terça-feira, 17 de julho de 2007

Palácio D. Ana Joaquina

Há uns tempos atrás, quando me enviaram uma foto deste edifício, como sendo o “Palácio D. Ana Joaquina”, avaliei-o de forma ligeira e com uma carga afectiva, a toldar-me as ideias…, fiquei um pouco chocada, e penso até que, deixei um registo da minha indignação, algures na net.
Hoje ao ver novamente uma foto do mesmo edifício, resolvi reflectir um pouco mais, porque ás tantas, nem tudo o que parece é… e não me preocupo nada de ter que mudar de opinião.


(todo o mundo vai cair em cima de mim!!!!!!!!!)

Fiquei indignada, porque? A minha indignação relacionou-se obviamente com o facto de não ter havido um restauro, uma recuperação do edifício antigo…
Se de facto o edifício original tinha valor histórico, deveria ter sido conservado - é assim que todos nós pensamos!
Mas o processo de recuperação será assim tão linear?

Vejamos: o edifício teve várias funções ao longo dos anos, sofreu portanto, transformações para se adaptar a diferentes exigencias a que foi submetido; deduz-se que todo o seu interior estaria profundamente adulterado e degradado - os materiais utilizados no interior, as madeiras, sofreram certamente a acção de diversos agentes de desgaste, ao longo de três séculos, que as teriam levado ao apodrecimento, deterioração e á desagregação. E foi sorte se não houve um incendio lá pelo meio, que eu creio ter havido.

Esta situação repete-se em todas as cidades, infelizmente Luanda não tem a exclusividade.

Quando o exterior de um edifício se apresenta em condições de possível recuperação – e não basta ter as paredes em pé, é necessário que estas estejam aprumadas, que possuam uma fundação resistente, que estejam travadas entre si, capazes de suportar uma nova cobertura e conviver com uma nova estrutura interna, que responda ás novas necessidades – então é fácil: recupera-se o exterior, obedecendo ás mesmas características, e é só!
Novas funções, novo programa, novas formas, contidas numa “caixa”, num invólucro antigo, que satisfaz as vontades e apazigua as consciencias.
E tudo está bem!

Os cidadãos olharão para a obra, com orgulho, com a auto-estima em alta, com a sensação de valores preservados, e a cultura a cumprir-se nessa manifestação arquitectónica.
No entanto um edifício é feito de varias partes: forma, função, volumetria, acessos, programa, interior, exterior, inter-relação com a malha urbana, etc, etc … com esta opção preserva-se uma das partes, mas todas as outras vertentes são esquecidas.
Perante as novas exigências de habitabilidade, nós vamos fechando os olhos e as consciências.
Certo?
Veja-se a famosa Casa dos Bicos em Lisboa, foi isto o que aconteceu.

Como se realiza uma recuperação?

Desmontar paredes, numerar pedras e outros elementos, e voltar a construir obedecendo ao rigor numérico, vi pouquíssimas vezes.

Numa obra, sempre que esta envolve trabalhos de demolição, o passo seguinte, a construção renovada, normalmente afasta-se do que é uma verdadeira recuperação, pois a última operação, hoje, está quase só confinada ao trabalho da arqueologia, que como se compreende, não se compadece, com prazos nem com custos.
Numa obra existem também algumas surpresas, impossíveis de evitar.
Por vezes as acções de preservar e recuperar, fazem parte das intenções de um projecto, mas no momento da execução, chega-se á conclusão que afinal a parede x não tem condições de segurança e que deve ser apeada. Constrói-se de novo, igual, com os mesmos materiais ou outros e ninguém se apercebe disso. Esta é a verdade!!! Será isto uma recuperação?
Nas janelas: substituir ou rasgar painéis de madeira para preencher com vidro, é coisa que já não nos afecta, porque será? Quando pensamos numa janela, pensamos em vidro, no entanto o vidro só se vulgarizou há pouco mais de uma centena de anos. Mas quem gosta de permanecer no interior de um edifício sem visualizar para o exterior?
Luanda - Palácio D. Ana Joaquina, edifício completamente degradado, embasamento salitrado, em continua desagregação, impossibilitando a recuperação de paredes com estabilidade e segurança, apodrecido, em ruínas, no final do século vinte: o que fazer?

Hipótese um – deixar estar como está, prolongar a agonia do edifício até chegar ao ponto de afectar a segurança dos cidadãos, nessa altura, emparedar todos os vãos para ninguém poder entrar, ou limitá-lo com um cordão de inacessibilidade ou até, construir uma vedação digna, para permanecer eternamente como um símbolo, como ponto de interesse cultural, como fazem os gregos e muitos outros, perante edifícios da antiguidade.

Hipótese dois – demolição, construção de um qualquer imóvel, que se preste à especulação imobiliária ou não, com maior ou menor qualidade arquitectónica, utilizando uma linguagem arquitectónica actual, sem qualquer referência ao edifício anterior.

Hipótese três – demolição, construção de uma cópia - a mesma cércea, a mesma forma, a mesma fenestração, a mesma volumetria.

Penso que Luanda optou pela hipótese três.

Acredito que todas as hipóteses tenham sido consideradas e avaliadas.
O projecto foi denominado de reabilitação, de facto.
Como a obra como foi executada?… não sei. As surpresas? desconheço-as! As condicionantes? imagino-as!

(Clique em Ler Mais para ter acesso a todo o texto)
<---Segunda parte do texto --->



Sei que o aspecto final, parece cópia e apenas do alçado principal. Se compararmos as duas fotos, do edifício antigo e do moderno, vemos que o alçado lateral não é igual.



Todas as hipóteses apresentadas são construídas de vantagens e de inconvenientes. Nenhuma delas é a solução ideal. Não há nenhuma solução que satisfaça todos os cidadãos.
As cópias são criticáveis, mas o abandono das referencias pré-existentes também o são, pois constituem-se como o corte definitivo do fio condutor para as gerações futuras.

Consideremos que isto não passa de um erro vulgar de um país jovem!
Será?
Os velhos países da Europa estão cheios de exemplares semelhantes.
Porque nos escandalizamos com isto? Em Veneza pode-se fazer isto, junto ao grande Canal e porque em Luanda não?

Ao referir Veneza, lembrei-me que em Las Vegas, construíram uma réplica de Veneza, á escala natural, motivo de orgulho dos americanos, que filmaram a sua construção e ainda por cima vendem essa filmagem no mundo inteiro.
http://www.viagensimagens.com/lasvegas.htm

Porque eles podem? Copiar o que não é deles e divulgar!!!!! Incrível!
Americanices?
Os europeus fazem igual. Quem não conhece o hotel Cheyenne em Paris, cópia de uma vilória tipo Texas?
Ok! Vou ser menos popularucha e vamos analisar outros casos que se revestem duma maior erudição.

Vejam: a obra mais visitada pelos arquitectos de todo o mundo, não passa de uma réplica – pavilhão de Mies Van der Rohe, em Barcelona, Espanha – e não foi o envelhecimento que provocou a sua demolição, mas sim decisões pouco ponderadas de pessoas pouco habilitadas em reconhecer uma obra de grande valor arquitectónico. E ninguém reclama pelo facto, aliás, penso que a maioria dos seus visitantes nem pensa nisso ou até desconhece.

Nos dias de hoje, como sabem, as cidades com níveis de poluição elevados, começam a ter os seus monumentos afectados, pois as reacções químicas sobre qualquer material, seja granito, calcário, mármore, não perdoam, e são irreversíveis; alguns elementos, começam a ser substituídos por cópias: o Partenon em Atenas, é um edifício em risco e que já há algum tempo se vem pensando seriamente em proceder á sua substituição, inclusivamente as métopas já foram substituidas por cópias.
Haverá outra solução?
Demolir e construir um shoping, ou um centro cultural, será a alternativa?

Só para finalizar: nos últimos anos, quem visitou Florença, certamente não resistiu a uma foto junto de David, de Miguel Ângelo. Pois bem, juro que se tirou a foto no exterior do palácio Vecchio, limitou-se a fotografar uma cópia, pois o original está lá dentro. Digam lá, a sensação foi diferente? A cópia e a réplica estão de certa forma a banalizar-se, no entanto por vezes trata-se da única saída para certas situações altamente problemáticas.

Começo a achar interessante o palacete de Luanda!
Acho que foi evitada a construção de um mamarracho em altura, pois ali o local seria excelente para a especulação.
Só terei que explicar ao meu filho, o que?,… TUDO! No entanto ele não terá muito que imaginar, pois dir-lhe-ei que o edifício de hoje, é uma cópia, muito semelhante ao original. Pedagogicamente, talvez resulte!
Afinal, desculpem a minha ignorância, o que funciona lá dentro? Um tribunal?

O letreiro é o que menos importa… fácil de retirar e substituir, numa hora qualquer!
Hoje estou muito tolerante! amanhã? quem sabe?!

Nota em rodapé: As fotos lindíssimas publicadas neste blog, sobre a cidade de Luanda, aquela Luanda que vai muito para além da linda baía, curiosamente, fazem-me lembrar Havana.
Luanda, para além de ter que solucionar o problema dos musseques, de toda a rede de infra-estruturas, terá de contrariar rapidamente o processo de degradação dos edifícios da cidade do asfalto – um problemão!!! Palacetes como este, ainda resistem 2 ou 3 centenas de anos, os que não o são, tem morte anunciada para breve. O betão armado, apesar de ser o melhor amigo o homem, dura muito menos!
A. Quelhas


Pensar e Falar Angola


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