sexta-feira, 27 de abril de 2018

A Pensar no Dia Mundial da Dança

Porque a Cultura faz parte da essência de qualquer País e este BLOG, mesmo em laboração lenta, não quer deixar de manifestar o seu apoio à Companhia de Dança Contemporânea de Angola, não por ser uma apenas uma mais valia importante mas também porque reconhecemos o seu trabalho e vemos nela um trabalho de anos feito.




Em Angola, a dança está cada vez mais em mãos de quem não estudou, não dançou, não sabe coreografar, nunca viu uma peça de dança mas que se auto-denomina  "professor(a)", "coreógrafo(a)", "director(a) artístico(a)", "bailarino(a)", designações que são largamente multiplicadas e repetidas pelos / nos  media, dando a impressão, errada, de que existe uma comunidade de dança activa e culta em Angola. O solo é fértil! Tudo cresce! E enquanto a diversificação da economia não chega (Lollll), as ervas daninhas continuam a tomar conta dos campos!
No que me toca, continuo, na quase marginalidade, a trabalhar com a CDC Angola, companhia histórica, inovadora, a única que faz da dança uma actividade intelectual mas que, também em Angola, não tem merecido o reconhecimento que lhe seria devido em qualquer outra geografia (onde a arte e os artistas, percursores, criadores, etc., são respeitados e não utilizados como "medicamento para o stress"). Vale-nos a confiança e apoio permanentes do Banco e da Fundação BAI e, claro está, do público que nos é fiel.
Continuo, também, a escrever para que um dia a história não esteja vazia neste capítulo e para que as novas gerações (as muito futuras!) venham a saber que houve alguém que não alinhava na mediocridade, defendia a dança como Arte e lutava para que as profissões a ela ligadas fossem dignificadas.
Leiam o texto*, recebam um abraço e aceitem as minhas saudações coreográficas!

Ana Clara

fotos de Rui Tavares

Eis o texto:
COMPANHIA DE DANÇA CONTEMPORÂNEA DE ANGOLA 
Mensagem do Dia Mundial da Dança 
ARTE. PROFISSIONAIS. CRIADORES. ENTRETENIMENTO. DIFERENÇA. FAZEDORES. INTELECTO. LIBERDADE CRIATIVA 
- PONTOS PARA UMA REFLEXÃO - 
Numa data em que se celebra o nascimento do coreógrafo Jean-Georges Noverre, a CDC Angola desafia a sociedade para uma reflexão mais alargada, a qual convoca os propósitos deste teórico francês, ao exigir para a dança um estatuto profissional quando, há quase 300 anos, defendeu a necessidade de um suporte teórico e técnico para os professores, coreógrafos e bailarinos. Embora esta questão seja alvo da nossa insistência propomo-nos, desta vez, realçar um aspecto que esteve subjacente às reformas que Noverre estabeleceu. Ao reivindicar a criação de obras exclusivamente dançadas e com uma linha narrativa autónoma, ele pretendia desviar a dança do papel meramente subsidiário e de artifício que esta possuía dentro dos grandes espectáculos de ópera, o que nos remete para um conjunto de questões como, por exemplo, o significado de Arte e de entretenimento, a diferença entre profissionais e “fazedores” ou o conceito de liberdade criativa. Porque, no nosso país, estes termos estão ainda desprovidos de contornos precisos, é fundamental circunscrever, ainda que de forma resumida, cada um deles. Se o entretenimento tem como propósito a distração e é sinónimo de lazer, a Arte desenvolve-se a nível das sensibilidades, conduzindo-nos a uma redefinição simbólica e levando-nos mesmo ao questionamento sobre a complexidade da nossa própria natureza. Enquanto a Arte, com as suas linguagens codificadas, nos obriga à reflexão, o entretenimento, com os seus padrões fáceis e repetitivos, com os seus lugares comuns popularizados e com todo o aparato de reprodução das indústrias culturais, pretende, justamente, o contrário; enquanto a arte nos leva a pensar sobre as adversidades da condição humana, o entretenimento desempenha a função inversa de nos fazer esquecer os problemas da nossa existência. Resumo 1: se o entretenimento nos inibe o raciocínio, a Arte, pelo contrário, é um desafio ao nosso intelecto. Por seu lado, a diferença entre “fazedores” e artistas profissionais é consubstanciada pela evidência democrática de que fazer cultura é um direito de todos, mas que contrasta com a realidade “elitista” de que ser artista é uma actividade restrita àqueles que, para além de serem naturalmente dotados, potenciam as suas qualidades através de uma formação selectiva que os dota de habilidades especializadas e exclusivas. Fazedores de arquitectura ou arquitectos? Fazedores de direito ou advogados? Fazedores de pedagogia ou professores de várias disciplinas? Fazedores de medicina ou médicos de várias especialidades? Então qual a razão da utilização única deste termo genérico e redutor – que uniformiza, esbate ou elimina as diferenças – e não a especificação de profissionais das Artes onde se distinguem, entre outros tantos, pintores, actores, compositores, bailarinos, coreógrafos e mesmo os técnicos com especializações, ligados ao espectáculo? Apelidar coreógrafos e bailarinos de meros “fazedores” é retirar-nos a singularidade e o orgulho de termos adquirido um conhecimento científico teórico e prático, num dos mais longos e exigentes processos de formação (nunca inferior a 8 anos). Resumo 2: Se, de um “fazedor”, apenas se espera que faça; de um profissional exige-se que saiba porquê e como fazer. Por último, e como defendeu Noverre, para se ser arista criador há que ter, além de uma base cognitiva sólida, um conhecimento profundo e abrangente da natureza humana, dos afectos, dos conflitos, da essência psicológica, acrescentando-se que um criador contemporâneo utiliza as distintas linguagens artísticas para expressar a sua visão pessoal do mundo e dos contextos que o envolvem. Desafortunado é o artista que não possui ideias próprias e que não pode (ou não quer), por pressões de diversa índole, criar livremente sem quaisquer condicionantes. Ser livre é ter a capacidade de poder construir mundos imaginários. E esta liberdade é restrita aos Artistas. O único propósito da Arte é existir; sem quaisquer obrigações ou objectivos a priori. A Arte não se fabrica; ela acontece. O artista é, por natureza, inquieto, insatisfeito, irreverente, mas deve ter “ideias originais”, ou seja, criatividade. Por outro lado, o artista enquanto intelectual deve ser, com as capacidades que possui, um interveniente social. A ele cabe surpreender, abanar, chocar, alertar. Sem o fazer de forma gratuita, espera-se dele a coragem e a responsabilidade de enfrentar, confrontar, produzir um olhar crítico e fundamentado, que leve os outros à vontade de transformar, impedindo a acomodação e a resignação. Resumo 3: Apesar dos conceitos de arte e de artista serem controversos e com graus de abrangência variáveis, é indiscutível que devem passar pelo talento natural, por um saber especializado e por uma nota de genialidade que conferem ao artista o poder de ser livre, único, original e genuíno para criar e partilhar os universos artísticos por si idealizados. O artista pode fazer entretenimento? Sim, mas entretenimento não é necessariamente arte. Os “fazedores” podem fazer arte? Talvez, mas não são profissionais. Todos podem ter ideias geniais? Não e apenas os artistas são capazes de conceber e codificar, de materializar e sustentar obra, recorrendo às diversas linguagens artísticas. Gabinete de Divulgação e Imagem da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, em Luanda, Abril de 2018

Pensar e Falar Angola

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