"O meu pai é um homem de paixões.
Durante alguns anos dedicou-se à fotografia e ao cinema. Comprou uma câmara de filmar, Super 8, que levava para toda a parte. Foi por causa dele e do seu entusiasmo, e por causa também daquela velha câmara, hoje minha, que me tornei documentarista.
Lembro-me, eu era adolescente, em Lisboa, de Dário armar um pequeno écran na sala de visitas, e de projectar slides, ou filmes, sobre Lourenço Marques ou a Ilha de Moçambique. Num deles estou eu, com pouco mais de um ano, numa piscina, dentro de uma bóia com o formato de um pato, a bater na água com ambas as mãos.
Ao fundo, o imenso mar anil.
Noutro filme aparece a minha mãe com uma cana de pesca nas mãos.
Dário via as imagens em silêncio, saboreando um Martíni. No fim, suspirava:– Ah, Moçambique! Foram anos felizes. Às vezes sonho com aquele tempo. Depois acordo e ainda sinto nos lençóis o cheiro de África. Quem não sabe o que é o cheiro de África não sabe a que cheira a vida!...
Quando o avião aterrou em Luanda e abriram as portas, parei um instante no cimo das escadas e enchi os pulmões de ar. Queria sentir o cheiro de África.
Mandume abanou a cabeça, infeliz:– Merda de calor!
Enfureci-me:– Ainda nem pisámos em terra e tu já protestas. Não sabes apreciar as coisas boas?
– Que coisas boas?
– Sei lá, o cheiro, por exemplo. O cheiro de África!
Mandume olhou-me, perplexo:– O cheiro de África?! Cheira a xixi, caramba!...
Fiquei calada. Cheirava mesmo."
"As Mulheres do Meu Pai" por José Eduardo Agualusa.
Pensar e Falar Angola
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