quarta-feira, 22 de abril de 2009

De Benguela para a Gabela…

aproveitando a oportunidade e a disponibilidade para colaborar neste blog, enquanto não entra em nome próprio, eis a primeira crónica de Helena Magalhães, chegada por e-mail.


por Helena Magalhães

 

O fim de semana prolongado da Páscoa, precedido de um compromisso profissional em Benguela,  foi aproveitado para nova incursão naquelas paragens e, no regresso, uma visita à Gabela, a terra dos cafezais  que, segundo informação espúria, estariam em período de floração. 

As flores já se tinham transformado em pequenos bagos verdes, não imediatamente visíveis aos olhos de quem não conhece  o arbusto cafezeiro, de modo que após minuciosa busca lá se percebeu  que estávamos em presença de vastas plantações de café, de um e de outro lado da estrada. O mar verde de onde se erguiam imbondeiros, bananeiras, e um nunca mais acabar de troncos, ramos e folhas numa algazarra de passarada, flores garridas e frutos  “desconhecidos” – a  diversidade  não aproveita à ignorância de visitantes bio-analfabetos  - era afinal o demandado cafezal.  A estrada da Gabela é um espécie de  pesponto ziguezagueante na vastidão da paisagem verdejante, espampanante  no exagero de tons e viços, espelhada no azul prateado do rio que se esgueira por palmares e lagoas, e onde aqui e ali se arredondam aldeias de cubatas e de adobes. Estas, como as da vila,  de casas vermelhas da cor da terra, colmadas ou com telhado de zinco, encarrapitadas nos morros em cascata, assim a  lembrar o  presépio,  humildes  na singeleza dos cómodos e dos haveres. Maravilha para quem vê, é um espanto, dureza para quem lá vive, dá que pensar, mas que não se adivinha no vaivém colorido das gentes e na garridice da catraiada. Dir-se-ia que de tão pouco ter esta gente com pouco se contenta, e se entrega em perfeita harmonia ao brilho da luz ,  apesar do sol  inclemente, que se derrama nas cores cálidas da mãe natureza, ela que a todos se impõe e tudo domina.  Enfim, a visão romântica do passante, bem acantonado no ar condicionado, que no devaneio da miragem  se escusa a  pensar nas endemias e apêndice de enfermidades e escassezes que determinam vidas desprotegidas e mortes prematuras. Beleza e ironia….

A meio caminho, paragem nas cachoeiras do Sumbe, imponente espectáculo natural de luz e som, grossas cortinas cantantes de água a esfumear brancura no verde do entorno recortado no céu azul pintalgado de farrapos de nuvens, e o rio segue lesto a reverberar dourados na manhã soalheira.  Ali perto uma aldeia, e o formigueiro do mercado de rua , cabanas e casas de pau-a-pique, outras mais de alvenaria, porém  esconsas,  perene o abandono das gentes  que se afadigam no  frenesim  de acrescentar  às vidas minguadas  o pão-nosso-de-cada-dia.

Benguela, a cidade das acácias rubras, continua esbelta e mal trajada. Belas vivendas do período colonial,  à vista bem  restauradas, bordejam amplas avenidas,  boas enfiaduras, junto à zona ribeirinha, onde um passeio marítimo a pedir  restauro, salvo no pedaço  ocupado  por restaurantes  e esplanadas, tal como os edifícios, os passeios e os jardins de boa parte da cidade reclamam intervenção urgente. E então Benguela será a bela.

Uma volta pela costa, nos  arredores da cidade, levam-nos à linda praia da Baía Azul, enfeitada  de árvorezitas de rendilhada folhagem, extenso areal  perlado de conchas e pequenos búzios onde um mar canelado, esticadinho,  azul e verde  desenha bicos de espuma branca. Tudo é luz, cor e serenidade apenas agitada   pelo pipiar dos pássaros em revoada.  Adiante,  picada fora na vastidão do festival de verdes da paisagem,  assoma-se à aldeia, paupérrima, e porto de pesca da Caota, com destino à Caotinha, pequeno promontório debruçado sobre  uma extensão de mar de crépon  azul  e esmeraldado  a perder de vista. E a vista perde-se em deleites de lavar-olhos-e-enxaguar-alma.  Num repente, enxameiam os meninos da aldeia dos pescadores, olhitos fosforescentes na lengalenga  da  pedinchice  suscitada pela presença de estranhos, estrangeiros,  entretém de graúdos e pequenada num lugar onde não acontece nada.  Na  desvairada beleza da natureza selvagem e dominadora.  Só a pobreza das gentes mora aqui.

 

Luanda, 16 Abril 2009


Pensar e Falar Angola

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