*Carta do Dr Luís Bernardino a justificar o facto de não ter aceite a condecoração dos 50 anos da Independência*
Cara Dra. Evelize Fresta
Acabo de ler a sua mensagem, e agradeço a sua gentileza em me congratular pela homenagem que me é feita pela atribuição duma condecoração.
Não me compete a mim dar opiniões não solicitadas, muito menos ao Presidente do País, mas sabendo-a militante do MPLA e da OMA , gostaria, ao nível das bases, que conhecessem a minha opinião sobre o assunto, e que eu gostaria de divulgar entre alguns Amigos.
Comemorar os 50 anos da independência de Angola de forma solene e condigna, homenagear personalidades que participaram nas acções de luta pela independência e nas medidas que, ao longo dos 50 anos, contribuíram positivamente para o Desenvolvimento do País, são iniciativas importantes e oportunas. Contudo os procedimentos para esse objectivo pecaram por importantes faltas:
1. Inexistência duma Comissão Nacional e Apartidária, integrada por historiadores e politólogos, que fizessem um estudo abrangente e imparcial dos últimos 100 nos da história de Angola;
2. Em consequência, ausência visível de critérios objectivos para classificação do prémio aos participante da luta da independência(ex.: militância comprovada na luta clandestina; prisão por razões ligada a causas independentistas ou de democracia para Angola na era colonial; participação na luta armada ou relevante papel na sua organização fora do País);
3. Ausência, pelas mesmas razões, de critérios para destacar contribuições ao Desenvolvimento, redundado numa enorme falta de parcimónia e no que se afigura, critérios baseados em opiniões pessoais , subjectivas e circunstanciais.
Vemos, em consequência, nas listas de condecorados até agora conhecidas, o nome de premiados pela luta da independência que não obedecem a nenhum dos critérios acima referidos. Por outro lado, a lista dos que contribuíram para o Desenvolvimento contempla pessoas que, se quisermos ser equitativas para tanta gente que contribuiu no mesmo grau para o desenvolvimento do País, deveria estender-se a milhares de pessoas, com o risco, já existente, de trivializar a condecoração. Aqui devia reinar o principio da parcimónia: ser selectivo e homenagear não mais de 100 (uma média de dois por ano) personalidades que foram indiscutivelmente actores do Desenvolvimento do País.
Sem ser historiador, mas porque estou com 88 anos, tenho conhecimento de muitos casos que se afiguram esquecidos ( exemplo: os participantes dos processo dos 60 , os aderentes da Revolta Activa). Mas elaboro, no que me toca pessoalmente, sobre condecorados ou não condecorados, na minha Família::
1. David Bernardino : foi testemunha de defesa de Agostinha Neto nos anos 1950, em causa estava a luta pela democracia; foi médico em Angola com grande intervenção social em favor da população negra, tendo construído por sua conta, no período colonial um Centro de Saúde num bairro popular do Huambo; na transição para a independência, teve acções de apoio ao MPLA relativamente aos outros partidos; na governação do MPLA defendeu um modelo de Saúde democrático e para toda a população, exerceu acções de organização do sector de Saúde Comunitária, foi director Provincial de Saúde no Huambo e Cuanza Norte e Director do Instituto de Saúde Pública; teve uma importante intervenção cívica durante as primeira s eleições da Angola independente e fundou um jornal. Foi assassinado em 1992 a mando da UNITA na sequência das suas Críticas, à UNITA (mas também criticava o MPLA).
O meu irmão, não obstante a dádiva da própria vida, poderia não reunir todos os critérios que referi para o prémio de Independência, mas seguramente estaria entre os 100 mais destacados autores do Desenvolvimento para Angola
2. Alexandre Dáskalos : nos anos 1940 denunciou na sua poesia a escravatura, o sistema de contrato e homenageou a mulher negra; foi preso no Huambo e mandado para Luanda, com 17 anos de idade, por pertencer à OSA (Organização Socialista Angolana);
O meu tio pode considerar-se, sem dúvida, um precursor da Independência e reúne critério para um prémio da Independência;
3. Sócrates Dákalos : foi fundador dum movimento independentista Angolano (FUA), foi preso e expulso de Angola; procurou organizar o seu movimento no exílio;
O meu tio não está na lita dos condecorados pela luta da independência
4. Jorge da Ressurreição Maia Rocha : militou num movimento independentista; esteve preso em Angola e em Caxias, Portugal
O meu cunhado não está na lista dos condecorado pela luta pela Independência
5. Vejamos a minha inclusão nos condecorados por contribuição ao Desenvolvimento : será que o cumprimento rigoroso e honesto de funções como Director dum Hospital Público e dum Departamento da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinha Neto não deverá ser uma obrigação de todo o funcionário de Estado, portanto a regra e não uma excepção, tão rara que mereça condecoração? Estaremos a ser cépticos da cidadania e civismo dos Angolanos, ou estamos a trivializar uma distinção que milhares deles merecem? Não vejo, num ou outro meu procedimento conjuntural, ou nas perspectivas que (baldadamente) defendo para uma Saúde para todo o Povo Angolano, motivos adicionais para ser homenageado. Estaria fora da centena que, na minha perspectiva, devia ser condecorada.
EM CONCLUSÃO : os procedimentos adoptados nestas circunstâncias são elucidativos do persistente sequestro da Nação por um Partido que, não obstante as reformas constitucionais, não obstante a grandiosidade e transversalidade da comemoração, a considera como um assunto privado a tratar pelo partido-estado, que toma as decisões , formula os juízos e julga as pessoas sem ouvir a sociedade civil e os outros partidos. Este procedimento visa, a curto prazo, dar maior protagonismo ao Governo. Mas , a médio e longo prazo, não contribui para unidade e concórdia da Nação Angolana, nem mesmo numa data tão solidária e universal como a comemoração da Independência Nacional
Aceito os meus melhores cumprimentos
Luis Bernardino