizar?”.
Há muitos anos, a Ilha estava dividida. As praias não eram universais, havia as dos brancos e a dos “patrícios”.O Harlém era em frente da Marinha e os brancos não punham lá os pés, não se misturavam. Depois passou para os soviéticos que estavam na Marinha, iam todos de igual nadar.
No fundo da Ilha, de um lado e do outro, no Cabo e na Chicala, podia-se namorar dentro do carro, mesmo em 1980 havia segurança. À noite podia-se romantizar, mas depois tudo mudou. Os namoros foram para outros lados; o Cabo foi entaipado com obras, já não se chama assim, é o “Ponto Final”. A Chicala já não tem a rotunda nem asfalto e foi tomada por populações que sobrevivem de muitos negócios, desde venda de peixe, mufete, prostituição e, curiosamente, golpeando veleidades turísticas, o parque de recolha de viaturas do Governo Provincial de Luanda assentou arraiais na Praia do Sol, onde nós íamos com as nossas namoradas nos idos 1960.
Hoje, já ninguém fala dos pescadores. Parece que foram tragados pelo mar. Diz-se "vamos à Ilha comprar peixe", mas não se diz a quem se compra, é a alguém indefinido. Na Ilha, hoje, coexistem sem se misturar os portugueses com as suas praias quase privadas e milhares de jovens que deambulam sem sentido, bebendo cerveja ou convivendo apenas, enchendo todos os espaços ao fim de semana e semeando as praias com cacos de garrafas de cerveja.
A Ilha descaracterizou-se, está entaipada. Do lado direito, infindáveis muros de chapa escondem as praias e a Baía, de noite, longos percursos da avenida estão ás escuras e não é agradável. De repente, encaramo-nos com as rotundas sem iluminação. Mas imperam os restaurantes de luxo, de um lado e de outro, com animação nocturnas, mas sem saneamento básico, tudo improvisado, come e os restos deita no mar.
A Baixa
A Baixa de Luanda sem a Marginal não teria norte, já não tem o Porto Pesqueiro frente ao Banco Nacional, nem o Mercado Municipal. Mas ainda tem a Alfândega, a Marinha e a Polícia, convivendo com arranha-céus dignos de um Abu Dabi, com auto-saneamento e auto-energia, onde vivem ou trabalham exemplares da classe alta burocrática, despachando com tranquilidade os expedientes, porque aqui não há pressa para nada.
Para o interior, as ruínas dos armazéns do Minho, onde as senhoras brancas iam comprar tecidos e vestidos, um mundo que se extinguiu, só sobrou o Mabílio Albuquerque que vende “coisas”. A Baixa de Luanda é um extenso e intenso “musseque”, tudo está ocupado, parece que as poucas árvores poluem, cortam-se, ocupam lugares que podem ser rentabilizados pelos miúdos vindos do fim do mundo e que tomaram conta das ruas durante o dia, arrumando e lavando os carros, com “puxadas” de água gratuita da EPAL.
Rainha Njinga, a estátua, enorme, jaz à entrada da fortaleza, à espera que os arranha-céus do Kinaxixi, onde eu já vi uma grande lagoa com uma mafumeira e um majestático mercado de frescos verdadeiros, vindos das hortas da cintura de Luanda, sejam pagos, um dia, um dia, como os portugueses dizem, de “são nunca”.
Avenida Rainha Njinga, que podia ser uma metrópole, mas que em dias de enxurradas se transforma em rio lamacento, lançando água na Baía, rua da dança capoeira dos domingos à tarde, dos candongueiros para os “congolé”, das zungueiras em frente da Sé, que deixou se ser Sé, mas mantém a travessa, vendendo fruta, tambarindos, maçâs da índia, loengos, gajajas, caju, mangas, mulheres sem sorriso sentando no fio do muro ou na pedra para endurecer os interiores, fugindo, fugindo dos fiscais da Administração, submissas, a sua mente se organizou há muito, netas dos rusgados dos cipaios do chefe do posto Poeira.
As galerias Kibabo abriram onde era a antiga, luxuosa e branca Versalhes, agora também dirigidas por brancos, um mundo de compra e venda de tudo: plásticos baratos, pequenos empregos que mal dão para apanhar o candongueiro. Mas a actividade comercial atraiu também um enxame de rapazes sujos, de cabelo a ficar russo, que enfrentam tudo e todos os poderes para ficarem na porta, pedindo esmola para o pão ou para os pais ou para outras coisas.
Há muito, muito tempo, a Baixa era apropriação de uma parte da população branca. A população negra vinha dos bairros, a pé ou de autocarro, trabalhar nas fábricas, nas lojas e nas casas. Muita gente passava a correr pela pensão Fomentadora, no Kinaxixi, para comer uma grande sandes de peixe frito e uma grande caneca de café muito açucarado. Pré-História.
No dia da Independência, no próprio dia, a Baixa transfigurou-se, parecia não existir, nem uma só alma nas ruas, sentia-se medo pela solidão, tinha sido o mundo dos brancos, que de repente foram embora. Quem primeiro se apropriou nos novos tempos da Luanda africana foram os “regressados do Zaire”, invadiram tudo, criaram a venda parada no chão das ruas, não era raro encontrá-los na Mutamba, de manhã, em pijama, na rua. Todo o mundo queria sair dos bairros e viver na cidade do asfalto. Mas era um mundo estranho, não era do povo, era algo que se plantou ali, vindo de fora.
Que futuro?
Sem transportes públicos, sem uma malha comercial digna desse nome, sem saneamento básico conhecido, com escassos minimercados, sem um mercado de frescos, nem sequer uma livraria digna desse nome, a Baixa, e sobretudo a sua parte central, a extensa avenida Rainha Njinga é a parente pobre da Marginal, reconstruída e embelezada pela Independência.
Aí coexistem as classes mais altas e as mais baixas, como dois mundos intocáveis. A degradação do entaipado prédio do antigo “Diário de Luanda” contraria os arranha-céus de vidro, que parecem redomas extraterrestres numa Luanda que precisa de ar, de vento, de céu. Nos becos, também há becos e contrabecos desaguando na Rainha, mil negócios silenciosos. A liamba instalou-se num trono de que não abdica, imperando nos lados dos degradados Coqueiros, outrora coqueluche dos brancos.
Há um plano director, dizem, mas tudo tem plano director em Angola, tudo tem “desiderato” e tudo vai acontecer “brevemente”. O futuro é, pois uma incógnita, como o “X” de uma equação simpels, mas que se complica pela incompetência, pelo laxismo, pela corrupção transversal à sociedade. Por trás de um aparente modernismo, toda esta vasta zona, outrora “chique”, alberga centenas de milhares de pessoas em cada canto, casebres construídos dentro de outros casebres.
Já não há terminal de autocarros digno desse nome na Mutamba. O poder agora é dos candongueiros e dos “corolas”, pão e cerveja de muitos lares. Em plena Rainha Njinga, sim, funciona a “Mutamba”, na esquina frente à Embaixada da Guiné, candongueiros de e para os subúrbios. Tentaram “colocar” mini-autocarros, mas só os vi um dia.
O que vai acontecer a tantos edifícios degradados no tempo colonial? Como será a cidade de Luanda daqui a 20 anos? O futuro a quem pertence? Quem agarra nele com coragem e sem medo? Os “velhos luandenses” estão em risco de extinção. Em seu lugar, uma multidão dessincronizada de jovens, “por enquanto jovens”, imigrantes, vindos de todo o lado, que de Luanda só sabem que têm de ganhar o pão nosso de cada dia e, utopicamente, um emprego.



Pensar e Falar Angola

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Discurso do Senhor presidente

Discurso de Sua Excelência João  Lourenço, Presidente da República de Angola, no Conselho de Relações Exteriores dos EUA

Nova Iorque, 23 de Setembro de 2019

-Senhores Altos Dignitários do Conselho de Relações Exteriores dos EUA,

-Ilustres Convidados,

-Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Agradeço o amável convite que me foi endereçado pela direção desta prestigiosa organização que se dedica à reflexão e ao estudo de temas sobre política internacional, para falar da nova Angola que estamos a construir, com a expectativa de que consigamos transmitir uma mensagem que vos leve a construir uma visão positiva sobre o nosso País.

                  Está a realizar-se em Angola, com a participação de políticos, da sociedade civil, da população em geral e do Executivo, um esforço de mudança por via do qual pretendemos colocar o país, tão rapidamente quanto possível, no mesmo patamar em que se encontram as nações empenhadas em promover o progresso, o desenvolvimento e o bem-estar dos seus povos, através de boas práticas de governação.

                  Temos conseguido resultados significativos no processo de transformação do país, que se vem preparando a cada dia, para realizar os seus grandes interesses em articulação com os seus principais parceiros internacionais, de que fazem parte na primeira linha os Estados Unidos da América.

                 Apesar dos grandes avanços verificados no relacionamento político-diplomático entre Angola e os EUA, achamos que continua a existir um défice de conhecimento da parte norte-americana em relação ao programa que o meu Governo tem vindo a realizar.

                   Esta é uma oportunidade soberana para colmatar esse défice e para falarmos sobre as medidas que estamos a adoptar para superar alguns vícios do passado e para empreender reformas que restituam à nossa população a esperança num futuro melhor.

                  O programa de Governo que mereceu há dois anos a aprovação da grande maioria dos eleitores nas urnas tem vindo a ser implementado com resultados positivos.

                  Para a mais fácil implementação desse programa tem sido importante a colaboração construtiva de sectores públicos e privados e da sociedade civil angolana, que voltaram a acreditar que, através dele, os seus direitos e interesses podem ser defendidos e salvaguardados.   

                 Estamos a implementar um conjunto de medidas que se inscrevem num Plano do Executivo sobre o desenvolvimento de Angola, que assenta em alguns eixos fundamentais como o desenvolvimento económico sustentável, a boa governação, a integração regional e internacional, o desenvolvimento das infraestruturas.

                   Para a sua concretização, torna-se necessário atrair investimento estrangeiro para a nossa economia, a fim de a diversificar, aumentar a nossa produção interna e assegurar assim o aumento das exportações de bens diversos.

                 O Governo angolano está a tomar medidas enérgicas para combater e inibir a corrupção, para que Angola melhore as suas práticas de governação, no âmbito das normas que vigoram nos Estados Democráticos e de Direito.

                 Está também a trabalhar para implementar novas medidas de combate à lavagem de dinheiro e para recuperar activos que foram transferidos ilegalmente para países estrangeiros.

                 Para levar o seu programa a bom porto, o Governo angolano sabe que não está sozinho. Contamos com a assistência técnica do FMI e do Banco Mundial, de quem beneficiamos também de financiamentos.

                 Temos um forte apoio dos nossos parceiros internacionais, como os Estados Unidos da América, que continuam a prestar um importante e vital contributo à economia nacional, particularmente o Tesouro americano na assistência ao Ministério das Finanças, Ministério do Interior, Banco Nacional de Angola e à Unidade de Informação Financeira UIF com relação ao complience, combate ao branqueamento de capitais e combate ao financiamento ao terrorismo.

Senhores Dignitários do Conselho de Relações Exteriores,

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Por muito tempo, o potencial de Angola ficou refém de uma economia centralizada, com um peso excessivo do sector público, tendo se iniciado um novo caminho em direcção à sua restruturação e adequação aos modelos bem-sucedidos e capazes de garantir a sua credibilidade, sustentabilidade, transparência e prosperidade, privilegiando o sector privado da economia.

               Duas das primeiras etapas desse caminho foram necessariamente o combate aos comportamentos nocivos à sociedade, o fortalecimento dos direitos e das liberdades fundamentais dos cidadãos onde já se registam importantes conquistas.

                Destacamos a prevenção e repressão dos crimes de corrupção e a reformulação do Código Penal de Angola, com vista a incluir um novo capítulo sobre crimes económicos e financeiros com punição mais severa por corrupção activa e passiva.

                  A Justiça angolana tem estado a investigar, a processar e a condenar altos funcionários por corrupção e o Conselho de Ministros aprovou recentemente uma nova Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro, elaborada em estreita colaboração com o FMI e que será aprovada pela Assembleia Nacional antes do final do corrente ano.

Senhores Dignitários do Conselho de Relações Exteriores,

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

As reformas que estão a ser implementadas têm por objectivo adequar Angola aos princípios sobre os quais se fundam o funcionamento dos Estados modernos para tornar a economia mais competitiva e atractiva ao investimento privado em Angola.

                 Essas reformas difíceis mas necessárias, estão a começar a diminuir o envolvimento do Estado na economia, a aumentar a transparência, a reduzir os riscos fiscais, a diversificar a economia, a gerar desenvolvimento liderado pelo sector privado, numa palavra, a melhorar o ambiente de negócios e investimentos no país.

                  Entre essas medidas, destaca-se a nova Lei de Investimento Privado, que permite que os estrangeiros invistam em Angola sem ter necessariamente um parceiro local se assim o entenderem, a introdução do IVA já dentro de uma semana e que vai aumentar as receitas fiscais não-petrolíferas, e um ambicioso programa de privatizações.

                 Esse programa, que tem por base a nova Lei das Privatizações e contou com a ajuda do Banco Mundial, prevê a privatização de quase duas centenas de empresas, subsidiárias estatais e outros activos públicos, por meio de concurso público, leilão público ou venda em bolsa.

                 Entre elas está a empresa estatal de petróleo, a Sonangol, que está a implementar um programa para alienar alguns dos negócios fora do seu core business e reduzir a sua participação em blocos de petróleo.

                 Haverá, assim, muitas oportunidades de investimento numa grande variedade de indústrias, incluindo telecomunicações, agricultura, companhias aéreas, bancos e instituições financeiras, energia, fábricas têxteis, transporte e outras infra-estruturas.

                Apelamos ao investimento privado americano em todos esses ramos da economia, na agricultura, nas pescas, na construção de autoestradas, na exploração e transformação de minerais como os diamantes, o ferro, o ouro, no turismo, nos concursos de concessão da gestão de portos, caminhos de ferro e aeroportos.

                  Em todo este processo, temos vindo a interagir com mais regularidade e a um nível consideravelmente mais alto com os EUA, tendo assinado vários instrumentos de cooperação nos domínios da Defesa, do Tesouro e do Eximbank, e tomado boa nota da estratégia da administração Trump para África, em cujo contexto vemos muitos interesses comuns.

                 O Executivo angolano considera assim o aumento do investimento norte-americano em Angola como uma componente-chave dos seus esforços de reforma económica com vista à construção de uma nova Angola, assente numa economia mais inclusiva e destinada a melhorar o bem-estar da grande maioria do povo angolano.

               Estamos conscientes que os resultados das reformas em curso levarão ainda algum tempo a ser alcançados, mas acreditamos que, com o apoio dos nossos parceiros internacionais, em especial de países como os EUA, conseguiremos alcançar os objectivos almejados.

               No âmbito da política de restruturação da economia nacional, temos desenvolvido para além das acções já referidas, um conjunto de outras no capítulo da estabilização macroeconómica que permitem a flexibilização da taxa de câmbio, tendo-se passado para um sistema de câmbio flutuante com a perspectiva de se reduzir a pressão exercida sobre as reservas internacionais líquidas, a qual pretendemos manter a um nível que reforce a sua condição de importante indicador de confiança para o contínuo acesso do nosso país ao mercado financeiro internacional.

                Estamos a aplicar estas medidas e outras que lhes estão associadas tomando como referência os resultados positivos que as mesmas produziram em outras economias com características similares à de Angola, com a intenção de se alcançar uma maior competitividade da moeda nacional, de se estimular a produção nacional e o investimento privado nacional e estrangeiro.

Senhores Dignitários do Conselho de Relações Exteriores,

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Angola está inserida em duas importantes regiões geopolíticas, a África Austral e a África Central. Consciente de que a paz e a estabilidade são indispensáveis para se garantir a segurança e o desenvolvimento sustentável dos países que as integram, Angola tem dado um importante contributo para a resolução dos conflitos aí existentes.

                Angola tem assumido um papel activo no fomento do diálogo construtivo e pacífico entre as forças desavindas, pugnando sempre pelo respeito pelo Estado de Direito e pelos legítimos interesses de todas as partes envolvidas.

               Assim aconteceu, por exemplo, em relação à República Democrática do Congo, à República Centro-Africana, ao Leshoto e à Região dos Grandes Lagos no geral, onde o papel de Angola tem contribuído para a instauração da paz e da segurança.

              O mais recente caso de facilitação de Angola, que colocou os Chefes de Estado do Rwanda e do Uganda frente a frente a assinarem em Luanda um Memorandun de Entendimento, é prova disso e já está a dar seus frutos.                Teve lugar há dias em Kigali a primeira reunião ministerial bilateral testemunhada por Angola, onde se abordaram questões concretas que conduzirão à reabertura da fronteira comum dentro de sensivelmente um mês.

                 Há em Angola uma sensibilidade muito grande para questões relativas à paz e, por isso, sentimo-nos sempre impelidos a colocar o capital de experiência adquirido com a resolução do nosso próprio conflito, ao serviço da paz no continente africano, procurando invariavelmente com o consentimento das partes, e com a colaboração de importantes actores internacionais como é o caso dos Estados Unidos da América, idealizar soluções africanas para os conflitos com que o continente ainda se debate.

                Fiel a esse espírito, acaba de decorrer na capital angolana a primeira edição da Bienal de Luanda, uma iniciativa do Governo angolano, apoiada pela UNESCO e pela União Africana, destinada à prevenção da violência e dos conflitos e à consolidação da paz.

                  Uma vez mais Angola pretende dar o exemplo de estar empenhada numa cultura de paz, promovendo um movimento pan-africano para a afirmação da diversidade cultural e da unidade africana.

               A terminar, reiteramos os nossos agradecimentos pela oportunidade que nos foi dada de nos dirigirmos aos altos dignitários do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos da América.

Muito obrigado!

quarta-feira, 31 de julho de 2019

CELEBRAÇÃO DO DIA DA MULHER AFRICANA

NOTA DE IMPRENSA
CELEBRAÇÃO DO DIA DA MULHER AFRICANA
(31 de Julho, no Auditório da Faculdade de Letras)


A Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto realiza no dia 31 de Julho do corrente ano, a partir das 10h00, no seu Auditório, em Luanda, Rua Salvador Allende, nº 12, uma palestra subordinada ao lema: Mulher Africana: Retractos, Actos e Cenas”, no âmbito da comemoração do dia da Mulher Africana.

Tratando-se de uma data em que se homenageiam as mulheres africanas, serão oradoras as docentes da Faculdade. Para além do ciclo de palestras, vários momentos marcarão a referida efeméride, nomeadamente a apresentação de experiência profissional pelas funcionárias, desfile com trajes africanos, exposição de moda e outros atractivos.

A referida actividade enquadra-se no âmbito das actividades científicas programadas e tem como objectivo destacar o contributo da mulher para o desenvolvimento socioeconómico do Continente Africano.

Departamento de Informação Científica e Documentação da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, 30 de Julho de 2019.

O Chefe de Departamento
Me. Jordão Caculo


Pensar e Falar Angola

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Hoje me apetece fazer opinião

Hoje me apetece fazer opinião. Não faço questão de ser político ou enaltecedor de qualquer politico ou regime. Hoje, relendo notícias, observando comentários e vendo finais de novelas reais, sinto-me sequestrado pela amargura, decepção, impotência e contorcionista de malabarismo de uma classe política que se vê como omnipotente, omnipresente e intocavelmente de bem com a vida. Os comentários variados da classe anónima que durante anos bajulou, enalteceu e deu vivas, como num jogo de futebol, carregados de paixão só vêem o que lhes interessa, os que lhes faz feliz, esquecendo o obscuridade de pequenos actos clandestinos que sempre foram fazendo no equilíbrio do trapezista circense.
Ontem criticavam A e B por terem feito, inalteciam Ce D por que não fizeram, hoje todo o alfabeto parece ter entrado na idade média da decadência, na idade do ferro da contracorrente.
Hoje apetecia-me ser surdo e cego e não ver as cambalhotas dos contorcionistas nem o toque do tambor dos oportunistas.
Creio na justiça e na maturidade.


Pensar e Falar Angola

sábado, 15 de junho de 2019

Discurso do Presidente do MPLA no VII congresso

Discurso de abertura do VII CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DO MPLA, proferido pelo Camarada João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente do MPLA.

-Caros Camaradas do Presidium

-Camaradas Delegados ao VII Congresso Extraordinário do Partido

-Camaradas militantes, amigos e simpatizantes do Partido

-Estimados convidados

-Povo angolano

O MPLA, maior força política nacional vencedora das eleições gerais de Agosto de 2017 com uma maioria qualificada no Parlamento, realiza hoje o seu VII Congresso Extraordinário num ambiente de paz e de concórdia nacional, tendo contudo grandes desafios por enfrentar e superar.

Gostariamos imenso de ter entre nós a presença do Camarada José Eduardo dos Santos, que ao longo de 39 anos conduziu o MPLA nos momentos bons e maus e hoje é o Presidente emérito do nosso Partido.

Muito se falou e especulou sobre a real necessidade da realização deste Congresso, cujo objectivo principal é sobretudo o de alargar a composição do Comité Central, de forma a torná-lo mais consentâneo com a actual conjuntura de moralização da nossa sociedade, de combate à corrupção e à impunidade, de maior abertura democrática, com reais ganhos no que diz respeito à liberdade de imprensa, de pensamento, de expressão e de manifestação.

Este processo só pode ter sucesso se a Direcção do Partido for reforçada com camaradas realmente comprometidos com a causa das reformas políticas e económicas em curso, que visam criar um verdadeiro Estado Democrático de Direito baseado no primado da lei, uma sociedade mais justa que dê às angolanas e aos angolanos, iguais oportunidades de inserção na sociedade e de sucesso na realização e concretização de seus sonhos.

Vencemos as eleições gerais tendo como lema principal, a necessidade de “Melhorar o que está bem, Corrigir o que está mal”. Palavras muito nobres, bonitas no papel mas em certa medida difíceis, mas não impossíveis de as tornar realidade.

No que diz respeito ao “Corrigir o que está mal”, uma coisa é dizer, é a manifestação de uma intenção, outra coisa é ter a verticalidade moral, a coragem de o fazer realmente sem ceder à pressões, chantagem ou mesmo ameaças.

Os eleitores votaram massivamente no MPLA, porque acreditaram que somos realmente capazes de começar a construir uma sociedade diferente, onde os que têm a responsabilidade de fazer respeitar a Constituição e a lei, sejam os primeiros a cumpri-la para que com seu exemplo eduquem toda a sociedade na necessidade do respeito pelo bem público, da necessidade de todos prestarem contas da forma como gerem o erário público que é propriedade de todos os contribuintes.

É de dirigentes com este perfil, que não esperam encontrar regalias, facilidades e privilégios, que têm a consciência que ser membro do Comité Central exige mais trabalho, mais responsabilidade, melhor conduta social, que o Partido precisa de descobrir e de promover.

Ao elegermos hoje os 134 camaradas, provenientes das listas de precedência do Congresso Ordinário, da JMPLA, da OMA, das Conferências provinciais extraordinárias e da Direcção Central do Partido, o MPLA fez o seu melhor no sentido de alcançar ou pelo menos nos aproximarmos ao máximo do objectivo traçado quando decidimos realizar o Congresso Extraordinário com este propósito.

Realçámos o facto de termos alcançado os 42% para o género e 61% para os jovens com idades até os 45 anos.

Congratulamo-nos ainda com o facto de 125 dos 134 candidatos, terem formação superior, o que ficou acima das nossas próprias expectativas.

Caros Camaradas

Foi no cumprimento das orientações e directrizes do Partido, que o Executivo desde muito cedo se preocupou em tomar medidas de combate à corrupção, de combate aos monopólios e à concentração da riqueza nas mãos de poucos, medidas a favor da sã concorrência entre as empresas, de facilitação do visto de turista e da criação do visto especial do investidor estrangeiro.
Abrimos o país ao mundo e como resultado disso, temos hoje acesso mais fácil à emissão dos eurobonds, aos financiamentos do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial em condições vantajosas, e que ao mesmo tempo passam a imagem de credibilidade da nossa política macro-económica, das nossas instituições financeiras, do nosso Banco Central, enfim do nosso país.

Como resultado disso, o país começa a ter uma outra perspectiva no que ao investimento privado diz respeito. As Conferências internacionais do turismo e do petróleo e gás recentemente realizadas no país, são bem o indicador do interesse que a economia angolana vem despertando junto dos investidores internacionais.

Com o fim do conflito armado que destruiu grande parte das principais infra-estruturas, o país teve necessidade de se endividar bastante para realizar investimento público em estradas e pontes, portos, aeroportos, caminhos de ferro, centrais hidro e termoeléctricas e respectivas linhas de transmissão, centrais de captação e tratamento de água, e outras necessárias ao desenvolvimento económico e social.

Realizou-se um grande esforço de reconstrução nacional, que obrigou o país a recorrer ao endividamento externo situado hoje nos 63% da dívida pública que por sua vez representa hoje 84% do Produto Interno Bruto nacional.

A dívida pública e particularmente a dívida externa, atingiram estes níveis tão altos comparado ao que realmente se investiu nas infra-estruturas, porque ela serviu também para financiar o enriquecimento ilícito de uma elite restrita muito bem seleccionada na base do parentesco, do amiguismo e do compadrio, que constituíram conglomerados empresariais com esses dinheiros públicos.
Com esta situação de injustiça que precisamos corrigir, por cada dólar que despendemos para realizar o serviço da divida, o Estado está também a pagar o investimento “dito privado” na banca, na telefonia móvel, nos media, nos diamantes, na joalharia, nas grandes superfícies comerciais, na indústria de materiais de construção e outros, que uns poucos fizeram com dinheiros públicos.

Não é aceitável e não podemos nos conformar, com o facto de se ter chegado ao ponto de colocar empresas públicas com destaque para a SONANGOL, a financiar também alguns desses negócios privados, como se de instituições de crédito se tratassem.

Se conseguirmos inverter esta situação, batalha ainda não ganha, então com estes e outros recursos vamos combater melhor a pobreza, retirar cada vez mais cidadãos do limiar da pobreza e edificar uma verdadeira classe média com um nível de vida aceitável.

Caros Camaradas

Para fazer os investimentos públicos em infra-estructuras e atender o sector social como a educação, a saúde, a habitação social, a cultura, o desporto e outros, o Estado conta sobretudo com uma fonte privilegiada de receitas” os impostos”, pagos regra geral pelas empresas e pelos cidadãos, vulgo contribuintes fiscais.

Para não penalizar muito o contribuinte, ao longo dos anos foram sendo experimentados e aplicados um conjunto de diferentes impostos, mas foi sempre preocupação dos governos, encontrar e aplicar um imposto que seja o mais justo quer para o contribuinte como para o Estado que arrecada para utilizá-lo para o bem público, no fundo no interesse do próprio contribuinte.

Hoje no mundo, é opinião quase unânime que o mais justo de todos os impostos é o imposto sobre o valor acrescentado ou simplesmente IVA, adoptado pela quase totalidade dos países de economia de mercado e que Angola se prepara para introduzir em breve, tão logo tenha o mínimo de condições de o fazer.

Como tudo na vida, o desconhecido inspira sempre dois sentimentos possíveis, curiosidade ou receio.
A incidência será de apenas de 14%, e não haverá acumulação do IVA com o imposto de consumo que hoje ronda os 30%.

A eventual subida de preços culpabilizando o IVA, não tem razão e fundamento para acontecer, porque se acontecer será apenas por mera especulação de comerciantes especuladores de má fé, com relação aos quais as instituições de defesa do consumidor devem ficar atentas.

Por ser uma novidade na nossa economia, a introdução do IVA será um processo a implementar de forma gradual e faseada, se tivermos em conta que o seu sucesso depende em muito da capacidade que as empresas terão a partir de agora na organização da sua contabilidade.

Uma janela de oportunidade se abre para os estabelecimentos de ensino de contabilidade, e a profissão de contabilista passa assim a ser mais valorizada na nossa sociedade.

Se por um lado não existem dúvidas quanto a pertinência da aplicação deste imposto, por outro deve a equipa económica do Executivo, avaliar o melhor momento para o seu arranque de preferência ainda este ano, tendo em conta um conjunto de factores.

Caros Camaradas Delegados

Estimados Convidados

Realizamos este Congresso Extraordinário sob o lema “MPLA e os Novos Desafios”.

O maior desafio é sem sombra de dúvidas o do aumento da produção interna, o da diversificação da nossa economia, tornando-a cada vez menos dependente das receitas da exportação do crude.

Trabalhamos para o aumento significativo da produção nacional de bens e de serviços com vista a alcançar a auto-suficiência em bens de consumo de primeira necessidade, reduzindo a importação e aumentando a exportação, e com isso a arrecadação de divisas.

Para o êxito deste programa ambicioso e desafiante, a que chamamos de PRODESI, Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações, contamos sobretudo com o empresariado privado nacional e com os investidores privados estrangeiros, para desenvolverem projectos em praticamente todos os ramos da nossa economia com destaque para a agro-pecuária, as pescas, o turismo, os transportes, as diferentes indústrias extractivas e de transformação, as energias renováveis e outras.

Com isso estaremos não só a garantir o aumento da oferta de bens de consumo interno, como também os de exportação como os cereais, a carne, o peixe e o marisco, a fruta, as rochas ornamentais, o diamante, o ouro e outros materiais, como também a garantir o emprego duradouro para os angolanos, para os jovens em particular.

Continuaremos a trabalhar de forma permanente com as associações empresariais angolanas, para em conjunto encontrarmos as melhores políticas que o Executivo deve tomar, que contribuam para o fortalecimento e crescimento do empresariado nacional e garantam o fomento da produção interna e do emprego.

Caros Camaradas

O conflito armado que se abateu sobre o país ao longo de algumas décadas, embora tenha definitivamente terminado já há 17 anos, constitui a principal causa do massivo êxodo rural das populações para os grandes centros urbanos sobretudo do litoral mas não só.

É verdade que a excessiva concentração do poder central, na tomada das decisões administrativas até das mais elementares à partir da capital Luanda, contribuíram também de forma negativa para o abandono a que o interior do nosso país está hoje em certa medida votado.

Constitui por isso um grande desafio para a Nação, para além da implementação do poder autárquico quando houver legislação que o suporte, o resgate da vida dos municípios, de forma a estancar o êxodo crescente das populações, através da criação de melhores condições sociais, oferta de emprego, saúde, educação, mobilidade, água e energia entre outros atractivos.

Com este propósito, o Executivo lançará ainda este mês, o PIIM Programa Integrado de Intervenção nos Municípios, cujos contornos mais detalhados serão conhecidos na devida altura.
Caros Camaradas

Este Congresso embora extraordinário, passará para a história como aquele que melhor cumpriu com a responsabilidade de garantir pelo menos 40% do género nos órgãos de Direcção do Partido tendo mesmo ultrapassado, aquele que mais rejuvenesceu a sua Direcção, aquele que em termos de escolaridade elegeu para o Comité Central mais membros com formação superior.

Este mesmo Congresso, é ainda o que definiu a necessidade imperativa do fomento da produção interna e das exportações, o fomento do emprego, o resgate da vida dos municípios e a ambição de conquistar a esmagadora maioria das câmaras municipais no quadro das eleições autárquicas, como os “Novos Desafios do MPLA” deste meio termo de mandato que nos resta até as eleições gerais.

É caso para se dizer que este Congresso Extraordinário, se constitui numa boa base para a garantia do sucesso do próximo Congresso Ordinário de 2021.

Com estas palavras, Declaro aberto o VII Congresso Extraordinário do MPLA.

Obrigado pela atenção!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

48 º Ano da Casa de Angola em Lisboa

Caríssimos (as)

A Casa de Angola tem-se projetado no tempo e respeitando a história que permitiu chegar a 2019 com momentos de grande orgulho para todos que amam Angola e possuem o espírito da angolanidade Assim, este ano iremos promover um conjunto de atividades, para as quais apelamos a atenção.

Os melhores cumprimentos

Pel' A Comissão da Casa de Angola
Zeferino Boal


Pensar e Falar Angola

terça-feira, 28 de maio de 2019

Contributos para a História


Do Jornal de Angola e com autorização do Historiador Alberto de Oliveira Pinto


ENTREVISTA

“Não há uma verdade única sobre o 27 de Maio”

Isaquiel Cori
Autor de uma já vasta obra sobre história e cultura angolanas, da qual avulta a “História de Angola: da Pré-História ao Início do Século XXI”, Alberto de Oliveira Pinto, doutor em História, traz-nos uma visão do 27 de Maio de 1977, à luz da História. Entre outros tópicos, fala do papel de Agostinho Neto nos acontecimentos daquele fatídico ano.
Fotografia: DR
Vós, historiadores angolanos, tendes a maturidade, serenidade e isenção suficientes para narrar a verdade do 27 de Maio de 1977?
Em História, é sempre mais difícil abordar factos da História recente. O 27 de Maio de 1977 não tem ainda meio-século. Por isso, para mim, é recente ou mesmo contemporâneo. Penso, no entanto, que ao mesmo tempo – parece paradoxal, mas não é - se há uma necessidade em apurar a verdade – ou as verdades – há que deixar falar as pessoas que a viveram e que ainda se encontram vivas. Eu não vivi o 27 de Maio. Tinha 15 anos na época, mas já vivia em Portugal. O 27 de Maio, ao tempo, chegou-me apenas pelos meios de comunicação social portugueses e por alguns familiares que andavam entre Angola e Portugal. Mais tarde, vim a conhecer pessoalmente, em Portugal, muita gente que o viveu e que me transmitiu diversíssimas visões. Houve um período, nos anos de 1994 e 1995, em que realizei no CIDAC (Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral), em Lisboa, uma investigação que se restringiu a ler de ponta a ponta as edições do Jornal de Angola de então, nomeadamente, os discursos de Agostinho Neto e os editoriais de Fernando Costa Andrade (Ndunduma Uelépi). Acabei por não fazer nenhum trabalho a partir dessa investigação e a minha especialidade, como historiador, virou-se, sobretudo, para a história do discurso colonial e para a história cultural angolana. Entre 2012 e 2016, escrevi a “História de Angola”, cuja 3ª edição foi publicada em Lisboa, no passado dia 15. Nela dedico sete páginas ao 27 de Maio. Procurei sintetizar tudo o que recebi de informações de testemunhas, um bocadinho da minha incompleta investigação dos anos de 1990 e, sobretudo, do que apurei com os trabalhos de dois historiadores indubitavelmente autorizados: a infelizmente já falecida Dalila Cabrita Mateus e o meu amigo Jean-Michel Mabeko-Tali, que, além de ser um historiador meticuloso e honestíssimo, é também ele uma testemunha do 27 de Maio, pois vivia em Luanda na época. Foi com orgulho que traduzi para português e posfaciei a versão ampliada do seu livro Guerrilhas e Lutas Sociais. O MPLA perante si próprio. 1960-1977, cuja 2ª edição vai ser lançada em Lisboa, no próximo dia 29.
E já agora, qual é a verdade do 27 de Maio de 1977, à luz da História?

Aí encontramo-nos perante outro paradoxo aparente na actividade de um historiador. Embora eu entenda que um historiador deva pugnar pela verdade, doa a quem doer, nunca se pode dizer que haja uma verdade única. As perspectivas dos homens são sempre diferentes e é isso que dignifica a História e as demais ciências sociais. O importante é que sejamos intelectualmente honestos e prestemos atenção a todas as fontes.
Há consenso, entre os historiadores, sobre a natureza das ocorrências do 27 de Maio de 1977? Foi uma tentativa de golpe de Estado? Um levantamento popular?

Evidentemente que, pelo que acabei de afirmar, não pode haver consenso entre os historiadores. Do meu ponto de vista, houve uma tentativa de golpe de Estado a 27 de Maio de 1977. Quando se ocupa uma estação de rádio e um quartel e se exalta o povo a sair à rua e a marchar até ao Palácio presidencial, estamos perante o quê? Tal, porém, de modo algum justifica a repressão sangrenta que se seguiu.
Há uma dificuldade tremenda em encontrar interlocutores que, à época, estavam em posição de poder. Na sua opinião a que se deverá isso?
O motivo só pode residir no facto de, efectivamente, terem sido praticados crimes na repressão à tentativa de golpe de Estado a 27 de Maio. No entanto, compreendo que certas pessoas não queiram falar e tenham esse direito.
Qual é a explicação para tanta violência, tanta intolerância, associadas ao 27 de Maio?

Não vejo qualquer explicação para a violência e para a intolerância, seja em que circunstância for. Há coisas que, para mim, não têm nunca qualquer justificação, nomeadamente, a violência física e a corrupção.
O MPLA/Estado em 1977 estava envolto num conflito intestino e ao mesmo tempo tinha poderosos inimigos externos, a si e ao país. Como é que o MPLA/Estado se conseguiu manter de pé, num cenário de aparente fragilidade?

Precisamente pelo que acabou de dizer: conseguindo tornar-se um partido-Estado, mantendo-se como tal até hoje e sabendo habilmente adaptar-se às conjunturas históricas internacionais. Ao tempo, estava-se em plena Guerra Fria, também chamada conflito Leste-Oeste. Quer queiramos, quer não, com maiores ou menores divergências, mesmo entre Cuba e a União Soviética, o certo é que o MPLA saiu vitorioso, conseguindo o apoio do Bloco Leste. Penso, no entanto, que o Ocidente também tem qualquer coisa a dizer, porquanto os EUA e os países europeus ocidentais, como a França, nunca deixaram de ter capitais em Angola, no que diz respeito à produção petrolífera e diamantífera.
Algo de que se fala muito e de que se vai falar mais, certamente, é o papel de Agostinho Neto no quadro daqueles acontecimentos. Ele tinha como pôr um travão a tudo aquilo? Era possível?

Conheci pessoas não angolanas – inclusive que nunca estiveram em Angola – e muito isentas que conheceram pessoalmente Agostinho Neto na juventude e que me garantiram que ele não podia ser o autor dos discursos aterradores que proferiu. O certo, porém, acrescentavam, é que Agostinho Neto aceitou lê-los em público. Não sei se Agostinho Neto tinha como pôr um travão, mas, como Chefe de Estado, sem dúvida que teve a sua quota-parte de responsabilidade pelo que aconteceu. É certo que a liderança de Agostinho Neto dentro do partido desde 1962 – e Jean-Michel Mabeko-Tali demonstra-o bem no seu livro Guerrilhas e Lutas Sociais. O MPLA perante si próprio. 1960-1977 – nunca favoreceu o debate de ideias, o que contribuiu muito para o desprestígio de Agostinho Neto depois do 27 de Maio. Inclusive, há quem ponha em causa a sua qualidade como poeta. A meu ver, é um dislate. A obra literária de Agostinho Neto e de outros autores seus contemporâneos é incontornável. Não sendo intocável – pois ninguém o é -, Agostinho Neto é, indubitavelmente, o primeiro chefe de Estado da Angola independente e isso é inalienável. Mais uma vez, segundo a análise de Jean-Michel Mabeko-Tali, um dos erros cometidos por Nito Alves foi precisamente o facto de ter projectado um golpe de Estado mantendo a cabeça do Estado, ou seja, Agostinho Neto.
Acha que faz sentido estar a discutir hoje quem tinha ou não tinha razão?

Ir à procura de quem tinha ou não razão, do meu ponto de vista, não faz o menor sentido. A História não é um tribunal e, por isso, a meu ver, não há nunca, em História, quem tenha ou não razão. Faz sentido, isso sim, é compreender os tempos e as conjunturas, sem nunca silenciar as memórias, esconder ou escamotear o que quer que seja. Debater sempre, enfim. Isso aplica-se a todos os factos históricos, mesmo àqueles que têm séculos ou milénios.
O Presidente da República, João Lourenço, criou por decreto uma comissão para estudar e propor o tipo de homenagem às vítimas dos vários conflitos políticos de 1975 a 2002. O que acha dessa medida?

Acho uma medida acertada. As homenagens são sempre lugares de memória e um Chefe de Estado deve preservar as memórias do seu povo.
Quando escreveu a sua “História de Angola” teve dificuldade em abordar os acontecimentos relacionados com o 27 de Maio de 1977?
Nunca é fácil abordar a História. E as dificuldades que defrontei, já as mencionei. No entanto, penso que o que vale a pena referir é alguns dissabores por que passei, depois de publicar o livro. Por um lado, certos sectores ligados ao poder em Angola (que, evidentemente, não posso identificar aqui) censuraram-me por, alegadamente, ter mencionado um número “excessivo” de mortos no 27 de Maio. Na verdade, os números que apresentei são díspares, uns apresentados por Dalila Cabrita Mateus e outros por Jean-Michel Mabeko-Tali. Nas minhas 7 páginas, não fui muito além de pôr em confronto os dois historiadores, o que entendo perfeitamente plausível num trabalho como o meu livro “História de Angola”, que se pretende de carácter compendiador. Mas, por outro lado, alguns amigos em Portugal, defensores da ideia de que não houve qualquer conspiração nem qualquer golpe de Estado a 27 de Maio, passaram a olhar-me de soslaio, por eu manifestar essa perspectiva e inclusive por ter utilizado, mesmo entre aspas, a expressão “fraccionista”. Insisto na ideia de que, para um historiador, a verdade tem que ser sempre apurada, doa a quem doer. Mas é triste que o nosso trabalho, por vezes, acabe com algumas amizades. E o 27 de Maio é um excelente exemplo.Pensar e Falar Angola